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A relação poliafetiva e o direito sucessório

Em setembro de 2023 o TJRS decidiu, de forma revolucionária, pelo reconhecimento da união estável de um “trisal”. Neste sentido, uma dúvida surge: como será realizada a divisão de bens diante do falecimento de um dos integrantes do poliamor?

3/12/2023

Não há nada mais complexo e fascinante que o relacionamento humano. Amizade, namoro, casamento, relações familiares, todas são carregadas de construção social e sentimentos subjetivos.

Neste sentido, verifica-se que as relações poliamoristas ou poliafetivas são realidade tanto no Brasil quanto no mundo. Todavia, mantidas na marginalidade.

De acordo com a pesquisa realizada pela Comissão de Pesquisas Científicas e Jurisprudências da seção Distrito Federal do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM-DF o perfil social daqueles que são adeptos das relações poliamoristas é composto, em sua maioria, por pessoas com nível superior (40,2%). Em segundo plano, estão as pessoas com ensino médio completo (27,6%) e, na base da pesquisa, aqueles com baixa instrução (9,6%). (IBDFAM, 2020)

Ou seja, não há o que se falar em ausência de instrução quanto à escolha pelo relacionamento poliafetivo, pelo contrário, quanto maior o grau de instrução, maior a procura por esta modalidade amorosa.

Como se pode verificar, a relação poliafetiva não é maléfica para sociedade, contudo, sua recusa possui, em nosso País, base religiosa e moral. Na mesma pesquisa, 63,6% dos líderes religiosos entrevistados demonstraram contrariedade pela criação de regulamentação para tal relação. (IBDFAM, 2020)

Na esteira do preconceito, o CNJ determinou através do Pedido de Providências nº 0001459-08.2016.2.00.0000, em 2018, impedimento aos cartórios para emitirem escrituras públicas de relacionamento poliafetivo.

Na ementa daquele julgado, o CNJ entendeu que a relação poliafetiva é contrária a regra monogâmica que, na visão do órgão de justiça, rege as relações sociais no Brasil.

Portanto, o cerco às relações poliafetivas é límpida em nosso País, e, para surpresa jurídica, o TJ/RS, em 01 de setembro de 2023, julgou procedente o pedido de um “trisal” (relação composta por três pessoas) para ter seu relacionamento público e duradouro reconhecido como união estável.

Demanda judicial em segredo de justiça, a sentença determinou o reconhecimento da união poliamorosa, sendo definido como data inicial o dia 01 de outubro de 2013. Quanto ao filho nascido durante a relação piramidal, aquele juízo entendeu que o registro do menor tenha o nome de duas mães e do pai e que o documento possua validade nacional.

Tal decisão possui raiz revolucionária por caminhar em rota de colisão com o entendimento conservador e religioso no Brasil.

Todavia, como ficaria uma relação poliamorosa diante do falecimento de um dos seus integrantes?

Neste sentido, não se percebe qualquer óbice para a implantação da relação poliafetiva à luz do Direito Sucessório.

A escolha do tipo de regime de bens a gerir a relação continuará determinando a disposição dos bens do (a) falecido (a) perante seus conviventes.

Por exemplo, em uma relação conhecida como “trisal”, baseada no regime de comunhão parcial de bens, os dois sobreviventes serão, ao mesmo tempo, meeiros dos bens construídos durante a relação e herdeiros dos bens particulares deixados pelo falecido. Em outro cenário, diante de uma relação baseada no regime de comunhão universal de bens, os sobreviventes serão meeiros dos bens do de cujus.

A regra legal, contida no artigo 1.640 do Código Civil, se aplicará para as relações poliafetivas, assim como os ditames testamentários e de sucessão entre herdeiros legítimos.

Neste sentido, deve ser afastada a percepção de concubinato, existente no artigo 1.727 do Código Civil, posto que, o Princípio da Afetividade é responsável pela defesa das relações amorosas diversas, inclusive as poliafetivas, ao inserir o afeto como um valor jurídico.

Portanto, os regimes de bens aplicados nas relações poliafetivas, se fossem permitidas pelo ordenamento jurídico nacional, não sofreria alterações diante do cenário jurídico civilista atual, protegendo a construção patrimonial realizada em conjunto pelos seus membros, mesmo após a morte de um dos seus integrantes.

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IBDFAM. Quem é a família poliamorista brasileira? Pesquisa traça perfil de adeptos e evidencia negligência de direitos ao poliamor no Brasil. 2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/7339/Quem+%C3%A9+a+fam%C3%ADlia+polia%20morista+brasileira%3F+Pesquisa+tra%C3%A7a+perfil+de+adeptos+e+evidencia+ne%20glig%C3%AAncia+de+direitos+ao+poliamor+no+Brasil. Acesso em 29 nov. 2023.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Justiça reconhece união poliamorosa. 2023 Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/justica-reconhece-uniao-poliamorosa/. Acesso em 29 nov. 2023.

Wallace Bonfim Santa Cecilia
Advogado atuante na área imobiliária, cível, consumerista e sucessões.

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