O avanço da tecnologia tem fundamental importância na evolução da sociedade, tanto em aspectos de conhecimento quanto de qualidade de vida. Neste passo, no entanto, algumas pessoas (número considerável) tendem insistir na utilização negativa desse instrumento.
A plataforma Waze é um exemplo da criação e evolução da tecnologia para facilitar a vida das pessoas, sobretudo nos grandes centros urbanos. Ela transmite informações em tempo real sobre o trânsito, incluindo eventos, localização da polícia e acidentes em uma determinada região. O mais interessante é que os próprios usuários que alimentam essa ferramenta, inserindo dados com atualização constante. (BARRETO, Alessandro e WENDT, Emerson. 2020. p. 117).
Contudo, o que se constatou fora os usuários transmitindo informações sobre a ocorrência e localização de blitz de trânsito, cuja objetividade, entre outras, é de prevenir, coibir e reprimir a condução de veículo automotor sob ingerência de álcool e outras substâncias análogas.
Antes de expressar o que as autoridades públicas estão propondo para erradicar ou diminuir a prática acima relatada, teceremos alguns comentários acerca dos efeitos do álcool no organismo humano e o tratamento dado pelo Estado da combinação desta substância, o Código Penal e a condução de veículo automotor. O professor Rogério Greco destacou os ensinamentos do autor Mirabete, que faz a seguinte distinção:
“Três fases ou graus de embriaguez: incompleta, quando há afrouxamento dos freios normais, em que o agente tem ainda consciência, mas se torna excitado, loquaz, desinibido (fase de excitação); completa, em que se desvanece qualquer censura ou freio moral, ocorrendo confusão mental e falta de coordenação motora, não tendo o agente mais consciência e vontade livres (fase da depressão); e comatosa, em que o sujeito cai em sono profundo (fase letárgica) ”.
O Código Penal (art. 28, II) não exclui a imputabilidade pela ingerência de bebida alcóolica, ou seja, não retira a possibilidade de sofrer uma penalidade criminal, tanto a embriaguez voluntária quanto a culposa, bem como de substância de efeitos análogos. Ainda com Rogério Greco, a diferença da embriaguez consiste que numa quer-se embriagar, algo preordenado (voluntária em sentido estrito); na outra não se tem a finalidade de embriagar-se, mas por algum motivo ingere o suficiente para tal (culposa), não obstante esta seja espécie de embriaguez voluntária. (GRECO, Rogério. 2010. p. 385).
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB- art. 306) penaliza criminalmente conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, cuja pena é de detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. As condutas serão constatadas por concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, ou sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora, sendo a verificação obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
O CTB (art. 165) dispõe que na seara administrativa dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência gera infração gravíssima, com penalidade de multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 meses, bem como medida de recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, desde que não se apresente condutor habilitado no local da infração. Pune ainda com o dobro da pena de multa em caso de reincidência no prazo de 12 (doze) meses.
Consta também nos termos do CTB (arts. 165-A e 277) que poderá ocorrer teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa quando o condutor de veículo automotor se envolver em sinistro de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, caso haja recusa gera as mesmas infrações administrativas do art. 165 constantes no parágrafo acima. O CTB admite inclusive os mesmos meios de provas utilizados para a infração criminal.
De volta ao tema central deste artigo, o Estado, por meio da Câmara Legislativa Federal, propôs alterações (complementação) na legislação para penalizar não só quem alimenta a plataforma, como o Waze e redes sociais, mas também seus provedores. A pena inicial seria uma multa de R$ 50.000,00. O PL inicial é o 5596/13, sendo apensado mais dois PLs 5806/13 e 8957/17.1
O deputado Major Fábio, autor da proposta, usou a seguinte justificação ao propor tal PL:
“O consumo de álcool representa hoje uma das principais causas da violência no trânsito no Brasil. Segundo pesquisa divulgada pelo Ministério de Saúde em fevereiro deste ano, 21% dos acidentes nas estradas estão relacionados à embriaguez ao volante. Essa situação, além de causar tragédias familiares de dimensões inimagináveis, também tem forte impacto sobre os sistemas públicos de saúde e previdência social, ao demandar a ampliação dos investimentos em atendimentos de urgência e emergência do SUS, na reabilitação de acidentados e na assistência a incapacitados e familiares de vítimas”.
Ainda na justificação:
“Concorre para a exacerbação desse cenário de violência a prática corrente de alguns cidadãos de utilizar aplicativos e redes sociais de grande popularidade na internet para alertar os motoristas sobre a ocorrência e a localização exata das blitzes realizadas pelas autoridades de trânsito. Essa conduta, além de representar um desserviço à coletividade, ao limitar a efetividade das ações de combate à violência nas estradas, também beneficia criminosos de todo gênero, que se valem dessas ferramentas para escapar da fiscalização do Estado.
No entanto, o relator deputado Gilson Marques apresentou parecer contrário ao projeto de lei, o qual seria inconstitucional materialmente (não iremos adentrar no mérito) e que fora acompanhado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJ. Portanto, houve arquivamento.
Um outro projeto de lei encontra-se em trâmite na Câmara dos Deputados, mas aguarda a nomeação de relator na CCJ (PL n. 7094/2017). Este projeto pretende alterar o CTB nos seguintes termos:
“Art. 312-B. Disseminar, divulgar, difundir, em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, locais, datas e horários de atividade de fiscalização dos agentes da autoridade de trânsito: Penas – detenção, de um a dois anos, ou multa”
O parecer do deputado Hugo Leal, autor da proposta, vai no seguinte sentido:
“Apesar do CTB ser considerado um instrumento moderno, atualizado, é inegável que a tecnologia tem avançado a passos largos para uma nova era. Junto com os benefícios, temos também os malefícios, que não podem ser esquecidos. Abusos e crimes cibernéticos se proliferam no ambiente virtual, como se a internet fosse um ambiente não sujeito às leis. Nesse ambiente virtual, as informações se propagam em quantidade e velocidade, sendo cada vez mais difícil controlar o compartilhamento de iniciativas refutáveis. Isso tornou os crimes cibernéticos rotineiros e já não se limitam a pessoas físicas. Políticas públicas, atividades públicas e empresariais, em muitas situações, estão sendo prejudicadas pelo uso indevido da Internet. E isso vem aumentando”.2
A lei 11.705 (lei Seca) completou 15 anos de existência. O Brasil é reconhecido como um dos países mais severos do mundo quando se fala de bebida alcóolica e condução de veículo automotor. O Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) traz a seguinte informação:
“Segundo a OMS, estima-se que no Brasil o álcool seja responsável por 36,7% de todos acidentes de trânsito entre homens e 23% entre as mulheres, afetando além do usuário de bebidas alcoólicas, outros indivíduos, como passageiros e pedestres”.
Ainda segundo a CISA: “o Brasil apresentou 5 mortes por acidentes de trânsito atribuíveis ao álcool por 100 mil habitantes em 2021, taxa observada desde 2018”.3
Diante da exposição acima, ficou claro que a legislação é severa quando se fala em bebida alcóolica na condução de veículo automotor. Entretanto, não está sendo suficiente devido ao avança da tecnologia e sua má utilização. A sociedade causa um imenso mal a si mesma ao disponibilizar, via aplicativo ou redes sociais, os locais de blitzes da lei seca. Vidas e famílias são destruídas por um motivo que pode ser evitado. Se beber não dirija, também não disponibilize os locais de blitzes dos agentes de trânsito.
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1 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1089377&filename=PL%205596/2013
2 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1532998&filename=PL%207094/2017
3 Disponível em: https://cisa.org.br/pesquisa/dados-oficiais/artigo/item/425-15-anos-da-lei-seca-o-que-mudou