INTRODUÇÃO
Dentre as múltiplas funções da responsabilidade civil, se encontra a função preventiva.
Usualmente essa função se funda em aspectos econômicos: quanto maior for o valor, quanto mais diversas forem as hipóteses de reparação e quanto mais simples e fácil forem as possibilidades existentes para obtenção da reparação, maior seria a chance dos prestadores buscarem evitar os danos. A prevenção, assim, seria alcançada muito mais pela busca da preservação ou maximização do lucro e do resultado, a serem distribuídos aos acionistas, do que, propriamente, por uma atuação de índole cuidadosa e altruísta de prevenção. Ou seja: sob o aspecto econômico, se parte da ideia de que, enquanto o risco de perda não for substancial economicamente, não haveria estímulo à atuação preventiva dos prestadores. Nessa linha de pensamento, muito pouco são utilizadas as chamadas “sanções premiais”, ou seja, benefícios concedidos ao causador do dano em função de comportamentos socialmente positivos.
Não entrando no mérito ou consequência desse argumento econômico e, simplesmente, partindo do pressuposto de que esse seria uma argumento válido, esse argumento, embora fazendo sentido para iniciativa privada, faria sentido na área pública? Será, por exemplo, que a facilitação dos meios de prova para vítima, ou o aumento do valor da condenação, ou o surgimento de novos danos indenizáveis, traria algum efeito de estimular o Estado a prevenir?
Infelizmente, a resposta parece ser negativa. O custo de uma eventual condenação na área pública, em realidade, não atinge “ninguém”, na medida em que esse custo será assumido pela Sociedade como um todo.
QUESTÃO
Como, então, trabalhar a prevenção de danos na área pública? Mais precisamente, como trabalhar a prevenção de danos na área da saúde pública?
Não seria nem pelo aumento do valor da condenação, nem pelo aumento das hipóteses de indenização, que tanto assustam à iniciativa privada; essas medidas não assustam e, por isso, pouco, ou em nada, contribuem para a melhoria da atuação das unidades públicas de saúde. Pode-se entender, mesmo, que essas medidas aumentam as despesas e oneram ainda mais um Estado pobre, protegendo/favorecendo, exclusivamente, aquelas pessoas alcançadas pelo danos e, não, toda a coletividade.
ALGUMAS IDEIAS PARA FOMENTAR DISCUSSÃO
Então, [1] focando na prevenção de danos nos serviços públicos de saúde (sejam eles prestados diretamente pela rede pública ou por particulares integrante da rede complementar), serviços esse que atendem prioritariamente cerca de 75% da população brasileira, população essa que não possui plano de saúde; [2] considerando que múltiplas seriam as causas de danos na área da saúde; dentre elas, destacando-se: [i] a falta de condições mínimas para a atuação dos profissionais (estrutura, material, medicamento e equipamento); e [ii] a falha na formação dos profissionais (do ponto de vista ético e profissional); [3] considerando, ainda, que as duas causas, citadas anteriormente, para serem enfrentadas, demandariam políticas públicas especificas, que envolveriam tanto a alocação/gestão de recursos públicos, quanto normas e regras específicas referentes à formação dos profissionais (formação básica, reciclagem e treinamento periódico) e controle efetivo de suas atuações; e [4] por fim, considerando que essas políticas, se implantadas, demandariam uma atuação em um nível geral e não específico, surgem algumas ideias/questionamentos buscando se buscar mecanismos para se tentar atuar mais efetiva e localmente em busca da prevenção de danos:
- Será que seria possível, quando do início de um processo judicial de reparação de danos, ser intimada a ANVISA para que ela comprovasse a existência das condições mínimas para atuação dos profissionais na unidade de saúde demandada e para a prestação dos serviços de saúde (na unidade pública ou privada integrante da rede complementar)? E mais, será que seria possível se exigir que a ANVISA juntasse esse documento ao processo, indicando as medidas a serem adotadas? Será que a adoção dessas medidas, pela unidade de saúde, poderia ser considerada como elemento para se afastar o caráter punitivo de determinada condenação? Ou, será que ela poderia servir de base para que o Ministério Público atuasse, visando, desde já, serem sanados os eventuais problemas encontrados?
- Por outro lado, será que seria possível, quando de uma condenação em processo judicial de reparação de danos, se impor como penalidade a implantação de um programa de treinamento para a unidade de saúde envolvida, no qual fossem discutidos os efeitos do dano causado e as medidas que poderiam ter sido adotadas para evitá-los? E,
- Por fim, aqui, será que seria possível, em caso de condenação transitada em julgado, se impor a necessidade de um curso de reciclagem para o profissional envolvido, com uma reavaliação desse profissional pelo Conselho Federal a que ele estivesse vinculado (ex: Conselho Federal de Medicina, para médicos; Conselho Federal de Enfermagem, para enfermeiros; entre outros)?
CONCLUSÃO
O objetivo dessas ideias (absurdas e/ou irreais ?!?!) é, tão somente, provocar o debate em busca da melhoria do serviço público e do desenvolvimento de mecanismos de proteção a uma parcela significativa da população brasileira, que hoje se utiliza do sistema público de saúde.