O Tribunal de Contas da União - TCU analisou recente processo licitatório para a aquisição de materiais de apoio à instrução da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, em decorrência de uma representação feita por um licitante desclassificado do certame.
Este artigo abordará três princípios que foram objeto de análise pelo tribunal: o princípio da publicidade, o da razoabilidade e o da isonomia e igualdade entre os licitantes. Para tanto, torna-se necessário uma breve contextualização dos fatos.
A Escola Preparatória de Cadetes do Exército - EsPCEx, é uma instituição militar do Exército Brasileiro situada em Campinas, São Paulo. Conta com um efetivo total de aproximadamente mil militares, incluindo servidores civis e outros profissionais terceirizados. Seu corpo discente é composto por 440 alunos militares, os quais participam de atividades internas e exercícios no terreno durante o período de formação, com o propósito de aprimorar a preparação das tropas militares.
Nesse contexto, as práticas da EsPCEx incorporam materiais e técnicas de treinamento que replicam os procedimentos de instrução e operações adotadas em diversos quartéis pelo Brasil. Essas atividades são fundamentais para o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades dos futuros oficiais do Exército.
O pregão 15/2022 teve por objetivo a aquisição de diversos materiais de apoio às referidas instruções com um valor homologado de R$ 11.494.497,22.
Em um dos itens da licitação, a empresa MG Storage Sistem Ltda, embora tenha apresentado a melhor oferta de preço para o item, foi inabilitada por supostamente não atender às exigências específicas contidas no edital para o item em questão (85 unidades de arquivos deslizantes de aço, com um valor total homologado para esse item de R$ 628.915,00).
A desclassificação ocorreu devido ao não cumprimento da exigência de carga de distribuição das prateleiras, estipulada em no mínimo 35g/cm². A empresa inicialmente apresentou documentação com um erro material, indicando em seu primeiro laudo que a carga suportada pelas prateleiras era de 0,45g/cm². No entanto, posteriormente, na fase recursal, ela apresentou o laudo correto, com a capacidade de carga suportável de 45g/cm², o que representava até a mais do que o exigido pelo edital, que era de 35g/cm².
O pregoeiro decidiu pela inabilitação do licitante com base no argumento de que o laudo inicialmente enviado deixava claro que a empresa não atendia às especificações do edital e que o novo laudo apresentado durante o recurso não foi aceito, pois caracterizava uma alteração na proposta inicial.
Durante a fase recursal, a empresa apresentou justificativas e o laudo que comprovava o atendimento às exigências do edital. No entanto, o recurso não foi acatado, com base na interpretação de que é proibido realizar alterações na proposta inicial.
Consequentemente, ao término do certame, em que o item foi homologado para a segunda colocada, o licitante inicialmente desclassificado interpôs uma representação junto ao TCU. Além dos fatos principais acima expostos, alegou a ausência de comunicação por parte do pregoeiro sobre a data e horário planejados para a reabertura da sessão do pregão, bem como a falta de negociação do pregoeiro com a licitante vencedora.
FASES DA LICITAÇÃO
Antes de abordar especificamente o mérito do Acórdão, é importante esclarecer o processo licitatório, o qual se divide em duas fases principais: interna e externa. A primeira fase consiste na formalização da demanda pelo setor requisitante, que envolve a elaboração dos documentos necessários, como o Projeto Básico, o Termo de Referência, o Estudo Técnico Preliminar, a Pesquisa de Preços, entre outros documentos.
A fase externa tem início com a publicação do edital, seguida pelas etapas de lances, julgamento das propostas, habilitação, recurso, adjudicação e homologação. Vale ressaltar que o presente Acórdão foi proferido sob os princípios estabelecidos na lei 8.666/93.
Após a etapa de lances, o licitante que ofereceu o menor valor para o item é contatado pelo pregoeiro através de um chat no sistema para atualização da proposta em relação ao valor ofertado no sistema. Nesse momento, são solicitados também documentos complementares referentes aos critérios de julgamento para o item, todos previstos no edital.
Após a verificação do atendimento aos critérios estabelecidos pela Administração conforme o edital, o certame prossegue pelas etapas de habilitação, recurso, adjudicação e, por fim, a homologação. Com isso, concluem-se as fases tanto internas quanto externas da licitação.
O ACÓRDÃO Nº 2049/2023 – TCU – Plenário
O Acórdão, de Relatoria do Ministro Benjamin Zymler, estabeleceu um posicionamento favorável ao licitante, enfatizando a importância de observar os princípios da publicidade, razoabilidade, isonomia e igualdade entre os licitantes.
A publicidade, como preceito fundamental nas licitações, requer a publicização de todas as ações do pregoeiro durante o certame, incluindo os atos referentes a datas e horários de reabertura da sessão pública.
No que diz respeito à isonomia e igualdade entre os licitantes, sua aplicação decorre da necessidade de manter a competitividade que permite à Administração obter a proposta mais vantajosa. Nesse sentido, a conduta do pregoeiro deve ser pautada pela imparcialidade e igualdade, cobrando de todos apenas o que foi previamente estabelecido no edital.
O cerne do Acórdão discutido foi a desclassificação equivocada da primeira colocada, baseada no entendimento de que não é permitido alterar a proposta inicial, isto é, aquela apresentada antes da fase de lances.
De fato, é vedado, no contexto das licitações, alterar a proposta inicial para incluir novos documentos que se adequem às regras do edital. Se um licitante, ao ser solicitado pelo pregoeiro, apresentar uma nova proposta que não atenda às especificações originais do edital, isso configura uma prática não permitida.
Isso se justifica pelo fato de que a proposta submetida vincula o licitante a partir do momento em que preenche as informações no sistema, como marca, modelo, valor e descrição.
Essas restrições fundamentam-se nos princípios da impessoalidade e da isonomia, os quais exigem tratamento igualitário entre os licitantes (art. 37, caput e inc. XXI da Constituição).1
Entretanto, também cabe ao pregoeiro corrigir erros ou falhas que não alterem substancialmente a proposta, conforme estipula o art. 47 do decreto 10.024/19, o qual trata do Pregão Eletrônico.2
Destaco um trecho do voto do Ministro Relator sobre o tema, trazendo o posicionamento do TCU:
"A proibição de incluir novos documentos, conforme previsto no art. 43, § 3º, da lei 8.666/93 e no art. 64 da lei 14.133/21 (nova lei de Licitações), não se aplica a documentos ausentes, comprovatórios de condições atendidas pelo licitante no momento em que apresentou sua proposta e que não foram fornecidos junto aos demais documentos de habilitação e proposta, por equívoco ou falha. Esses devem ser solicitados e avaliados pelo pregoeiro" – Acórdão 1.211/2021-Plenário.
"O impedimento de incluir novos documentos, conforme previsto no art. 43, § 3º, da lei 8.666/1993 e no art. 64 da lei 14.133/21 (nova lei de Licitações e Contratos Administrativos), não abrange documentos destinados a comprovar condições de habilitação já existentes antes da abertura da sessão pública e apresentados mediante solicitação." – Acórdão 2.443/2021-Plenário.
É importante ressaltar que, devido a essa conduta, o item foi adjudicado a um licitante cuja proposta era R$33.915,00 mais alta que a proposta indevidamente inabilitada.”
Como se observa, a igualdade entre os licitantes também tem o propósito de assegurar à Administração a obtenção da proposta mais vantajosa, o que está expressamente previsto como um dos objetivos da licitação, especialmente de acordo com a nova lei.
Portanto, ao analisar o caso específico, conclui-se que o entendimento do TCU é que, quando necessário, devem ser feitas correções nas propostas, desde que não afetem substancialmente o que foi inicialmente apresentado.
No âmbito da nova lei de Licitações e Contratos (lei 14.133/21) o artigo 64, inciso I, reforça explicitamente a permissão para que sejam realizadas diligências a fim de complementar informações necessárias à apuração de fatos já existentes na ocasião da abertura do certame, estabelecendo uma base jurídica clara para que obter informações que possam esclarecer situações que já estavam presentes no momento inicial da licitação.
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1 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
2 Art. 47. O pregoeiro poderá, no julgamento da habilitação e das propostas, sanar erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, e lhes atribuirá validade e eficácia para fins de habilitação e classificação, observado o disposto na lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
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ACÓRDÃO Nº 2049/2023 – TCU – Plenário – Processo 020.609/2023-0
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 04 nov. 2023.
BRASIL. Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019. Regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal. Brasília: Congresso Nacional, 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d10024.htm. Acesso em 04 nov. 2023