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Ação civil pública e a abstrativização dos efeitos no controle constitucionalidade

A lei da Ação Civil Pública, criada em meio a crescentes demandas sociais e escassez de políticas públicas, trouxe discussões sobre legitimados, causas de pedir e competência judicial. Após a Constituição Federal de 1988, ampliou os legitimados ativos e permitiu a defesa de direitos transindividuais, exemplificado pelo Ministério Público Federal em um caso de direitos assistenciais a estrangeiros.

14/11/2023

Com o aumento de demandas sociais, em um contexto de arrefecimento de ofertas de políticas públicas, foi aprovada pelo poder legislativo a lei 7.347 de 1985 (lei da Ação Civil Pública), cuja tratativa enfatizava o compliance fiscalizatório do estado para com a sociedade. Nessa toada, apesar de sido considerada um instrumento processual revolucionário, trouxe à tona discussões relativas aos prováveis legitimados, as causas de pedir, os efeitos da demanda e a competência para julgamentos. Por conseguinte, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), tentou-se parametrizar diretrizes especificas processuais para se evitar usurpação de competências que poderiam gerar insegurança jurídica no ordenamento brasileiro.

Nessa linha de discussão, um dos benefícios visíveis da criação da lei da Ação Civil Pública - ACP, foi o alargamento do rol dos legitimados ativos extraordinários como: Ministério Público, Defensoria Pública, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista e associações criadas há mais de 1 ano. Ou seja, diferentes representantes públicos e privados poderiam requisitar questões indispensáveis a manutenção dos direitos transindividuais, coletivos e individuais homogêneos. Para exemplificar, o Ministério Público Federal utilizou-se de uma ACP para resguardar os direitos assistenciais, descritos no artigo 203º da Lei Suprema de refugiados e de estrangeiros residentes no país. Nesse caso específico, o artigo 4º do decreto 1.744/95 somente permitia benefícios assistenciais a estrangeiros naturalizados, gerando exclusão de vulneráveis e incompatibilidade com a Constituição Cidadã de 1988. Destarte, foi necessário utilizar do mecanismo de controle de constitucionalidade incidental em ACP para assegurar direitos inter partes relacionados às relações jurídicas supracitadas.

Ademais, apesar do Brasil adotar o controle de constitucionalidade misto, a grande maioria dos juristas somente coadunava com o controle incidental com efeitos inter partes na ACP. Nessa toada, para que fosse aprovado pelo ordenamento jurídico o controle difuso de constitucionalidade em ACP, estabeleceu-se os seguintes requisitos cumulativos: que não se identificasse na controvérsia constitucional o objeto único da demanda; que a questão de constitucionalidade versasse como simples questão prejudicial; que existisse nos autos de pedido a relação jurídica concreta e específica e apresentasse como causa de pedir e não como pedido a matéria constitucional. Assim, se respeitadas exigências cabíveis, poder-se-ia afirmar que tanto o interesse social individual como o coletivo seriam positivados. Todavia, alguns doutrinadores questionaram se os efeitos do controle difuso de constitucionalidade em ACP seriam inter partes ou erga omnes, uma vez que a abstrativização do controle incidental já mostrava aplicabilidade em casos pontuais no STF.

Segundo o ministro do STF Gilmar Mendes,

“O julgamento desse tipo de questão pela jurisdição ordinária de primeiro grau suscita um outro tipo de problema, igualmente grave, no âmbito da sistemática de controle de constitucionalidade adotada no Brasil. Diferentemente da decisão incidenter tantum proferida em casos concretos, inclusive pelo STF, cuja eficácia fica adstrita às partes do processo, a decisão sobre a constitucionalidade de lei proferida pelo juiz de primeiro grau haveria de ser dotada de eficácia geral e abstrata. Nem poderia ser diferente: como as partes na ação civil pública atuam não na defesa de interesse jurídico específico, mas, propriamente, na proteção do interesse público, qualquer pretensão no sentido de limitar a eficácia das decisões proferidas nesses processos apenas às partes formais do processo redundaria na sua completa nulificação”.

Explicando melhor, quando se estende os efeitos erga omnes no controle de constitucionalidade, poder-se-ia gerar uma oportunidade única de ampliação de direitos, diante de tantas demandas socioeconômicas. Entretanto, essa teoria não e a mais adotada no ordenamento brasileiro, pois autoridades acreditam na usurpação de competência em relação ao controle abstrato no STF, quando promove a ADI.

Outrossim, para complementar a linha de raciocínio, grande parte dos doutrinadores acredita que um juiz de primeiro grau não tem a competência para julgar uma lei inconstitucional em ACP e estender os efeitos para todos, pois estaria se utilizando de esforço dissimulatório de uma ação abstrata. Coadunando com esta tratativa, o ministro do STF Luiz Fux descreve que

“Admitida a utilização da ação civil pública como instrumento adequado de controle de constitucionalidade, tem-se ipso jure a outorga à jurisdição ordinária de primeiro grau de poderes que a Constituição não assegura sequer ao STF. É que, como visto, a decisão sobre a constitucionalidade de lei proferida pela Excelsa Corte no caso concreto tem, inevitavelmente, eficácia inter partes.É certo, ademais, que, ainda que se desenvolvam esforços no sentido de formular pretensão diversa, toda vez que na ação civil pública ficar evidente que a medida ou providência que se pretende questionar é a própria lei ou ato normativo, restará inequívoco que se trata mesmo é de impugnação direta de lei. Nessas condições, para que se não chegue a um resultado que subverta todo o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil, tem-se de admitir a completa inidoneidade da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade, seja porque ela acabaria por instaurar um controle direto e abstrato no plano da jurisdição de primeiro grau, seja porque a decisão haveria de ter, necessariamente, eficácia transcendente das partes formais.”.

Ademais, é cediço que o efeito da coisa julgada, de acordo com o Novo Código de Processo Civil de 2015 - NCPC, cerceia-se no dispositivo da sentença. Destarte, a decisão em controle difuso de constitucionalidade em ACP não tem o efeito vinculante, podendo ser rediscutida de uma nova maneira em outra ação coletiva. Ou seja, ainda que a questão de inconstitucionalidade, tanto numa ação coletiva quanto individual, é colocada como questão prejudicial, a ser enfrentada pelo juiz antes do julgamento da causa não faz coisa julgada, nem mesmo entre as partes.

Diante de todo o exposto, compreende-se que a questão constitucional dos efeitos relativos ao controle de constitucionalidade em ACP gera questionamentos sobre a abrangência de seus efeitos. Nesse sentido, tanto a doutrina como a jurisprudência do STF entendem não ser possível a realização de controle difuso de constitucionalidade em ação civil pública quando se constituir como único objeto da demanda. Outrossim, apesar do vanguardismo da criação da lei da ACP, percebe-se que ainda existem entraves processuais para sua real aplicabilidade. Conquanto, há a certeza de que, em um sistema de separação de poderes como o do Brasil, tenta-se extinguir qualquer forma de usurpação de competência nas cortes superiores, tanto na ACP quanto na ADI.

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Joseane de Menezes Condé
Pós Graduação em Direito Constitucional Damásio ,Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT

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