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Neurociências e o Direito

A interseção entre direito e neurociências é crucial, com a necessidade de treinamento em neurociência para profissionais do direito, pois o conhecimento do cérebro impacta diretamente no comportamento humano, sem uma discussão ampla e frequente nesse sentido.

17/11/2023

É possível vislumbrar conexão entre direito e neurociências? Sim!

E, para além disso, o conhecimento básico no estudo das neurociências tem sido apontado como expertise indispensável para àqueles que atuam no meio jurídico.

Como praxe, o direito se preocupa em, de certo modo, regular o comportamento humano, apontando o que é lícito ou ilícito, o que é moral ou amoral, o que é ético ou antiético. Já a neurociências é o campo de conhecimento que buscar definir como o cérebro afeta o nosso comportamento.

Então, como é possível ignorar a necessidade de conexão entre essas bases de conhecimento?

Advogados, juízes, promotores, defensores públicos, delegados deveriam receber treinamento constante sobre psicologia, neurociência e genética, como parte de seu desenvolvimento profissional.

Inexiste uma discussão ou fóruns nesse sentido (pelo menos não são comuns ou verticalizados como deveria), para que cientistas e profissionais da justiça explorem temas que são de interesse conjunto.

Isso, sem dúvidas, acarreta enormes repercussões para a vida em sociedade. Quer ver um exemplo? Maioridade penal. Por que ela na Alemanha é de 14 anos e na Inglaterra é de 10 anos? Porque no Brasil é de 18 anos?1 Já para votar nesses países, a média de idade é de 16 anos2. Por quê?

No Brasil, por exemplo, qual critério (científico/social) para estabelecer que o cérebro de um jovem de 16 anos é apto para entender e compreender a importância do seu voto que determine a política que será exercida em seu país, mas para entender um ato criminoso é de 18 anos? Essa variação não parece racional (pelo menos não do ponto de vista neurológico).

E, não estou aqui levantando bandeira sobre diminuir ou não maioridade penal, até porque nem tenho expertise ou opinião formada para isso. O que tenho é inquietude e curiosidade. E isso, com certeza aumentou depois do meu entusiasmo pelo estudo do comportamento, tanto do ponto de vista psicológico, como do ponto de vista neurocientífico.

O porquê das coisas tem sido mais compreensível depois que se acessa a ciência por trás de cada ponto. Muitos dos seus comportamentos e reflexos são decorrentes do seu ambiente e isso vai te moldando no decorrer dos anos, ajudando a formar tua própria identidade (para o bem e para o mal).

Agora que comecei a ter acesso a esses pequenos grãos de conhecimento, fico triste de isso não ser tão divulgado na mesma proporção que sua importância exige.

Esse porquê, esse motivo, por trás de leis e atos normativos devem começar a ser evidenciados. Além disso, precisa-se automatizar a adaptação e o entendimento da aplicação dessas leis e normas no depois, no cotidiano.

Exemplo disso é a realização de audiências públicas realizadas pelo STF para ouvir e colher informações de cientistas e pesquisadores de diversas áreas, como nos julgamentos envolvendo as pesquisas com células-tronco e sobre cotas raciais em universidades públicas. Aqui está o reconhecimento da importância dessa interdisciplinaridade entre a ciência e o direito, codificada, inclusive (art. 138 do CPC).

Apesar do “modismo” no assunto de neurociências aplicadas em vários outros campos profissionais e sociais, ainda vejo bastante resistência em naturalizar essa interdisciplinaridade dentro do direito, muito embora esse encontro seja evento orgânico, contra o qual não há como se opor. A realidade não pode ser ignorada por conta de um passe livre intelectual, por vezes instintivo e, até mesmo, autoritário.

O que vejo é que quando o tema é buscar o melhor para a sociedade não tem fórmula pronta. Quem dera assim fosse! Mas, utilizar métodos científicos teóricos e empíricos podem ser bases indispensáveis para o alcance desse objetivo.

Então, comecemos!

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1 Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?t=94219#:~:text=Na%20Europa%2C%20destacam%2Dse%20Alemanha,%3B%20e%20Ucr%C3%A2nia%2C%2010%20anos.

Disponível em: https://jornalissimo.com/curiosidades/em-que-paises-e-territorios-se-pode-votar-antes-dos-16-anos/

Alcilei da Silva Ramos
Analista Jurídica da DPE/SC - Advogada graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil de Porto Velho - ILES ULBRA - Pós-Graduada em Direito Civil - @alcidsramos.

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