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A revisão criminal

A revisão criminal não é o instrumento adequado para a reapreciação de teses já afastadas por ocasião da condenação definitiva, e não comporta a reanálise do conjunto fático e probatório, ou seja, não deve ser utilizada como segundo recurso de apelação.

5/12/2023

A revisão criminal é um recurso cabível contra sentença penal condenatória transitada em julgado, com previsão legal no artigo 621 do Código de Processo Penal, e o seu processamento dependerá do enquadramento em uma das hipóteses taxativas descritas no referido dispositivo infraconstitucional:

Art. 621.  A revisão dos processos findos será admitida:

  1. quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
  2. quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
  3. quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Essa ação não é o instrumento adequado para a reapreciação de teses já afastadas por ocasião da condenação definitiva, e não comporta a reanálise do conjunto fático e probatório, ou seja, não deve ser utilizada como segundo recurso de apelação:

O entendimento adotado pela Corte a quo não destoa da jurisprudência deste Tribunal Superior, firmada no sentido do "não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, 'com vista ao mero reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP (AgRg no REsp n. 1.781.148/RJ, Ministro Joel Ilan Paciornik) [...]'" (AgRg no AREsp 1.453.128/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 4/2/20, DJe 12/2/20). (AgRg no HC n. 761.162/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 2/10/23.)

Em linhas gerais, a revisão criminal é incabível fora das hipóteses descritas no artigo 621 do Código de Processo Penal:

Não se admite revisão criminal fora das hipóteses descritas nos incisos do art. 621 do Código de Processo Penal. (AgRg na RvCr n. 5.996/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 13/9/23, DJe de 18/9/23.)

Aliás, a mudança de entendimento jurisprudencial não é capaz de desconstituir os fundamentos da sentença penal condenatória:

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que a mudança de entendimento jurisprudencial não autoriza a desconstituição dos efeitos da coisa julgada, ressalvadas hipóteses excepcionalíssimas de entendimento pacífico e relevante, o que não se constata na espécie. Precedentes. (AgRg no HC n. 850.862/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 16/10/23, DJe de 19/10/23.)

De acordo com o artigo 624 do Código de Processo Penal, se a condenação transitar em julgado perante os Tribunais de Justiça ou TRFs, a revisão criminal deverá ser proposta perante esses próprios órgãos. Se a condenação foi decretada ou mantida pelos colegiados do STJ ou do STF, competirá a esses órgãos fazer a revisão do julgado.

A jurisprudência desta Corte Superior é firme ao asseverar, com base no disposto no art. 239 do RISTJ, a competência deste Tribunal para julgamento de revisão criminal "nas hipóteses em que a condenação tiver sido decretada ou mantida no julgamento colegiado de recurso especial, se o fundamento revisando coincidir com a questão federal apreciada pelo órgão julgador" (AgRg na RvCr n. 5.586/BA, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 3ª S., DJe 16/4/21).

O caso dos autos se enquadra no precedente citado, haja vista que o acórdão proferido pela Sexta Turma desta Corte Superior, no AgRg no AREsp n. 445.578/RJ, manteve a condenação do réu e a reprimenda fixada pelo Tribunal estadual. Além disso, a matéria suscitada no pleito revisional foi a mesma apreciada por este órgão colegiado no agravo em recurso especial já mencionado - a revisão da dosimetria da pena. (AgRg no REsp n. 1.947.841/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 28/8/23, DJe de 30/8/23.)

Portanto, por exemplo, se o STJ conhecer do recurso especial, dando-lhe ou negando-lhe provimento, e se a matéria suscitada no pleito revisional for a mesma apreciada pelo órgão colegiado, competirá ao próprio STJ fazer a revisão do julgamento. No entanto, se o STJ não conhecer do recurso especial, ou se a matéria arguida na revisão criminal for diferente do que foi decidido pelo colegiado do STJ, competirá aos Tribunais de Justiça ou TRFs fazer a revisão do julgado.

Trocando em miúdos, se o STJ conhecer do recurso especial que discutia tese sobre violação ao artigo 59 do Código Penal, mas a revisão criminal foi fundamentada com tese que vindicava a revisão com base no artigo 240 do Código de Processo Penal, competirá aos Tribunais de Justiça ou TRFs fazer a revisão do julgado, uma vez que o fundamento revisando é diferente da questão federal apreciada pelo STJ.

É importante destacar que a impetração de habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça como substitutivo de revisão criminal configura usurpação de competência do Tribunal a quo, pois cabe ao STJ julgar as revisões criminais de seus próprios julgados:

Esta Corte possui entendimento no sentido de que o recebimento do habeas corpus como revisão criminal configura usurpação de competência do Tribunal de origem pois cabe ao STJ julgar somente as revisões criminais de seus próprios julgados. (AgRg nos EDcl no HC n. 831.123/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/9/23, DJe de 14/9/23.)

Aliás, se o pedido revisional é feito com suporte em alegações de que a sentença condenatória transitada em julgado fundamentou a condenação com base em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos, é indispensável que o autor do pedido revisional instrua a sua petição inicial com a cópia integral da ação de justificação criminal, uma vez que a prova unilateral, sem contraditório, pode ser desconsiderada pelo órgão responsável pela análise do pleito revisional:

Consoante consignado no acórdão atacado, a prova nova trazida pelo ora agravante é unilateral, ou seja, não foi produzida judicialmente, assegurando o exercício do contraditório, por meio do procedimento de justificação criminal (HC n. 505.492/AM, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/6/19, DJe de 1/7/19). (AgRg no HC n. 815.249/SE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/10/23, DJe de 16/10/23.)

Por fim, o STJ tem admitido a utilização da revisão criminal quando constatada patente ilegalidade na fundamentação da exasperação da pena-base. Em outros termos, é incabível a exasperação da pena-base quando a decisão é motivada em circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal. No julgamento do AgRg no HC n. 818.557/PB, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/8/23, DJe de 1/9/23, em que se julgou caso de homicídio, foi concedida ordem de habeas corpus de ofício para redimensionar pena que foi exasperada a partir de fundamentação genérica, ou seja, lastreada no resultado morte. Confira trechos do voto proferido pelo eminente Relator:

Por sua vez, as consequências do crime de homicídio não podem ser avaliadas negativamente em razão do ordinário resultado morte da vítima ou do clima de insegurança produzido na sociedade, sem que se indiquem outras particularidades aptas a caracterizar a maior gravidade do delito em apenamento. Como nada mais foi mencionado no caso, a referida vetorial também deve ser decotada.

Portanto, a revisão criminal, quando bem empregada, é um excelente remédio para a correção de ilegalidades oriundas de desacertos contidos na sentença condenatória. É um instrumento de defesa que deve ser produzido de forma cirúrgica, evitando-se a fundamentação prolixa, ou que vise à reinauguração do conjunto fático e probatório.

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Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.

Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

AgRg no HC n. 761.162/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/9/23, DJe de 2/10/23.

AgRg na RvCr n. 5.996/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 13/9/23, DJe de 18/9/23.

AgRg no HC n. 850.862/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 16/10/23, DJe de 19/10/23.

AgRg no REsp n. 1.947.841/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 28/8/23, DJe de 30/8/23.

AgRg nos EDcl no HC n. 831.123/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/9/23, DJe de 14/9/23.

AgRg no HC n. 815.249/SE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/10/23, DJe de 16/10/23.

AgRg no HC n. 818.557/PB, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/8/23, DJe de 1/9/23.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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