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A organização criminosa e a associação criminosa

O que irá diferenciar a associação criminosa da organização criminosa é que, nesta última, é exigida uma estrutura organizada (ainda que informalmente) com divisão de tarefas.

7/11/2023

O conceito de organização criminosa está previsto no artigo 1º da lei 12.850, de 2 de agosto de 2013 que, em linhas gerais, estará demonstrada quando a investigação comprovar a existência das seguintes características: a) mínimo de quatro pessoas; b) existência de hierarquia e relação de subordinação; c) divisão de tarefas; d) objetivo de praticar crimes cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional (cometidos fora do território nacional):

É da natureza da organização criminosa a divisão de tarefas. (AgRg no HC n. 802.176/MT, relator Ministro João Batista Moreira (Desembargador Convocado do TRF1), Quinta Turma, julgado em 8/8/23, DJe de 16/8/23.)

As circunstancias ínsitas ao crime de organização criminosa são: associação de quatro ou mais agentes; estrutura ordenada; divisão de tarefas e objetivo de praticar delitos cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos ou que possuam caráter transnacional. (AgRg no HC n. 678.001/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/5/22, DJe de 23/5/22.)

A associação criminosa está prevista no artigo 288 do Código Penal (antiga quadrilha ou bando), e estará identificada quando a investigação comprovar que: a) mínimo de 3 pessoas; b) reunião estável dos membros; c) não é exigida a hierarquia; d) não é exigida a divisão de tarefas; e) pode ser imputada independentemente do crime autônomo.

A associação criminosa é crime formal, que se caracteriza pela simples reunião estável de três ou mais pessoas com a finalidade de cometer um ou alguns ilícitos. Não se exige, para sua consumação, a efetiva execução de delitos autônomos. (RHC n. 75.641/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/11/19, DJe de 11/11/19.)

No julgamento do HC n. 374.515/MS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 7/3/17, DJe de 14/3/17 foi concedida ordem de habeas corpus para determinar o trancamento de ação penal que imputou ao paciente o crime de associação criminosa, sem, contudo, descrever, suficientemente, os elementos objetivo e subjetivo do tipo penal. Ou seja, a denúncia foi declarada inepta, pois não foi capaz de demonstrar que o jurisdicionado integrasse grupo criminoso estável e permanente, criado com o objetivo de praticar crimes indeterminados:

Para caracterização do delito de associação criminosa, indispensável a demonstração de estabilidade e permanência do grupo formado por três ou mais pessoas, além do elemento subjetivo especial consiste no ajuste prévio entre os membros com a finalidade específica de cometer crimes indeterminados. Ausentes tais requisitos, restará configurado apenas o concurso eventual de agentes, e não o crime autônomo do art. 288 do Código Penal.

No julgamento do AgRg no RHC n. 179.561/BA, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/9/23, DJe de 15/9/23 foi denegada ordem de habeas corpus que vindicava o trancamento de ação penal pelo crime de organização criminosa, cuja tese de defesa contestava a atipicidade da conduta pela ausência de demonstração de um dos requisitos objetivo da norma, qual seja, o mínimo de quatro pessoas.

No entanto, o eminente relator do caso rechaçou a tese defensiva, pois constatou que mais de quatro pessoas foram denunciadas pelos crimes tipificados no artigo 2°, § 4°, inciso II da lei 12.850/13 (integrar organização criminosa); no artigo 1°, § 1°, inciso II e § 4°, da lei 9.613/98 (lavagem de capitais na modalidade receber); e no art. 171, caput, do Código Penal (estelionato), conforme se infere do seguinte trecho do voto exarado no citado julgamento:

Em que pese as alegações defensivas no sentido de que somente a três indivíduos foi imputado o crime de integrar organização criminosa, denota-se da inicial acusatória informação divergente, isto é, foram denunciados nove indivíduos pela prática do referido crime, o que, a princípio, justifica o prosseguimento da ação penal, conforme o art. 1º, § 1º, da lei 12.850/13.

Diferentemente da organização criminosa – onde não é exigida a estabilidade e a permanência -, sedimentou-se o entendimento de que a estabilidade e a permanência são requisitos intrínsecos da associação criminosa, e a ausência de qualquer dessas condições de procedibilidade acusatória é suficiente para que a denúncia seja declarada inepta. Confira trechos da ementa do RHC n. 71.502/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/12/16, DJe de 1/2/17:

A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que a estabilidade e a permanência são circunstâncias indispensáveis para a configuração do crime de quadrilha ou bando (atual associação criminosa). Precedentes.

De acordo com esse entendimento, ainda que a empreitada criminosa seja composta por 3 pessoas (ou mais), se o Ministério Público não demonstrar a estabilidade e a permanência dos membros, haverá excesso acusatório sobre o crime previsto no artigo 288 do Código Penal.  

Em relação ao crime de pertencimento a organização criminosa, onde não é exigida a estabilidade e a permanência, caberá ao Ministério Público comprovar a relação de subordinação entre os autores do crime, sendo vedada a presunção de responsabilidade penal:

A denúncia é inepta, pois atribuiu ao recorrente os crimes de pertencimento a organização criminosa e contra a ordem econômica (cartel) por ser sócio e administrador de posto de gasolina, mas não é possível compreender as funções desempenhadas pelo réu no estabelecimento, de que forma aderiu à societas sceleris e atuou (dolosamente ou de forma omissa) nos fatos delitivos. (RHC n. 153.056/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/4/23, DJe de 19/4/23.)

Portanto, o que irá diferenciar a associação criminosa da organização criminosa é que, nesta última, é exigida uma estrutura organizada (ainda que informalmente) com divisão de tarefas.

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Decreto lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013.

AgRg no HC n. 802.176/MT, relator Ministro João Batista Moreira (Desembargador Convocado do TRF1), Quinta Turma, julgado em 8/8/23, DJe de 16/8/23.

AgRg no HC n. 678.001/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/5/22, DJe de 23/5/22.

RHC n. 147.000/DF, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/4/23, DJe de 14/4/23.

RHC n. 75.641/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/11/19, DJe de 11/11/19.

HC n. 374.515/MS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 7/3/17, DJe de 14/3/17.

AgRg no RHC n. 179.561/BA, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/9/23, DJe de 15/9/23.

RHC n. 71.502/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/12/16, DJe de 1/2/17.

RHC n. 153.056/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/4/23, DJe de 19/4/23.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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