A discussão em torno da responsabilização dos veículos de imprensa volta à tona com a recente decisão do STF, no Recurso Extraordinário 1.075.412/PE, que, apesar de asseverar a necessidade de plena proteção à liberdade de imprensa sob o binômio liberdade-responsabilidade, fixou que a empresa jornalística poderá sofrer reprimendas cíveis em caso divulgação de falsas imputações se, na época da veiculação, haviam indícios concretos de sua inveracidade.
Além disto, a Corte Suprema determinou que a inobservância do dever de cuidado que deve nortear a atuação dos instrumentos jornalísticos quando da verificação da veracidade dos fatos divulgados é essencial para fixar a responsabilização cível daqueles que veiculam material no qual um entrevistado imputa falsamente uma conduta a terceiros.
Neste contexto, é necessário pontuar o potencial de impacto que muitas empresas jornalísticas detêm, na medida em que a disseminação das informações por elas divulgadas atinge patamares que impossibilita que o conteúdo, uma vez posto na mídia, seja controlado ou até mesmo retirado do ar por seus emissores, sem que restem rastros dos danos gerados em decorrência de sua falsidade ou ilicitude.
Assim dizendo, uma vez pressionado o botão que autoriza a publicação de uma entrevista permeada de falsas afirmações e declarações ilícitas, não há mais qualquer mecanismo apto a frear os prejuízos sociais e a reputação dos ofendidos, cabendo à imprensa e ao próprio Estado apenas mitigar as consequências de uma informação mal planejada.
Outrossim, considerando o potencial lesivo das informações que circulam via comunicação de massa, é necessário que os sujeitos responsáveis pela sua transmissão sejam responsabilizados também criminalmente, nos casos em que o teor da matéria constitua, por si só, um crime, o que não é tarefa nada fácil para a legislação brasileira, devido ao grande número de personagens envolvidos na criação do conteúdo jornalístico.
A responsabilização criminal, contudo, é necessária e demanda a boa aplicação dos institutos penais já existentes, para evitar excessos na aplicação das penas, que devem atuar sobre os culpados da prática delitiva na extensão de sua culpabilidade.
Desta forma, a antiga – porém ainda em vigor – lei 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa, traz parâmetros para que se promova a punição dos responsáveis pelos “descuidos” ocorridos na criação do conteúdo jornalístico, os quais devem ser analisados em harmonia com os ditames da Constituição Federal de 1988, apesar da norma em comento ostentar uma considerável senioridade em relação à Carta Magna atualmente em vigor.
Nesta linha, o principal dispositivo contido na lei de Imprensa é a “responsabilidade penal sucessiva”, a qual respalda severas críticas atinentes ao fato de que o critério adotado pela norma está em desarmonia com a constituição vigente, já que cria uma ordem de atores jornalísticos que deveriam ser punidos criminalmente, indo desde o autor da informação incriminada, até o redator-chefe do jornal ou periódico.
Por este viés, o instituto da responsabilidade penal sucessiva acaba impondo uma responsabilização objetiva aos personagens envolvidos na criação do conteúdo de imprensa, distribuindo a culpa aos sujeito apenas por ocuparem cargos de chefie e direção, sem medir o grau de comprometimento de cada um com a empreitada criminosa.
Ademais, é possível estabelecer um paralelo entre a responsabilidade penal prevista na Lei de Imprensa e aquela atribuída à diretores de grandes empresas que, no âmbito de operações como a Lava Jato, foram acusados de delitos financeiros cometidos por seus subordinados em decorrência de ocuparem funções de comando na companhia, o que implicaria, supostamente, em um domínio sobre os fatos criminosos praticados na estrutura empresarial.
Diante do exposto, denota-se a necessidade de uma remodelagem nos parâmetros adotados para a imputação criminal em crimes cometidos com o uso da imprensa, harmonizando as normas vigentes com a lógica constitucional estabelecida, sendo certo que cabe aos veículos de comunicação de massa observar o dever de cuidado na verificação da veracidade das informações divulgadas, bem como eventual transmissão de erratas que visem corrigir eventuais falhas na comunicação, passíveis de gerar danos à sociedade e ao Estado.