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O atual desvirtuamento da rescisão indireta perante a Justiça do Trabalho

A rescisão indireta é um instituto de imensa importância jurídica e, portanto, deve ser manipulada de forma adequada e não corriqueira, como “substituta” do pedido de demissão, para que não ocorra o enriquecimento ilícito das partes, empregado ou empregador.

1/11/2023

Os pedidos de rescisão indireta, também conhecida como justa causa do empregador, prevista no art. 483 da CLT, têm aumentado consideravelmente nas reclamações que chegam à Justiça do Trabalho.

Por diversas vezes, a pretensão não passa de artifício do empregado em buscar reverter o pedido de demissão ao qual se arrependeu ou por enxergar nesta modalidade a possibilidade de obter vantagens financeiras, para “forçar” seu empregador a demiti-lo sem justa causa e, assim, possibilitá-lo a levantar o FGTS e receber o seguro-desemprego, além de receber as verbas rescisórias além daquelas devidas, tal qual aviso prévio indenizado e multa de 40% sobre depósitos de FGTS.

O Judiciário Trabalhista, entretanto, tem se posicionado contra este artifício e analisa cotidianamente pedidos em Reclamações Trabalhistas neste sentido, analisando se, de fato, a alegação de falta cometida praticada pelo empregador é suficientemente grave a encerrar a relação de emprego a ponto de gerar a impossibilidade da permanência do empregado no trabalho, nas hipóteses previstas no artigo 483 da CLT.

Isto porque, tal artigo exige o preenchimento de todos os requisitos ali elencados, uma vez que o instituto é tratado como a justa causa por ato infracional do empregador, possuindo o mesmo grau de importância que as faltas graves praticadas pelo empregado, conforme previsão também do art. 482 da CLT.

As faltas do empregador previstas no dispositivo art. 483 da CLT são:

  1. exigência de serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
  2. tratamento pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
  3. quando o empregado correr perigo manifesto de mal considerável;
  4. quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato (tais como depósitos de cotas previdenciárias e de FGTS, pagamento de horas extras, exigência de trabalho em ambiente insalubre sem o fornecimento de equipamentos de proteção, atrasos reiterados de pagamento de salários, tolerância de práticas de assédio moral, práticas racistas ou discriminatórias, dentre outros);
  5. quando praticar o empregador ou seus prepostos, contra o empregado ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
  6. quando o empregador ou seus prepostos ofenderem o empregado fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
  7. quando o empregador reduzir o trabalho do empregado, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

Como destacado, a jurisprudência atual é unânime na interpretação de que a rescisão indireta constitui-se na falta grave do empregador e, do mesmo modo que cabe ao empregador o ônus de provar a justa causa da dispensa do colaborador, é do empregado o encargo de comprovar a alegada falta cometida por seu empregador a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho (artigo 818 da CLT e artigo 373 do CPC), ou seja, ele deverá comprovar em processo judicial (seja por documentos ou testemunhas) que, por exemplo, sofreu assédio moral, ou que trabalhava em ambiente insalubre sem receber o respectivo adicional e lhe prejudicou a saúde, ou que a empresa tenha incorrido em alguma das faltas previstas no art. 483 da CLT.

É preciso observar que não é qualquer descumprimento contratual que deve ensejar a medida drástica da ruptura do pacto laboral por rescisão indireta por culpa do empregador. Certo é, que o ato gravoso há de efetivamente tornar absolutamente inviável o prolongamento da relação de emprego, o que não ocorre em grande parte dos casos. Exige-se, para sua caracterização, o enquadramento em uma das hipóteses elencadas no art. 483 da CLT, além da análise da gravidade da ofensa, imediatidade e taxatividade.

Entretanto, atualmente, observa-se que, muitas vezes, o empregado ingressa com pedido judicial de rescisão indireta em razão do rigor excessivo “que torna inviável a relação de trabalho”, mas permanece laborando naquele ambiente até a data da prolação da sentença e, em audiência de instrução, nada comprova a respeito, além de, por vezes, ainda se ouvir nas salas de audiências e corredores dos fóruns, pelas próprias testemunhas que mencionam que “o empregado só queria ser mandado embora sem perder as verbas”.

Não é qualquer infração da empresa que justifica o pedido de rescisão indireta, sendo certo que a jurisprudência tem se manifestado que tais fatos como condenações ao pagamento de diferenças de horas extras ou de indenização por supressão parcial do intervalo intrajornada, por si só, não autorizam a rescisão indireta do contrato de trabalho por carecerem de imediatidade para a rescisão indireta do contrato, porém não retiram a obrigação da empresa reclamada ser compelida ao pagamento dos valores correspondentes, com juros e correção monetária.

Com relação às alegações de ocorrência de constantes desrespeitos e humilhações por parte dos empregadores, estas também devem ser robustamente comprovadas pelo empregado, assim como nos casos de pedido de demissão que busca a reversão para rescisão indireta. Nestes, há de ser comprovada de forma inequívoca a ocorrência do vício da coação, posto que também entende o Judiciário Trabalhista que, se havia na empresa as irregularidades indicadas na petição inicial e se estas se revestiam de gravidade suficiente ao rompimento do contrato de trabalho, poderia o empregado ter se valido da rescisão indireta e não optar por pedir demissão, não cabendo depois sua conversão em rescisão indireta, pois tal pedido demonstra mero arrependimento do ato por ele perpetrado, o que não encontra respaldo no ordenamento jurídico.

Nesse contexto, o Judiciário Trabalhista entende que, ao ajuizar ação pretendendo a rescisão indireta do contrato de trabalho, o empregado assumiu o risco de, não reconhecido o pedido, ter considerado o contrato de trabalho rescindido por sua iniciativa, caracterizando, assim, pedido de demissão, como forma de coibir a concessão de valores e benefícios aos quais tais empregados não possuem direito.

Por fim, temos que a rescisão indireta é um instituto de imensa importância jurídica e, portanto, deve ser manipulada de forma adequada e não corriqueira, como “substituta” do pedido de demissão, para que não ocorra o enriquecimento ilícito das partes, empregado ou empregador.

Alonso Santos Alvares
O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

Flávia Santana
Advogada especializada em Direito do Trabalho e coordenadora do Núcleo do Direito do Trabalho da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

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