Inicialmente, faz-se necessário discorrer sobre o surgimento do Constitucionalismo no mundo, cuja data exata é de difícil definição, uma vez que várias civilizações primitivas foram sendo criadas simultaneamente. Todavia, para alguns, foram os povos hebreus os primeiros a criar materialmente uma espécie de Constituição para determinar direitos e deveres inerentes aos líderes e a população. Destarte, pode-se referir que esta criação se pautava no estado teocrático, limitando o poder daqueles que ultrapassavam os limites religiosos. Posteriormente, no século V a.C, surgiram as “cidades estado gregas”, originando o ideal democrático como sistema político inovador, com participação dos cidadãos ativos. Nesse viés, é importante citar o filósofo Aristóteles1 como criador da expressão “Politeia” (Constituição), para expressar o reflexo da comunidade política daquela época.
Ademais, na continuidade da evolução da história constitucional, pode-se destacar a Magna Carta de 1215, na representação do constitucionalismo medieval, reconhecendo o valor das instituições e arrefecendo certas prerrogativas da monarquia. Explicando melhor, com este documento, os reis tinham que consultar a nobreza para declarar guerra, precisavam ter consentimento para criar tributos e delegariam os julgamentos aos nobres. Ulteriormente, durante a Idade Moderna, outro marco constitucional surgiu em 1689, denominado Bill of Rights, sendo o primeiro documento oficial cujo teor garantia a participação popular, por meio de representantes parlamentares. Destarte, utilizando-se deste documento, era possível vedar a cobrança de impostos excessivos, além de garantir a liberdade de imprensa e o direito à propriedade privada. Todavia, apesar dos cidadãos ingleses deixarem de ser súditos, muitas críticas surgiram, por parte dos doutrinadores, a respeitos da falta de universalização dos direitos individuais.
Nessa linha de argumentação, faz-se necessário descrever sobre o constitucionalismo norte-americano e a peculiaridade intrínseca, referente aos contratos de colonização das colônias. Explicando melhor, foram elaborados consensos mútuos e regras de governança entre peregrinos recém-chegados que foram posteriormente confirmados pelo Rei Carlos II. Assim, os indícios de constitucionalismos norte-americanos nasceram de contratos bilaterais que inspiraram a Constituição da Confederação dos Estados Americanos de 1781 e inspiraram a criação de outras Cartas Magnas pelas nações.
Para complementar a linha histórica, é importante mencionar a era do Constitucionalismo moderno, cujos destaques eram Leis Supremas escritas, para tentar conter poderes arbitrários absolutistas. Por conseguinte, seguindo a linha iluminista utilizada na época, valorizava-se o individualismo, absenteísmo estatal, a valorização da propriedade privada e a proteção do indivíduo (direitos de primeira dimensão).Nessa perspectiva, pode-se destacar como marco formal a Constituição norte-americana de 1787 e a Constituição Francesa de 1791. Entretanto, este sistema liberal estava fadado a arrefecer, uma vez que foi concentrando a renda e excluindo socialmente parte da população, indo na contramão do bem-estar social.
Em decorrência dos fatos supracitados, evidenciou-se a necessidade de se implementar a Estado Social de Direito, perpetuando os direitos positivos de segunda dimensão, chamados de direitos positivos. Isto é, o Estado passou a elaborar normas programáticas sociais e fortalecer as políticas públicas coletivas, subjugando o absenteísmo estatal em xeque. Para exemplificar, tem-se a constituição do Mexico de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919. Destarte, após a mudança de paradigma das ideias não intervencionistas, para os valores associados ao bem-estar social, havia a problemática da lacuna orçamentária para a real efetivação de políticas públicas efetivas.
Nessa toada, era notória a positivação de um constitucionalismo globalizado, com Constituições programáticas, contendo axiologias totalitárias sociais realmente concretas. Segundo o doutrinador André Ramos Tavares2, “é importante enaltecer o constitucionalismo da verdade, erradicando-se dos corpos constitucionais as que são praticamente inalcançáveis pela maioria dos Estados, sendo meras realidades utópicas”. Assim, ostenta-se, na contemporaneidade, um ideal de constitucionalismo universal, cujo objetivo pontual seria a difusão de direitos humanos para todas as nações. Por conseguinte, pode-se destacar que a decorrência deste movimento foi o surgimento da fraternidade e da solidariedade como direitos de terceira dimensão, expandindo o leque protecionista estatal coletivamente.
Segundo o jurista José Roberto Dromi3 em sua obra La reforma constitucional, “o futuro do constitucionalismo deve estar influenciado para identificar-se com a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuidade, a participação, a integração e a universalidade”. Nessa linha de pensamento, cada vez mais, espera-se que a Constituição não seja uma mera folha de papel, com geração de meras expectativas, mas sim a positivação maciça de direitos eleitos por meio da democracia participativa. Além disso, a universalidade da Lei Maior refere-se à participação de órgãos supranacionais, tratando efetivamente de direitos fundamentais internacionais como a dignidade da pessoa humana, a defesa da paz, a não intervenção, e o repudio ao terrorismo, dentre outros.
Desse modo, após toda a tratativa referente à historicidade do Constitucionalismo, desde os primórdios das civilizações, infere-se que o seu surgimento preconizou a contenção de atitudes arbitrárias das autoridades, conquanto, na atualidade, ultrapassa esta função ao programar direitos de segunda e de terceiras dimensões. Com a chegada de 2024, inicia-se o questionamento sobre o que será elaborado pelos legisladores para evoluir conforme os desejos dos cidadãos participativos da democracia. Nessa toada, espera-se que sempre haja um balanceamento entre os princípios constitucionais do mínimo existencial e da reserva do possível para que o Constitucionalismo evolutivo seja um espelho real da humanidade proativa.
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1 Aristóteles foi um filosofo grego que escreveu o livro A Política, descrevendo a politeia como verdadeiro estado e melhor forma de governo.
2 André Ramos Tavares e um jurista, advogado e professor brasileiro e ministro do tribunal Superior Eleitoral.