Migalhas de Peso

Regulamentação de Benchmarks da UE: mudanças da proposta 2023/0379

A proposta de 2023 para a Regulamentação de Benchmark da UE busca modernizar e simplificar o cenário regulatório, concentrando-se em benchmarks críticos e significativos e reduzindo o ônus para benchmarks não significativos.

4/12/2023

Contexto histórico e necessidade de reforma

A Regulamentação de Benchmarks (índices de referência) na UE remonta a um contexto em que os mercados financeiros globais enfrentavam desafios significativos relacionados à confiança e integridade nos índices de referência financeiros. Esta necessidade de uma regulamentação foi impulsionada pelas após problemas com importantes benchmarks, como o LIBOR e o EURIBOR, que desencadearam uma crise de confiança e levantaram questões sobre a governança e transparência desses índices1.

Desse modo, a UE introduziu a Regulamentação de Benchmarks (Regulamento (EU) 2016/1011), em vigor desde 1º de janeiro de 2018, estabelecendo um conjunto de regras destinadas a assegurar a precisão e integridade dos benchmarks utilizados nos instrumentos financeiros2. Este regulamento abrange diversos benchmarks, incluindo taxas de juros, índices de ações e benchmarks de commodities, e estabelece requisitos rigorosos sobre os administradores desses índices, como a necessidade de registro, transparência na metodologia e medidas para evitar conflitos de interesse.

Contudo, em outubro de 2023 a UE propôs uma revisão da Regulamentação de Benchmarks, que fora impulsionada por vários motivos, que refletem as necessidades do mercado financeiro3. Primeiramente, há um reconhecimento crescente da necessidade de adequação e proporcionalidade na regulamentação.

A experiência acumulada desde a implementação do regulamento original evidenciou a importância de uma abordagem que considere o impacto variado dos diferentes tipos de benchmarks no mercado. Portanto, isso inclui um foco renovado nos benchmarks críticos e significativos, que possuem um impacto substancial na economia e nos mercados financeiros, e cuja integridade é crucial para a manutenção da confiança e estabilidade do sistema financeiro.

Além disso, a revisão busca aliviar o ônus regulatório para os administradores de benchmarks não significativos, muitos dos quais são pequenas e médias empresas. Logo, essa mudança é necessária para fomentar a inovação e eficiência operacional, permitindo que essas empresas contribuam mais efetivamente para o mercado sem o peso de requisitos regulatórios desproporcionais.

Ademais, a reforma também responde a desenvolvimentos globais e tendências de mercado, como a crescente importância dos benchmarks relacionados à sustentabilidade e questões climáticas (ESGs).

Mudanças na definição de Benchmarks significativos

Na proposta de revisão da Regulamentação de Benchmarks da UE, a definição e classificação de benchmarks significativos é estabelecida pelo Artigo 24 da proposta. Anteriormente, a determinação de um benchmark como significativo baseava-se em um conjunto mais genérico de diretrizes.

Agora, a proposta introduz que um benchmark é considerado significativo se for utilizado como referência para instrumentos financeiros ou contratos que totalizam um valor de pelo menos EUR 50 bilhões. Ao estabelecer um valor quantitativo específico, a proposta visa garantir que os recursos regulatórios sejam concentrados nos benchmarks que têm um impacto considerável no mercado financeiro.

Assim sendo, a proposta, conforme delineado no Artigo 2 da revisão, traz uma redução significativa nos requisitos regulatórios. Benchmarks que não atendem ao critério de significância não estarão mais sujeitos às rigorosas normas de governança, transparência e metodologia que se aplicam aos benchmarks significativos e críticos.

As consequências para os administradores de benchmarks não significativos são, portanto, bastante positivas. Esses administradores, que frequentemente incluem pequenas e médias empresas, poderão operar com maior flexibilidade e menos ônus regulatórios.

Regulações para Benchmarks críticos

A proposta 2023/0379 mantém a ênfase na rigorosa supervisão de benchmarks críticos, que são aqueles com um papel substancial e sistemático nos mercados financeiros da UE. Esses benchmarks são essenciais para a estabilidade financeira e a integridade do mercado, e, como tal, a supervisão contínua assegura a confiabilidade e a precisão dessas medidas.

A abordagem consistente na supervisão de benchmarks críticos reforça a confiança do mercado e a estabilidade financeira. Para os investidores e participantes do mercado, isso significa maior segurança e previsibilidade nas decisões de investimento e na gestão de riscos. Os benchmarks críticos continuam a fornecer uma base confiável para uma ampla gama de instrumentos financeiros e contratos, incluindo derivativos e títulos de dívida.

Benchmarks de países terceiros

Os Artigos 32 e 30 da proposta 2023/0379 introduzem novas regras para benchmarks provenientes de países terceiros, simplificando o processo pelo qual esses benchmarks podem ser utilizados dentro do mercado da UE. Portanto, é possível observar que a intenção é criar um ambiente mais prático e menos burocrático para esses administradores, incentivando assim uma maior diversidade de benchmarks no mercado europeu.

Essa simplificação, conforme delineada no Artigo 32, é alcançada através da revisão dos processos de reconhecimento e endosso, tornando-os mais acessíveis e menos onerosos. Isso facilita a entrada de novos benchmarks e assegura que os benchmarks existentes de países terceiros continuem disponíveis para os usuários da UE. Consequentemente, isso poderia levar a um aumento na integração e cooperação financeira internacional, beneficiando o mercado global através de uma maior diversidade e opções de benchmarking para os investidores.

Benchmarks de transição climática e alinhados a Paris

A proposta destaca a importância dos Benchmarks de transição climática e alinhados a Paris, conforme delineado nos Artigos 19a e 24a, que são essenciais no contexto das finanças sustentáveis. Estes benchmarks específicos, sob a orientação do Artigo 19a, devem seguir critérios que refletem objetivos de sustentabilidade e alinhamento com os Acordos de Paris.

O Artigo 24ª da proposta, por exemplo, assegura que esses benchmarks sejam submetidos a um nível de supervisão e transparência que corresponde à sua importância crescente nos mercados financeiros, reforçando seu papel na promoção de investimentos sustentáveis e na transição para uma economia de baixo carbono.

Os Benchmarks de transição climática e alinhados a Paris, conforme estabelecido nos Artigos 19a e 24a, são fundamentais para o desenvolvimento das chamadas finanças verdes. Eles fornecem um referencial para investidores que buscam alocar recursos em ativos que contribuem para a mitigação das mudanças climáticas e para a sustentabilidade ambiental.

Conclusão

A proposta 2023/0379 para a atualização da Regulamentação de Benchmarks da UE representa um passo significativo em direção à modernização e eficiência do quadro regulatório financeiro europeu. As mudanças propostas trazem uma abordagem mais focada e proporcional, limitando a aplicação das regras mais rígidas aos benchmarks considerados críticos e significativos. Logo, isso reduz o ônus regulatório para os administradores de benchmarks não significativos, promovendo um ambiente de mercado menos oneroso.

Outrossim, a simplificação das regras para a inclusão de benchmarks de países terceiros é um movimento estratégico que reconhece a globalização dos mercados financeiros e a importância de facilitar o acesso a uma gama mais ampla de benchmarks. Além disso, a proposta destaca a relevância crescente dos Benchmarks de Transição Climática e Alinhados a Paris, refletindo o compromisso da UE com a sustentabilidade e as finanças verdes.

Desse modo, a proposta 2023/0379 é um passo positivo para a UE, equilibrando a necessidade de regulamentação rigorosa em áreas críticas com a flexibilidade necessária para promover inovação e eficiência no mercado financeiro. Ela reflete uma tentativa de adaptar o quadro regulatório para atender às exigências do mercado financeiro global, mantendo um foco claro na integridade, transparência e sustentabilidade.

--------------------------------

1 What Was the LIBOR Scandal? What Happened and Impacted Companies (investopedia.com)

2 REGULATION (EU) 2016/1011

3 Proposal 2023/0379

Pedro Vitor Serodio de Abreu
Mestrando em Direito Internacional e Europeu pela Universität des Saarlandes. Especialista em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Tema 1348 do STF: Imunidade do ITBI nas holdings e seus impactos

4/11/2024

Direito ao distrato em casos de atraso na obra: O que diz a lei

4/11/2024

Seria o vínculo trabalhista a única forma de proteção social?

4/11/2024

Os contratos de distribuição e seus aspectos jurídicos em mercados regulados: O setor farmacêutico

4/11/2024

Por um jogo mais responsável

4/11/2024