Nos últimos anos, a tecnologia blockchain tem desencadeado uma significativa revolução na condução de transações financeiras e na formalização de contratos. Dentre as inovações mais notáveis nesse cenário, destacam-se os denominados contratos inteligentes, que se configuram como programas autônomos de transações autoexecutáveis, operando de modo descentralizado na blockchain. Embora apresentem potencial para simplificar e agilizar transações, a discussão em torno do seu reconhecimento legal e validação permanece como um ponto central de debate no âmbito jurídico.
Primordialmente, é crucial compreender o conceito da tecnologia blockchain, empregada no desenvolvimento e armazenamento desses contratos inteligentes. O blockchain é, essencialmente, um software que atua como um livro-razão distribuído entre os nós de uma rede. O que o diferencia de bancos de dados ou softwares convencionais é sua resistência à adulteração, uma vez que a alteração de dados em um bloco requer a manipulação de todos os blocos anteriores. Dessa forma, as transações financeiras e operações diversas tornam-se mais seguras.
Quanto ao termo "contratos inteligentes," cunhado por Nick Szabo, cientista da computação e criptógrafo, em 1995, este foi progressivamente refinado ao longo dos anos. Szabo introduziu a ideia inicialmente em 1996, na revista Extropy #16, com o título "Smart Contracts: Building Blocks for Digital Free Markets," posteriormente relançado como "Formalizing and Securing Relationships on Public Networks."
Em seus escritos, Szabo definiu os contratos inteligentes como conjuntos de promessas especificadas em formato digital, incorporando protocolos para garantir o cumprimento dessas promessas. Destacou a funcionalidade superior em relação aos contratos tradicionais, baseados em papel, ressaltando melhorias na execução dos objetivos contratuais, como observabilidade, verificabilidade, privacidade e autoaplicabilidade.
Assim, em suma, afirma-se que os contratos inteligentes são essencialmente códigos de computador que estabelecem regras e condições para a execução de um acordo. No contexto desse procedimento, os acordos formalizados são registrados em uma blockchain, garantindo transparência, segurança, imutabilidade e, ao automatizar o cumprimento das cláusulas contratuais, eliminam a necessidade de intermediários, proporcionando uma redução de custos e um aumento na eficiência.
Nesse liame, com a evolução da tecnologia no século XXI, e a evidência das blockchains iniciados pelo Bitcoin e impulsionado pelo Ethereum e outras plataformas, criou-se um ambiente propício para a implementação prática dos contratos inteligentes. Essa evolução tecnológica revigorou a promoção de negócios fundamentados em alternativas inovadoras e eficazes.
Como funciona um contrato inteligente na blockchain
Quanto ao processo de desenvolvimento de um Contrato Inteligente, inicialmente, ocorre uma solicitação de transação. Essa solicitação é então transmitida à rede de computadores, a qual valida a transação. Uma vez verificada, a transação é agregada a outras para formar um novo bloco de dados na blockchain. Esse bloco é adicionado à rede de blocos, tornando o contrato imutável e permanente. Com a conclusão dessas etapas, a transação é considerada completa.
Desafios jurídicos e reconhecimento legal
Apesar do promissor potencial, os desafios legais enfrentados pelos contratos inteligentes e pelas blockchains são notáveis. A ausência de regulamentação específica e a natureza descentralizada da blockchain suscitam questionamentos sobre a jurisdição e leis a serem aplicadas em litígios. Além disso, a imutabilidade da blockchain pode dificultar a correção de erros ou a adaptação a mudanças nas circunstâncias.
Para que os contratos inteligentes atinjam seu pleno potencial, torna-se imperativo estabelecer um quadro legal claro e abrangente. Embora muitas jurisdições estejam começando a reconhecer a validade desses contratos, o caminho para uma aceitação plena é extenso. Isso requer uma análise aprofundada dos impactos do uso dessa tecnologia, a dominação da plataforma na execução de contratos, a integração gradual da complexa tecnologia visando a assertividade nos negócios e a usabilidade nas transações, avaliando a adequação do método ao caso concreto.
Considerando todos esses paradigmas e uma utilização apropriada, o reconhecimento legal não apenas proporcionará segurança jurídica às partes envolvidas, mas também fomentará a confiança no uso dessas inovações tecnológicas.
Em um recente julgado, o TCU, por meio do Relatório de Levantamento e Acórdão 1613/20 – Plenário, Relator: Aroldo Cedraz, examinou minuciosamente a utilização da tecnologia blockchain. O objetivo era identificar oportunidades e riscos associados à adoção dessa tecnologia, bem como descrever os fatos críticos de sucesso e possíveis impactos para o controle e regulamentação dessa tecnologia.
O ministro relator, Aroldo Cedraz, destacou a importância desse levantamento para preparar a instituição diante das transformações em curso. Reconhecendo os benefícios do trabalho, o ministro enfatizou a análise das oportunidades e riscos da tecnologia, propondo um abrangente framework para a blockchain. O TCU buscou promover a cultura da inovação e apoiar o ecossistema de tecnologias descentralizadas, contribuindo para acelerar a transformação digital no país. No entanto, foram feitas recomendações à Secretaria Especial de Desburocratização e outros órgãos superiores para orientar estudos e considerar desafios antes da adoção de tecnologias blockchain.
Ademais, o relator expressou ceticismo quanto à eficácia da medida proposta, considerando as limitações técnicas da maioria das organizações públicas para implementar a tecnologia. Apesar de optar por limitar o alcance da recomendação, o ministro Aroldo destacou a importância de disseminar as conclusões do levantamento e levantar o sigilo do processo devido à ausência de informações sensíveis. Recomendou a adoção da minuta de Acórdão, ressaltando a relevância do conteúdo produzido para a transformação cultural na Administração Pública Federal.
Nesse contexto, observa-se que algumas jurisdições estão adotando uma abordagem proativa para a legalização das blockchains e dos contratos inteligentes. Vale salientar que contratos baseados em blockchain já são reconhecidos em alguns países, enquanto outros estão em processo de revisão de suas leis para incluir disposições específicas para contratos inteligentes. Essa evolução jurídica é essencial para garantir a conformidade e a aplicabilidade desses contratos nas transações diárias.
Conclusão
Em síntese, a interseção entre blockchains e contratos inteligentes tem delineado um panorama inovador nas transações financeiras e na formalização de acordos contratuais. O advento dessas tecnologias, contudo, não está isento de desafios, especialmente no que tange ao reconhecimento legal.
A tecnologia blockchain, ao proporcionar uma base segura e descentralizada para a execução de contratos inteligentes, oferece transparência, segurança e imutabilidade. Contudo, a falta de regulamentação específica e a natureza global e descentralizada da blockchain suscitam questões cruciais sobre jurisdição e aplicabilidade legal em casos de litígio.
O caminho para a aceitação plena é complexo. Todavia, a necessidade de analisar os impactos, dominar a execução desses contratos, integrar gradualmente a tecnologia e avaliar sua usabilidade em contextos específicos são elementos fundamentais para a efetiva validação jurídica.
O reconhecimento legal não apenas proporcionará segurança jurídica, mas também fomentará a confiança necessária para impulsionar a adoção generalizada dessas tecnologias revolucionárias no cenário contemporâneo. À medida que a tecnologia avança, é imperativo que advogados, legisladores e desenvolvedores colaborem para moldar o futuro da utilização das blockchains e dos contratos inteligentes de maneira ética, eficiente e legalmente sólida.