São cada vez mais comuns as notícias sobre fraudes e golpes praticados no meio digital no âmbito dos negócios e investimentos, e os números são preocupantes, levando-se em conta as volumosas quantias envolvidas e a pulverização e o aumento constante do número de investidores pessoas físicas no mercado financeiro nos últimos anos. As entidades reguladoras do setor, como forma de resguardar o mercado, resolveram estabelecer algumas regras de forma a assegurar a segurança jurídica necessária a manter o setor saudável e confiável.
Com vistas a aumentar a transparência, a viabilizar ações judiciais reparatórios e coibir abusos, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais - ANBIMA, regulamentou a forma de atuação dos influenciadores digitais que atuam no mercado financeiro na divulgação de produtos e oportunidades de investimentos.
Não se trata de iniciativa inédita, uma vez que outros órgãos de relevo do mercado financeiro, como a B3 e a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, também se voltaram para o estabelecimento de regras que protegessem os investidores individuais em face da atuação dos influenciadores digitais financeiros.
As preocupações se justificam, considerando as quantidades de recursos movimentados pelos investidores pessoas físicas no país. Dados da própria ANBIMA indicam que só no ano de 2022, o dinheiro investido por estas pessoas atingiu o espantoso patamar de R$ 5.000.000.000,00, e parte significativa delas seguiu as orientações de influenciadores digitais financeiros. E levando-se em conta que em diversos portais e nas redes sociais, 255 perfis possuem 94 milhões de seguidores, estamos diante de um mercado vasto e que pede atenção e cuidado.
De acordo com a descrição de perfil, o conteúdo e o comportamento nas redes, costuma-se classificar os influenciadores digitais do mercado financeiro em algumas categorias, tais como produtor de conteúdo, analista, casa de análise, especialista, trader, portal especializado, investidor independente, assessoria/corretora, educador financeiro, portal de educação e empresa de software. Resta bastante claro, portanto, que a diversificação e a heterogeneidade do setor é um prato cheio para abusos e fraudes, as quais vem se repetindo, conforme pode ser conferido com frequência nos noticiários e nas redes sociais.
Em um primeiro momento, a Nota de Orientação 20/23 expedida pela BSM – Supervisão de Mercados da B3, visando aprimorar o monitoramento de redes sociais, especialmente no que se refere ao impacto da atuação de influenciadores digitais, no comportamento e na decisão de investimento de investidores nos mercados de capitais e financeiro, expediu algumas diretrizes com melhores práticas em sede de estratégia de educação, comunicação, publicidade e/ou marketing. Nesta direção, afirma a nota que a divulgação de conteúdo com a inobservância de critérios técnicos adequados, pode prejudicar seriamente a credibilidade e a integridade dos mercados de capitais e financeiro.
Desta forma, a referida nota de orientação se voltou a orientar os investidores sobre os parâmetros de controle a serem observados em relação a atuação dos influenciadores, em especial no que toca aos contratos firmados, que devem prever penalidades contratuais, e permitir a identificação, prevenção e a coação a infrações previstas na regulamentação.
A ANBIMA, por sua vez, também divulgou uma série de orientações em seu Manual de Regras e Procedimentos para contratação de Influenciadores Digitais 10/23, que em resumo, determina que as relações entre os influencers e as instituições contratantes sejam firmadas por meio de contratos formais, cujas cláusulas devem conter de maneira clara os meios de divulgação das propagandas, a descrição dos produtos, bem como se estes estão relacionados a atividades reguladas. Foi estabelecida também a obrigatoriedade de registro das remunerações do influenciador, as formas e quantitativos de inserções na mídia.
Um dos pontos mais interessantes da regulamentação em apreço, é o dever do influenciador de indicar de maneira transparente que seu conteúdo e as dicas de investimento são na verdade a publicidade de algum produto financeiro, e não uma análise baseada em sua experiência e vivência.
Tais medidas se somam às tendências que já vêm se consolidando em nosso ordenamento jurídico, como por exemplo, o entendimento de que as plataformas de investimento podem ser responsabilizadas pelo conteúdo divulgado com base no artigo 30 do CDC. Nesta direção, o STJ se alinhou a tese de que o consumidor-investidor é aquele que não desenvolve tal atividade de maneira reiterada e profissional, ou seja: investe pequenos valores e não possui conhecimentos técnicos aprofundados.
Na prática, todavia, a aplicação de sanções nos casos de abusos encontra uma série de dificuldades advindas da própria estrutura pulverizada, capilarizada e dinâmica da internet e das redes sociais. Assim, embora as iniciativas sejam louváveis, o mais provável é que a situação pouco se altere.
Ao fim e ao cabo, a prudência e o conhecimento da regulação são os grandes diferenciais de quem se aventura o mercado financeiro, em especial os pequenos investidores pessoas físicas. Em obra na qual analisa o colapso financeiro de 2008, Michael Lewis, de maneira muito espirituosa afirmou que “os que sabem não contam, e os que cotam não sabem”, o que deve sempre ser observado em tempos de hiper acesso a informação, e onde esta nem sempre vem de fontes confiáveis.