Migalhas de Peso

A técnica da ponderação – Utilizando a proporcionalidade em países com desigualdade social

O direito caminha para a concretização de clausulas abertas, percorrendo um longo caminho pela teoria kelsiana, ultrapassando as cláusulas gerais de Dworkin e Alexy e indo a passos largos para o sistema normativo abstrato emplacado pelo NCPC de 2015.

2/11/2023

Para se iniciar a argumentação sobre a ponderação como uma forma de adaptação constitucional, faz-se necessária a diferenciação especifica entre os tipos normativos intitulados regras e princípios. Nesse viés, as regras possuem uma alta densidade normativa, permitindo ao legislador e ao intérprete conceituar, com precisão, a hipótese de incidência e sua consequência efetiva. Ou seja, a regra, na maioria dos casos, possui uma área nuclear abrangente, que quase não permite a utilização da técnica de ponderação, quando ocorrem colisões teleológicas. Todavia, os princípios permitem uma maior abstratividade e coadunam com a flexibilidade interpretativa, cuja tratativa indica valores a serem resguardados pelo ordenamento jurídico. Destarte, em relação a estes, quando ocorre embate principiológico, pode ocorrer ponderação sem subsunção, com indicação da prevalência de um sobre o outro.

De acordo com o Juiz Federal MARMELSTEIN1, “A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêuticas não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores”. Nessa linha, voltando para a pormenorização entre regras e princípios, percebe-se que suas funções são especificas, mas complementares, fazendo que que vários doutrinadores como Kelsen2, Dworkin3 e Alexy4 determinassem formas de resolução de colisões normativas.

Nesse contexto de discussão sobre as diferentes vertentes do instituto da ponderação, para o jurista Kelsen supracitado, o direito deveria ser pautado em uma norma jurídica e não na lei e nos costumes, pois necessitaria de resguardar interesses e valores coletivos (Teoria pura do direito). Ademais, ele acreditava que havia um conceito hipotético da norma fundamental no qual o direito somente poderia ser criado pela autoridade competente, ou seja, ao judiciário facultaria decidir sobre sua própria competência vinculativa. Entretanto, mesmo com a aplicabilidade concreta dessa teoria, sempre haveria um certo grau de discricionariedade na interpretação, pois a insuperável a indeterminação, até de certas normas para com a linguagem do direito, necessitando da ponderação.

Com a universalização dos direitos fundamentais e a consequente relativização, no tocante à manutenção da dignidade da pessoa humana, surgiu a teoria do jurista Dworkin na era pós-positivista. Nesse contexto, para este, quando houvesse colisão entre regras no ordenamento jurídico, haver-se ia de invalidar uma em detrimento da outra. Conquanto, se o conflito fosse entre princípios constitucionais haveria ponderação de valores sem subsunção de um em relação ao outro. Assim, percebe-se que na hermenêutica principiológica, não se poderia utilizar de técnicas como hierarquia, cronologia e especialidade para resolução de antinomia de valores. Finalmente, para Dworkin, não se constatava conflito aparente quando houvesse colisão entre regras e princípios, uma vez que estes se complementavam.

Para aprofundar a teoria do jurista Dworkin, surgiu a ponderação pautada na discricionariedade interpretativa de Alexy. Explicando melhor, este jurista descrevia que os princípios seriam mandados de otimização e admitiam graduações de utilização, com interdisciplinaridade entre as possibilidades fáticas e jurídicas. Outrossim, ele concordava que, tanto regras como princípios, seriam normas com suas sujeições e prerrogativas. Entretanto, para alguns, a ponderação não deveria ser uma exclusividade dos princípios, pois as regras também poderiam ser normas semânticas abertas com conteúdo indeterminado. Consequentemente, com a inclusão da ponderação no Novo Código de Processo Civil de 2015 - NCPC, no artigo 489º, houve a positivação da possibilidade de se ponderar, em ocasiões sui generis de colisões entre regras. Segundo este artigo” no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.

Nessa linha de discussão, surgiram muitas críticas na ampliação da ponderação na hermenêutica constitucional, pois a consequência imediata seria a relativização dos direitos fundamentais, considerados cláusulas pétreas. Assim, em países subdesenvolvidos, por exemplo, cuja desigualdade socioeconômica impera, por muitas vezes, os princípios se tornaram objetos de negociação entre autoridades, que se defendem com a reserva do possível. Destarte, haveria uma abertura singular axiológica para um determinado ativismo judicial, com empoderamento do judiciário.

Nessa toada, o STF no Brasil pratica, na atualidade, a ponderação seletiva fundamentada, pautada na necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, em casos diuturnos de colisões entre princípios constitucionais. De acordo com o ministro do STF Gilmar Mendes, “Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.” . Nessa perspectiva, apesar da aplicabilidade da ponderação pela Corte Suprema, depreende-se que a escolha de um determinado princípio pode gerar, ainda mais, relativização de direitos fundamentais e fomentar desigualdades sociais.

Desse modo, infere-se que o direito caminha para a concretização de clausulas abertas, percorrendo um longo caminho pela teoria kelsiana, ultrapassando as cláusulas gerais de Dworkin e Alexy e indo a passos largos para o sistema normativo abstrato emplacado pelo NCPC de 2015. Nas palavras do professor Flávio Tartuce: “não restam dúvidas de que esse relevante artifício de lógica jurídica é associado à uma visão civil-constitucional do sistema, pois é a partir da Constituição Federal que são resolvidos problemas essencialmente privados”. Para finalizar, a grande questão a ser respondida no futuro será: Somente há colisão porque ponderamos, ou a colisão ocorre antes da ponderação?

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1 George Marmelstein, Juiz Federal no Ceará, doutor em direito pela Universidade de Coimbra, Professor de Direito Constitucional na UNI 7.

2 Hans Kelsen, jurista e filosofo austríaco, considerado um dos mais importantes e influentes estudiosos da Escola Positivista.

3 Ronald Myles Dworkin foi um filosofo e jurista estadunidense, influente na filosofia do direito e da política.

 

4 Robert Alexy é um jurista alemão e um dos mais influentes filósofos contemporâneos do direito, com sua Teoria dos direitos fundamentais.

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Alexy, R.  Teoría de los  derechos  fundamentales.  Madrid:  Centro de Estudios  Constitucionales,  1993.

Alexy, R. El concepto y la validez del derecho y otros ensayos. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997.

Alexy, R. The nature of legal philosophy. Ratio Juris, [online], n. 2, v. 17, p. 156-167, maio, 2004. Alexy, R.  Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008a.   Alexy, R.  On the concept and the nature of Law. Ratio Juris, [online], v. 21, n. 3, p. 281-299, 2008b.

Alexy, R.  Direito, razão, discurso:  estudos para a filosofia do direito.  Porto Alegre:  Livraria do Advogado, 2010b. Assis, A. E.  S.  Q. Direito à educação e diálogo entre  poderes.  2012.  259 f.  Tese (Doutorado em Educação) –, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, 13 ed. rev. atual. Ampl, São Paulo: Saraiva, 2009. 

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008

MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitações: breves reflexões. In.: MENDES, Gilmar Ferreira; MÁRTIRES, Inocêncio; BRANCO, Gustavo Gonet , Hermenêutica Constitucional e direitos .Brasília: Brasília Jurídica: 2000

TARTUCE, |Flavio. Manual de direito civil: volume único /. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. p. 87.

Joseane de Menezes Condé
Pós Graduação em Direito Constitucional Damásio ,Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT

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