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A função dos jurados no Tribunal do Júri

Nos julgamentos pelo Tribunal do Júri quem decide acerca da culpa ou inocência dos réus são os jurados: sete cidadãos de idoneidade comprovada sorteados dentre a população.

23/10/2023

Nos julgamentos pelo Tribunal do Júri quem decide acerca da culpa ou inocência dos réus são os jurados: sete cidadãos de idoneidade comprovada sorteados dentre a população para assistir ao julgamento e, ao final, votar o destino do réu.

Diferente do que ocorre nos Estados Unidos, aqui no Brasil os jurados não podem ser escolhidos em escrutínio prévio pelas partes, o chamado "voir dire". Aqui todos são sorteados, escolhidos e convocados pela própria Justiça, que os sorteia dentre os cidadãos da comarca, maiores de dezoito anos, de ambos os sexos e de variadas profissões, mas com ficha criminal limpa, e os convoca a participar do julgamento ou dos julgamentos, pois podem haver vários júris em uma única "reunião" (grupo de dias em que há julgamento todos os dias), tendo as partes contato com eles, em regra, somente no dia do julgamento.

Outra diferença também para o que ocorre nos Estados Unidos é que no Brasil os jurados atuam somente na fase de "plenário", cabendo a primeira fase, "pronúncia", a um juiz de direito, que decide se o acusado vai a júri ou não. No sistema americano os jurados atuam nas duas fases do processo, os chamados "grande júri" e "pequeno júri".

E além de ter sido em um primeiro momento sorteado para integrar o corpo de jurados do Tribunal do Júri, o jurado convocado precisa ainda, novamente, ser sorteado, em cada sessão plenária, para ingressar no "conselho de sentença", grupo de sete jurados que assistirão ao julgamento e ao final votarão pelo destino do réu.

Isso porque são convocados para cada reunião (conjunto de sessões plenárias) algumas dezenas de pessoas e cada sessão plenária de julgamento só comporta 7 (sete) jurados no conselho de sentença.

Ou seja, de todos os jurados presentes, em número médio de 25 (vinte e cinco) (Art. 447 CPP) e não inferior a 15 (quinze) (Art. 463), serão sorteados 7 (sete) para integrar o "conselho de sentença" - grupo que vai assistir ao julgamento e ao final decidir se o réu é culpado ou inocente.

E, por fim, depois de sorteado para fazer parte do conselho de sentença, o jurado ainda precisa não ter nenhum impedimento legal que o incapacite para a função e ser também aceito pelas partes: Defesa e Acusação. 

IMPEDIMENTOS

A primeira modalidade de impedimento se dá entre os próprios jurados, nas relações de parentesco entre eles, não podendo figurar no mesmo conselho de sentença jurados parentes, obviamente para que se preserve a imparcialidade na convicção de cada um, estabelecendo assim o Art. 448 do Código de Processo Penal:

Art. 448. São impedidos de servir no mesmo Conselho:

I – marido e mulher;

II – ascendente e descendente;

III – sogro e genro ou nora;

IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;

V – tio e sobrinho;

VI – padrasto, madrasta ou enteado.

§ 1º O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar.

Portanto nada de parentes no mesmo conselho, sob pena de dissolução do conselho de sentença, anulação do julgamento e multa para os jurados que não informaram o parentesco ao Juiz.

A segunda modalidade de impedimento se dá para preservar a imparcialidade do jurado, impedindo de participar do julgamento quem já houver tido contato anterior com o processo ou ter manifestado previamente sua intenção de voto, nos termos do Art. 449 CPP:

Art. 449. Não poderá servir o jurado que:

I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior;

II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado;

III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado. 

Lembrando que o jurado julga com sua "íntima convicção", por isso busca-se preservar ao máximo o conselho de sentença de influências externas que maculem a sua imparcialidade. Por isso, dentre outras, há a obrigação de incomunicabilidade dos jurados, para que julguem tão somente com o que assistiram durante o julgamento.

SUSPEIÇÃO

Ainda que sem nenhum impedimento, o jurado pode ter a sua imparcialidade questionada pela "suspeição", tal qual acontece com os demais magistrados, nos termos do parágrafo 2º do Art. 448

§ 2º Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados.

Assim, circunstâncias subjetivas que possam macular a imparcialidade do jurado e do julgamento podem ser levantadas, tais como: amizade íntima ou inimizade do jurado com qualquer das partes, testemunhas, vítima ou réu; vínculo de emprego ou subordinação a estes; filosofia política ou religiosa, envolvimento em situações semelhantes etc… 

ISENÇÃO

Algumas pessoas por causa das suas caraterísticas pessoais, na maioria funcionais, estão isentas de participar do júri. Ou seja, não são obrigadas a participar igual às demais pessoas, mas, se quiserem, podem participar sem problemas:

Art. 437. Estão isentos do serviço do júri:

I – o Presidente da República e os Ministros de Estado;

II – os Governadores e seus respectivos Secretários;

III – os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais;

IV – os Prefeitos Municipais;

V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública;

VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública;

VII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública;

VIII – os militares em serviço ativo;

IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa;

X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento. 

Os oito primeiros incisos tratam de categorias funcionais, autoridades e servidores públicos cuja presença no trabalho são essenciais ao funcionamento do estado. Os dois últimos precisam de requerimento motivado, pois apesar de isentos o magistrado pode exigir que permaneçam presentes na falta de "quórum" para abertura dos trabalhos (15 jurados).

RECUSA

Os jurados podem também recusar-se por algum motivo a participar do júri, mas, para tanto, precisam apresentar uma justificativa válida. Se a recusa se der por conta de convicção religiosa, filosófica ou política terão que prestar um serviço alternativo ao do júri, conforme preceitua o Art. 438 e parágrafos do CPP:

Art. 438. A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.

§ 1º Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins.

§ 2º O juiz fixará o serviço alternativo atendendo aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Pois o júri é um serviço obrigatório, e seria injusto com os demais que alguém se isentasse por questões pessoais subjetivas. Assim, para respeitar os valores filosóficos e de crença individuais, por equidade, a lei determina a prestação de outro serviço em compensação.

ACEITAÇÃO

Este tópico trata da aceitação pelas partes da participação do jurado. Pois mesmo sorteado as partes, Defesa e Acusação, podem rejeitar, sem dar motivação, a participação do jurado no conselho de sentença, conforme artigo 468 do CPP:

Art. 468. À medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz presidente as lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados sorteados, até 3 (três) cada parte, sem motivar a recusa.

Estando tal ato inserido na liberalidade estratégica das partes, que entendem por algum motivo ser melhor que aquele ou aquela jurado(a) não integre o conselho de sentença.

Então o jurado ou a jurada, ao serem chamados pelo nome, se levantam e se apresentam à análise (ocular) das partes, que em sequência dizem se aceitam ou não a sua participação.

Se for aceito(a) por uma das partes a análise passa para a parte contrária, que se o(a) aceitar permite o ingresso no conselho, mas se rejeitar torna o jurado(a) dispensado(a) da sessão de julgamento.

Às partes são informados antes do julgamento apenas os nomes e as profissões dos jurados, para que em pesquisa superficial se possa averiguar se algum dos jurados tem algum impedimento manifesto ou relação com qualquer participante do julgamento, o que é proibido por lei e pode anular o júri, e nada mais.

Assim, após sorteados os sete jurados definitivos e instaurado o conselho de sentença, o magistrado toma o compromisso dos jurados fazendo-os prometer que irão "examinar a causa com imparcialidade e proferir a decisão de acordo com as suas consciências e com os ditames da justiça", começando após isso o julgamento de fato.

Com isso os jurados ficam responsáveis por assistir todo o julgamento, mas em total silêncio, não podendo conversar entre si nem com qualquer pessoa, sob pena de anular o julgamento e receber multa, tendo o direito apenas de fazer perguntas quando autorizados pelo juiz.

E após transcorrido todo o julgamento, ouvidas todas as testemunhas, ouvido o réu e realizado os debates orais entre acusação e defesa, os jurados se reúnem em uma chamada "sala secreta" ( que muitas vezes é o próprio plenário que é esvaziado), e então fazem uma votação, também secreta, respondendo por meios de cédulas com os dizeres "SIM" e "NÃO" a quesitos elaborados pelo magistrado, obtendo-se com o computo desses votos a decisão sobre a "culpa" ou a "inocência" do acusado e sobre a incidência, ou não, de qualificadoras.

Após isso o magistrado elabora a sentença, profere o resultado em plenário e dispensa os jurados para irem embora.

Essa é basicamente a sistemática dos jurados, claro que dentro das estratégias técnicas das partes existem muitas outras circunstâncias consideradas em relação aos jurados que são trabalhadas a fim de melhor proporcionar a aceitação por eles das teses, mas esse é assunto para outro artigo.

Por ora, remetemos o leitor a continuar o aprendizado sobre o Júri acessando e conhecendo os demais artigos no perfil deste autor.

Ronaldo Costa Pinto
Bacharel em Direito pela PUC-PR. Advogado Criminalista com atuação nos casos de competência do Tribunal do Júri, Tribunais Superiores e Penal Econômico.

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