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O que fazer quando os sócios do escritório não se entendem

Conflitos entre pessoas que trabalham juntas é algo comum e, de certo modo, podem até ser produtivos para estimular a busca de melhores soluções aos problemas. Quando ocorrem entre os líderes da firma e são mal administrados, no entanto, podem levá-la a extinção.

22/11/2023

Os sócios patrimoniais têm um papel decisivo em um escritório de advocacia. De modo geral, são eles que dão nome à firma, representam a banca no mercado e estabelecem as diretrizes de atuação para as equipes. Quando esses profissionais são bons de negócio e se dão bem entre si, a firma prospera. Quando eles não se entendem... bem, problemas à vista.

Conflitos entre pessoas que trabalham juntas é algo comum e, de certo modo, podem até ser produtivos para estimular a busca de melhores soluções aos problemas. Quando ocorrem entre os líderes da firma e são mal administrados, no entanto, podem levá-la a extinção. Esse é o caso quando os sócios não se entendem sobre as áreas de atuação em que devem focar, ou entre aqueles que sempre brigam na hora de distribuir os lucros, porque não se entendem sobre valorizar mais quem captou o cliente ou quem executou o serviço.

Em comum, conflitos desse tipo têm o poder de minar os resultados da banca e acabar com a motivação dos sócios. Como sair dessa situação?

Um princípio básico que adotamos para obter um bom entendimento entre os sócios é “quando as pessoas se entendem bem no atacado, elas não brigam muito no varejo”. Isso significa que se os líderes da firma investirem tempo e recursos para obter consenso entre os temas estratégicos da banca, no dia a dia a gestão escritório funcionará muito melhor.

São eles:

1º. alinhar as ideias sobre o negócio

2º. ter um bom modelo de remuneração

3º. criar um bom acordo de sócios

4º. desenvolver as habilidades de trabalho em grupo

Comecemos pelo começo, ou seja, pelo que veem como estratégia da banca.

Alinhando as ideias sobre o negócio

Todos nós conhecemos o ditado: para quem não sabe onde quer chegar, todo caminho serve. Esse princípio é válido também para o mundo empresarial. Definir exatamente o que o escritório será nos próximos anos e a estratégia adotada para se alcançar os objetivos, é tarefa vital e deve ser refeita, no mínimo, a cada ano.

Infelizmente, em muitos escritórios que já atuamos os sócios dedicam pouco tempo para as discussões estratégicas, seja por acharem que já está tudo muito claro, seja porque, sozinhos, têm dificuldade tornar essa discussão produtiva. Em uma firma que atendemos, um dos sócios se dizia cansado de falar de estratégia. Afinal, toda vez que iniciavam a discussão, terminavam brigando sobre quem trazia mais cliente e quem deveria ter a melhor remuneração.

Para ajudar nessa discussão entre os sócios de sua firma, eu separo a questão do alinhamento em três eixos fundamentais. Para cada um deles, relaciono algumas perguntas críticas que deverão ser respondidas com profundidade por todos. São elas:

1. Em que negócio estamos?

Aqui, há uma tendência de muitos escritórios em se definirem de modo precipitado como “full service”, ou “boutique”, termos que dizem tudo e, ao mesmo tempo, quase nada. O mais importante é que seus sócios procurem reconhecer em que aspectos a firma é realmente muito boa (acima do mercado), o que a distingue dos demais concorrentes e o que entregam (de fato) para seu cliente-alvo.

Em tempo, a pergunta sobre quem é o cliente prioritário da banca é crítica. Respondê-la com afirmações como “qualquer empresa de São Paulo” ou, pior, com a frase “qualquer um que pague em dia” é um erro básico. Ninguém consegue ser bom em tudo, muito menos para todos. É vital delimitar um foco claro e, na advocacia, o mais comum é que esse foco seja uma combinação das áreas de práticas (civil, tributária, trabalhista, etc.) com um tipo específico de cliente (pequeno, médio, grande, pessoas físicas ou jurídica, etc.).

2. Onde pretendemos chegar

Essa é uma questão que remete ao tamanho do escritório ou à sua abrangência de atuação. Em três ou cinco anos a firma pretende ter quantos profissionais? Quantas filiais? Em quais rankings pretende estar? Crescer implica em investir (dinheiro, tempo, energia) e é importante que todos no escritório estejam comprometidos com a mesma visão. Do contrário, é como se, em um time de futebol, metade dos jogadores estivessem visceralmente comprometidos em ganhar o campeonato e, a outra metade, muito satisfeita em atingir o 3º lugar. Não funciona.

3. Que princípios utilizaremos para guiar a conduta de todos na firma

Eu ilustro a importância desse ponto, com um pequeno exemplo. Em um escritório que atendemos, um dos sócios no meio da reunião se ausentou alguns minutos e, ao retornar, pediu desculpas: tinha que resolver um “assunto” com o Oficial de Justiça que sempre “visitava” a firma. Um segundo sócio que estava na reunião, irado, bradou que isso não se fazia e que não queria participar de atos ilícitos de nenhuma natureza.

Essa é uma questão de valores e eu a trago aqui, não para que julguemos o certo ou o errado a se fazer. Mas, isso sim, para ressaltar que é essencial que os sócios comunguem de princípios muito parecidos e que os discutam com frequência. Embora pareça óbvio, esse é um dos pontos que geram muitas desavenças entre os líderes da firma e, infelizmente, elas costumam ser de difícil solução. Valores guiam tudo que fazemos e é quase impossível conviver de modo intenso com alguém que tenha princípios muito diferentes dos nossos.

Ao definir a carta de valores do escritório, tome cuidado para não apenas escrever palavras bonitas (honestidade, segurança, etc.). Elas parecem exprimir tudo, mas têm significados muito diferentes para cada um. Depois de escolhê-las, é importante questionar: quais os nossos comportamentos que demonstram na prática o exercício desse valor? Afinal, eu nunca ouvi alguém dizer que é desonesto, mas tenho visto muitos atos de desonestidade por aí!

Por fim, você percebeu que o alinhamento de negócios impacta todas as outras definições do escritório. Quais clientes prospectar, qual o perfil dos profissionais a selecionar, qual o papel dos sócios na banca, e por aí vai. Não por acaso, essas são as primeiras e mais importantes definições a serem feitas. A partir delas, podemos evoluir para outros pontos conflituosos na firma.

Sebastião de Oliveira Campos Filho
Graduado em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Mestre em Administração de Empresas pela Universidade Mackenzie. Há 20 anos fundou a Oliveira Campos Consultoria, empresa especializada no mercado jurídico e que já atendeu mais de 70 escritórios de advocacia. É autor do livro Gestão Jurídica, Perguntas e Respostas que Levarão seu Escritório a um Desempenho Superior.

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