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A utilização da busca e apreensão em crimes que não evolvam violência ou grave ameaça

A busca e apreensão após o início de inquérito para crimes não violentos é geralmente considerada ilegal, exigindo fundamentação qualificada para evitar violações à vida privada do cidadão. A representação para busca e apreensão deve ser plausível, sendo injustificada.

14/11/2023

A utilização da busca e apreensão logo após a instauração de inquérito policial que visa à elucidação de crimes que não envolvam violência ou grave ameaça é, em regra, ilegal, uma vez que a interferência do Estado na vida privada do cidadão exige fundamentação qualificada, ou seja, obriga que os órgãos de persecução criminal envidem esforços para que a investigação criminal seja proporcional e progressiva.

Isto é, quando o Estado emprega a força para violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do jurisdicionado, quer dizer, se propõe a investigar através de medidas que violam cláusulas pétreas, é fundamental que haja plausibilidade nas razões que levaram o delegado de polícia a representar para essa finalidade.

Isso significa que será desarrazoado, por exemplo, quando o delegado de polícia representa pela busca e apreensão com base em mero depoimento prestado por suposta vítima que compareceu espontaneamente na delegacia de polícia para narrar suposto crime de ação penal pública incondicionada que não envolva violência ou grave ameaça.

Consequentemente, será ilegal a decisão judicial que autoriza a busca e apreensão sem fundamentação circunstanciada, quer dizer, sem justificativa pormenorizada. Confira trechos da ementa do AgRg no HC n. 701.242/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/6/23, DJe de 22/6/23:

Isso, porque o entendimento desta Corte é o de que a decisão que autoriza busca e apreensão demanda fundamentação circunstanciada, com motivação acerca das fundadas razões para a mitigação da regra de inviolabilidade de domicílio, ou local de trabalho, ainda que essa fundamentação se utilize da técnica per relationem.

Apesar de ser aceita a técnica da fundamentação per relationem, onde são feitas referências aos argumentos usados por uma das partes da relação processual, para que a decisão judicial que autoriza a busca e apreensão seja válida, o Superior Tribunal de Justiça obriga que a deliberação seja composta por argumentos próprios que demonstrem a convicção do magistrado a respeito da tese apresentada pelo delegado de polícia.

No julgamento do RHC n. 178.384/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/5/23, DJe de 19/5/23 foi dado provimento ao recurso que vindicava a declaração de nulidade das provas obtidas por intermédio de busca a apreensão deferida através de decisão judicial que não foi constituída por argumentos próprios:

Ainda que se reconheça a adoção da técnica de fundamentação per relationem, não há como subsistir a decisão que, de fato, faz referência aos fundamentos da representação do Ministério Público estadual, mas não apresenta argumentos próprios que demonstrem sua convicção a respeito do caso concreto que lhe é apresentado, providência exigida pela jurisprudência deste Superior Tribunal para o cumprimento do dever de fundamentação das decisões judiciais.

Em linhas gerais, como o processo criminal é feito de etapas probatórias e de partes litigantes, para que a busca a apreensão seja utilizada como ferramenta para a elucidação de fato criminoso e, eventualmente, possa embasar uma condenação criminal, é indispensável que o Poder Judiciário atue de maneira imparcial na análise das pretensões feitas pelos órgãos de persecução criminal.

Sendo assim, a verificação do fato gerador da diligência policial que pleiteia ordem judicial para intervir na vida privada do cidadão deve estar condicionada à demonstração dos indícios concretos do crime, e da indispensabilidade da medida, em outros termos, o deferimento da busca e apreensão é, concretamente, fundamental para a continuidade das investigações.

No julgamento do HC n. 637.772/AM, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/10/22, DJe de 3/11/22 foi concedida ordem de habeas corpus, para tornar sem efeito a decisão judicial que deferiu medida de busca e apreensão sem justificar a indispensabilidade da medida;

A decisão cingiu-se a afirmar genericamente que, "no caso concreto, o fumus comissi delicti emerge nos autos por intermédio da vasta documentação juntada no bojo do procedimento investigatório".

Em outro caso semelhante, embora a autoridade policial tenha justificado a plausibilidade da pretensão, o Juízo decidiu de forma genérica, e não explicou, concretamente, os motivos da imprescindibilidade da medida invasiva da intimidade. Como resultado foi reconhecida a nulidade da decisão que autorizou a busca e apreensão, assim como das provas decorrentes da medida cautelar:

Consoante entendimento desta Corte, a decisão que autoriza busca e apreensão demanda fundamentação circunstanciada, com motivação acerca das fundadas razões e demonstração da indispensabilidade da medida para justificar a mitigação da garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio, e, diante da ausência de fundamentação concreta, é reconhecida a nulidade dessa decisão, assim como das provas decorrentes da medida cautelar. (RHC n. 173.600/AP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 16/5/23, DJe de 19/5/23.)

Aliás, o insucesso na colheita de provas por outros meios investigativos não se traduz em justificativa automática e suficiente para autorizar a busca e apreensão. Nesse sentido, a autoridade policial não pode se valer desse argumento – fracasso na utilização de outra medida invasiva -, para pleitear busca e apreensão, sem que haja fundamentação consistente e concreta de que a busca e apreensão será o mecanismo para a elucidação dos fatos.

No julgamento do AgRg no HC n. 705.232/PR, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 9/8/22, DJe de 15/8/22 foi concedida ordem de habeas corpus, para reconhecer a ilegalidade da medida de busca e apreensão e, consequentemente, foi determinado o desentranhamento da prova obtida a partir da decisão ilegal, em que foi rechaçada a hipótese criada pelo delegado de polícia de que o fracasso na implementação da interceptação telefônica justificaria o deferimento da busca e apreensão:

A medida de busca e apreensão, pelo que tem de invasiva e detrimentosa da esfera de intimidade da parte, imprescinde de "fundadas razões" em si mesma, segundo os vetores dos art. 240 - CPP, não devendo ser determinada apenas em razão do fracasso investigatório da medida de interceptação telefônica, como afirmado pela decisão objurgada.

Em outro julgado equivalente, a egrégia Sexta Turma do STJ entendeu que a alegação de que há necessidade de aprofundamento das investigações é argumento que pode ser aplicado a qualquer fato e sob quaisquer circunstâncias, tratando-se de fundamentação genérica, o que invalida a prova obtida por esse meio.

No tocante à medida de busca e apreensão, observa-se que, além de inexistir fundamentação concreta a respeito da indispensabilidade da medida, não há sequer indicação do objeto da medida, a evidenciar o caráter genérico da decisão. Precedente. (HC n. 497.699/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/8/19, DJe de 26/8/19.)

Portanto, a interpretação que deve ser feita sobre o artigo 240 do CPP é a seguinte: será lícita a busca e apreensão quando: a) houver proporcionalidade na representação feita pela autoridade policial; b) a decisão que autoriza a busca a apreensão seja circunstanciada ou pormenorizada, sendo inadmissível a fundamentação genérica; c) estiver comprovado que a busca e apreensão é indispensável para a elucidação dos fatos.

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Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941.

AgRg no HC n. 701.242/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023.

RHC n. 178.384/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023.

HC n. 637.772/AM, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/10/2022, DJe de 3/11/2022.

RHC n. 173.600/AP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023.

AgRg no HC n. 705.232/PR, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 15/8/2022.

HC n. 497.699/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13/8/2019, DJe de 26/8/2019

RHC n. 66.931/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 22/9/2016, DJe de 28/9/2016.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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