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O olhar do DREI sobre a formação de condomínio de quotas entre cônjuges casados sob o regime de comunhão total de bens

O DREI emitiu um Ofício Circular com vistas a ratificar a impossibilidade de formação de condomínio de quotas entre cônjuges, casados sob o regime de comunhão total de bens.

5/12/2023

Na última quarta-feira, 22 de novembro, foi emitido um Ofício Circular, pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração - DREI, o qual teve como objetivo orientar as Juntas Comerciais acerca da constituição de empresa que tem condomínio de cotas entre cônjuges casados entre si sob o regime de comunhão universal de bens.

O ofício tratou-se de uma retificação do despacho exarado pelo Departamento em 17 de novembro de 2023, consoante o qual o DREI informara sobre "não haver impedimentos para a formação de uma subsociedade entre cônjuges, por meio da copropriedade das quotas, independentemente do regime de bens.".

Em suma, a orientação surge num contexto no qual uma prática corriqueira estava sendo utilizada pelas sociedades empresárias limitadas e aceita por algumas juntas comerciais: a formação de condomínio de quotas entre cônjuges, casados sob o regime de comunhão total de bens.

Como é cediço, há expressa proibição do Código Civil no que tange à contratação de sociedade por cônjuges quando o regime de bens do casamento for a separação obrigatória ou a comunhão universal, conforme prevê o artigo 977 desse diploma legal. 

Aqui não vamos adentrar da hermenêutica jurídica de tal vedação, sendo o propósito deste artigo apenas apresentar o estado da arte sobre a matéria e a posição atual do DREI.

Inclusive, com o intuito de revogar esse dispositivo específico, tramita no Congresso Nacional o PL 3024/211. O objetivo desse projeto é modificar o texto do artigo 977 para superar legalmente a atual impossibilidade, propondo a seguinte redação: “Art. 977. É lícito aos cônjuges, independentemente do regime civil de bens ou de separação obrigatória, constituir sociedade entre si ou com terceiros.”

Como mencionado, as juntas comerciais dos estados estavam deparando-se com situações de arquivamento de atos constitutivos ou alterações de atos constitutivos societários nos quais constava a figura do condomínio de quotas como sócio. Em suma, um dos cônjuges, sócio da sociedade, transferia parte das suas quotas para um condomínio, formado entre este e o outro cônjuge, ambos casados em regime de comunhão universal.

Ocorre que essa prática encontra alguns percalços no ordenamento jurídico pátrio, sendo eles: 1) a impossibilidade de o condomínio de cotas titularizar cotas em nome próprio; 2) a necessidade de inclusão dos cônjuges-condôminos no contrato social como sócios; e 3) a impossibilidade de formação de condomínio voluntário entre os bens dos cônjuges casados em regime de comunhão total de bens, como será tratado a seguir.

Primeiro, essa espécie de condomínio, o condomínio de cotas, não tem autorização legal para ser titular de quotas em nome próprio, tendo em vista a ausência de personalidade jurídica e capacidade obrigacional desse ente despersonalizado. Explica-se.

Como é sabido, nem todo sujeito de direito apresenta personalidade jurídica. Esse é o caso dos entes despersonalizados, por exemplo, a massa falida, o fundo de investimento, o espólio, o condomínio edilício e o condomínio de cotas. A essas entidades, excetuando-se a última, a lei outorgou capacidade judiciária (art. 75 do CPC), bem como a capacidade de ser titular de direitos e deveres estritos.

Às entidades despersonalizadas há uma restrição ao princípio da legalidade, razão pela qual estas apenas podem agir conforme a finalidade para as quais foram criadas, isto é, tudo lhe é proibido, exceto se a lei autorizar (legalidade estrita).  Em outras palavras, esses entes não têm aptidão genérica para aquisição de direitos e deveres.

No caso do condomínio de cotas, por falta de expressa previsão legal, esse não apresenta capacidade de adquirir direitos e obrigações, razão pela qual não poderia ser titular de cotas em nome próprio.

Outrossim, o condomínio de cotas permite que os condôminos tornem-se sócios. O instituto do condomínio de cotas está previsto no art. 1.0562 do Código Civil. Assim, as cotas sujeitas ao condomínio são pertencentes aos cônjuges (condôminos), mesmo que apenas o condômino representante exerça os direitos relativos às cotas. Ademais, conforme prevê o parágrafo 2º do art. 1.056 do Código Civil, os condôminos respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização, o que nos faz constatar que todos os condôminos devem constar no contrato social da sociedade na qualidade de sócios. Situação que nos faz inferir que são os condôminos que passam a ser sócios da sociedade e não o condomínio formado por eles.

Inclusive a Junta Comercial de Santa Catarina fez, ainda em janeiro de 2023, um passo a passo para a alteração contratual em caso de instituição de condomínio de cotas, abordando o seguinte:

Sendo formado o condomínio de quotas por dois irmãos, por exemplo, levando em consideração a quantidade de 20 mil quotas no valor nominal de R$ 1,00, sendo fracionado em 60% para o irmão 01 e 40% para o irmão 02, no DBE/CNPJ será informado no QSA que o irmão 01 possui R$ 12.000,00 de participação e no QSA do irmão 02 a participação de R$ 8.000,00. Atenção! Não existe no QSA do DBE/CNPJ e no requerimento eletrônico a qualificação de “condomínio de quotas” ou “condômino”. Logo, no DBE/CNPJ o integrante da sociedade deve ser qualificado conforme a relação societária estabelecida entre os sócios e a qualificação pessoal do integrante da sociedade, ou seja, sócio ou sócio-administrador ou sócio incapaz ou relativamente incapaz (exceto menor), entre outras3.

Dessa forma, o simples fato de os condôminos figurarem como sócios no contrato social já afastaria a possibilidade de se estabelecer condomínio de quotas entre cônjuges casados em comunhão universal, tendo em vista a expressa vedação do artigo 977 do Código Civil.

Além disso, o condomínio de quotas trata-se de uma espécie de condomínio voluntário ou convencional, que é aquele que nasce da vontade das partes. Tartuce assim define este instituto:

Como ficou claro, o condomínio voluntário ou convencional é aquele que decorre do exercício da autonomia privada. Anote-se que o tratamento do Código Civil de 2002 a respeito dessa categoria exclui o condomínio em edificações ou edilício, que tem regulamentação em separado na codificação. Ilustrando, como hipótese de condomínio voluntário, imagine-se a situação em que cinco amigos adquirem uma casa no litoral do Brasil, para compartilharem o uso, a fruição e os gastos relativos ao imóvel, o que, reitere-se, pode ser regulado também pela lei 13.777/18, como se verá. Ou, ainda, situação em que os herdeiros convencionam que os bens partilhados fiquem em condomínio em relação a todos. (TARTUCE, 2022, p.365)

Nesse diapasão, não é possível que os bens da mancomunhão figurarem em um condomínio voluntário. Isso ocorre, pois, como já exposto, o condomínio voluntário é um instituto consoante o qual a propriedade de um bem será fracionada, de acordo com a livre vontade das partes. Dessa forma, a fração do bem que pertence a um condômino pode ser vendida, doada ou gravada de ônus, sem anuência prévia dos demais condôminos. O mesmo não ocorre com o patrimônio dos cônjuges casados em regime de comunhão total de bens, no qual os bens  presentes e futuros dos cônjuges, bem como as dívidas, se comunicam. Independentemente da natureza, seja ela móvel ou imóvel, direito ou ação, esses bens convergem para constituir um conjunto único, um patrimônio coletivo, de modo que, não pode um dos cônjuges, sem a anuência do outro, vender, doar ou gravar de ônus qualquer dos bens comuns (ARRUDA, SANTA CRUZ, 2023, ONLINE).

O DREI finalizou a recomendação apontando que as juntas devem seguir esse entendimento e não mais aceitar o depósito de atos constitutivos nos quais haja a previsão do condomínio entre cônjuges no regime aqui exposto, ratificando a previsão legal do art. 977 e a necessidade de atentar-se a barreira nele prevista até que haja alteração legislativa que promova a permissão da sociedade entre cônjuges casados em regime de comunhão total.

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1 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/149628.

 

2 “Art. 1.056. A quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência, caso em que se observará o disposto no artigo seguinte.

§ 1º No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante, ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido.

§ 2º Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização.”

3 Disponível em: https://www.jucesc.sc.gov.br/index.php/informacoes/downloads/passo-a-passo/ltda/empresario-individual-e-sociedade-limitada-1/alteracao-contratual-condominio-de-quotas/4343-alteracao-contratual-condominio-de-quotas/file

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TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Coisas. v.4. Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559643486. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559643486/. Acesso em: 04 dez. 2023.

SANTA CRUZ, André; ARRUDA, Pablo. A impossibilidade jurídica do condomínio de quotas para cônjuges casados em regime de comunhão universal de bens. Disponível em: https://webadvocacy.com.br/2023/07/17/a-impossibilidade-juridica-do-condominio-de-quotas-para-conjuges-casados-em-regime-de-comunhao-universal-de-bens/.

 

Ana Carolina de Morais Lopes
Ex-Diretora presidente da Ágora Consultoria Jurídica. Membro do Grupo de estudos e pesquisas em Direito digital e direitos culturais da UFERSA e do Grupo de Pesquisa em Direito, Economia e Mercados.

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