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Pejotização: pormenores, riscos e possibilidade de configuração de vínculo de emprego

O principal objetivo das empresas com este fenômeno é afastar a aplicação das normas trabalhistas à relação de trabalho firmada com seus obreiros.

23/10/2023

A contratação de profissionais que possuem Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ para atuação como prestadores de serviço sem vínculo de emprego tem se tornado cada vez mais comum. Essa contratação é conhecida como pejotização.

A pejotização está difundida de tal modo que, nos principais sites de busca de empregos na internet, são encontradas com facilidade vagas de trabalho que informam de maneira explícita que a contratação será feita na modalidade de pessoa jurídica, ou seja, como prestador de serviços. Algumas delas dizem inclusive que a carga horária será integral, o que se assemelha muito a uma típica relação de emprego, situação que pode gerar várias irregularidades trabalhistas.

Com a aprovação da reforma trabalhista, surgiram muitas dúvidas em relação aos empregados que atuam como PJ (Pessoa Jurídica) diante da possibilidade da contratação de profissionais autônomos nesta modalidade. Estes profissionais não poderão reivindicar os direitos de um trabalhador contratado sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Diante disso, é fundamental compreender os pormenores inerentes nesta modalidade de contratação.

O que é uma contratação por PJ?

A contratação por Pessoa Jurídica é uma celebração de contrato civil entre empresas. O contratado ou prestador de serviços deve ter um CNPJ ativo na Receita Federal.

No serviço prestado, deve haver emissão de nota fiscal, alvará perante a Prefeitura, inscrição estadual e outros documentos necessárias à regularidade da constituição da PJ.

Uma relação contratual válida como PJ ocorre quando não há subordinação (ausência de ordens e controle de horário de trabalho por um superior hierárquico) e, ainda, possui o contratado autonomia para transferir o trabalho para qualquer outra pessoa desempenhar (para um sócio, um terceiro, um empregado de sua PJ, etc).

Muitos profissionais veem nessa modalidade de contratação uma ótima opção para diminuir encargos tributários, que se traduzem em descontos no salário. Também há a oportunidade de trabalhar com diferentes projetos, horário flexível e com uma remuneração acima do mercado.

O profissional constituído através de PJ tem liberdade para definir sua jornada e frequência de trabalho, autonomia decisória, entre outras peculiaridades que um trabalho sem vínculo empregatício proporciona. Contudo, quem presta serviços através de uma Pessoa Jurídica não pode exigir os mesmos direitos trabalhistas de um trabalhador que trabalha no regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

Embora essa modalidade de contratação não observe os direitos constantes em CLT, o contratado como Pessoa Jurídica constituída tem direito à férias, que poderão ser acordadas diretamente com a empresa contratante. Entretanto, a empresa não possui obrigação de remunerar o período de férias. Da mesma forma, o PJ não pode exigir o recebimento do 13º salário, visto que este é um benefício destinado para quem trabalha com vínculo de emprego.

Riscos da pejotização.

O contratante pode ser judicialmente autuado caso se comprovem as características do vínculo de emprego.

Caso seja verificado que a contratação na modalidade pejotização tenha ocorrido para mascarar uma relação empregatícia, o contratante assumirá todos os encargos que deveria ter pago ao trabalhador como se ele fosse seu funcionário, quais sejam: férias, 13º salário, contribuição previdenciária, recolhimento de FGTS entre outros direitos trabalhistas garantidos. Também há previsão de multa e pena de detenção, conforme o artigo 203 do Código Penal: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Pena: detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”.

Se a empresa contratante mantiver muitos trabalhadores contratados de maneira irregular, a dívida trabalhista pode inclusive superar os limites da empresa, porque a caracterização de ato ilícito alcança até mesmo o patrimônio dos sócios – e o volume de recursos para cobrir todos os encargos que não foram pagos por um período longo pode ser extremamente oneroso diante da grandiosidade da conduta irregular praticada. 

Para evitar estes riscos, o ideal é o contratante observar em quais casos é possível a contratação de Pessoa Jurídica de forma que não caracterize fraude à legislação trabalhista.

Como uma contração de pessoa jurídica pode configurar vínculo de emprego?

As discussões a respeito do que caracterizaria vínculo empregatício mesmo no caso de um serviço contratado através de empresa passa pela definição do que é emprego.

O vínculo empregatício acontece quando determinadas características descritas na CLT são cumpridas: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Esta é uma interpretação do descrito no artigo 3º da CLT: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Por pessoalidade podemos compreender o fato de que, quando alguém é empregado para uma função, somente aquela pessoa pode comparecer ao trabalho para executá-la – o emprego é vinculado à pessoa física. Se estiver doente e faltar ao trabalho, não haverá substituição imediata. É importante compreender que este tipo de caracterização diferencia justamente o trabalho corretamente terceirizado, uma vez que na contratação de uma empresa é possível a substituição. A título de exemplo destaca-se a atividade de vigilante: se um condomínio tem um empregado para vigilante, se ele faltar não haverá substituto; se o contrato for com uma empresa, esta enviará outra pessoa para cumprir a jornada daquele que se ausentou.

Por habitualidade (ou não eventualidade) entende-se que há regularidade no atendimento por parte do contratado às necessidades do contratante. É uma prestação de serviços continua, sendo todos os dias da semana ou de quinze em quinze dias. Em geral, a jurisprudência trabalhista olha com mais atenção para aqueles contratos onde o serviço acontece mais de uma vez por semana, que seriam mais claros para o vínculo empregatício. É importante perceber que não é somente a não eventualidade que configura o vínculo, é preciso que estejam presentes também os outros requisitos mencionados.

A subordinação aparece quando alguém tem que cumprir todas as regras impostas pelo empregador, inclusive de horário. O trabalho acontece com escala determinada, nos dias determinados, as férias são estipuladas pelo empregador, além de respeitar ordens impostas por um superior hierárquico.

A onerosidade trata do salário, uma vez que o empregado presta os seus serviços em troca de remuneração cujo valor não seja inferior ao salário mínimo vigente.

É importante destacar, dessa maneira, que existindo todos estes requisitos de maneira cumulada, será reconhecida a existência de vínculo de emprego, ainda que o empregado tenha sido contratado por meio de uma Pessoa Jurídica constituída.

Conclusão.

O principal objetivo das empresas com este fenômeno é afastar a aplicação das normas trabalhistas à relação de trabalho firmada com seus obreiros, buscando ao máximo retirar esses contratos do âmbito do vínculo empregatício, sob a alegação de que a legislação é muito rígida para os padrões contemporâneos do mercado de trabalho, o que as leva a contratar funcionários nesta modalidade.

Isto gera diversas vantagens para o contratante, uma vez que a contratação de pessoa jurídica lhe traz muito menos encargos e ônus, sejam estes trabalhistas ou previdenciários, o que diminui seu passivo e suas obrigações e, consequentemente, lhe propicia maiores lucros para o crescimento econômico de seu negócio.

Por outro lado, na prática, ao serem solicitados para constituírem uma pessoa jurídica para fins de admissão em determinado emprego ou mesmo para continuarem a trabalhar naquela empresa, muitos trabalhadores aceitam e desconhecem que podem estar sujeitos a uma contratação irregular.

Isso ocorre em razão da desigualdade de forças inerente à relação entre empregado e empregador, característica bem peculiar do Direito do Trabalho e que o legitima como um ramo jurídico especializado.

Embora haja licitude em algumas contratações por meio de PJ, como diversos ramos e setores da economia em que a pejotização está mais presente, entre profissionais liberais como consultores, profissionais de administração e recursos humanos, área de vendas, representantes comerciais, engenheiros, profissionais de tecnologia da informação, área de marketing e comunicação, profissionais de saúde, entre outros, é essencial que o trabalhador esteja ciente de seus direitos para não sujeitar-se a condições irregulares de trabalho.

Ricardo Nakahashi
Advogado e Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Especialista em Direito do Trabalho.

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