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Considerações sobre a reforma tributária e seus impactos jurídicos na execução fiscal

Com o avanço da proposta de emenda constitucional para a reforma do Sistema Tributário Nacional, as Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal devem discutir e analisar os problemas que irão surgir com a instituição de um imposto único de abrangência nacional.

21/10/2023

A reforma tributária do Sistema Tributário Nacional tem sido pauta de discussões em diversas searas da sociedade brasileira, sendo debatido desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, tendo sempre como principal mote a simplificação desse sistema a fim de contribuir com a geração de riquezas ao país.

Após três décadas, verifica-se que a reforma tributária mostra sinais de que, por meio do diálogo político e institucional, sairá do papel por meio da Proposta de Emenda à Constituição n.º 45, de 2019, PEC 45/19.

A referida proposta fora apresentada em abril de 2019 na Câmara dos Deputados com o objetivo de, conforme sua ementa, alterar o Sistema Tributário Nacional.1 Após mais de quatro anos de discussões, em agosto de 20232, foi enviada a PEC 45/19 para apreciação pelo Senado Federal, casa em que se concentram, por ora, as discussões quanto ao tema.

A referida PEC tem o objetivo de alterar, portanto, o Sistema Tributário Nacional com vistas a simplificar o arcabouço tributário, facilitando o pagamento de tributos com a diminuição das diversas espécies tributárias existentes.

Com esse mote, conforme texto inicial recebido pelo Senado Federal3, a ideia é que cinco tributos sejam substituídos por outros três da seguinte forma: os tributos federais IPI, PIS e Cofins serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços - CBS e pelo Imposto Seletivo; já o tributo estadual ICMS e o tributo municipal ISS serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços - IBS. 

Na esfera federal, a ideia é que seja cobrada uma contribuição social sobre bens e serviços nos termos da lei complementar, a denominada Contribuição sobre Bens e Serviços a fim de servir ao financiamento da seguridade social, bem como o imposto sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, sendo facultado ao Poder Executivo a alteração de suas alíquotas, o chamado Imposto Seletivo.

Ademais, centrando-se nas esferas estadual e municipal, segundo o art. 156-A que se pretende adicionar à Constituição da República, o Imposto sobre Bens e Serviços deve incidir sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, bem como sobre importação de bens materiais ou imateriais, também incluindo direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade4.

Para além dessas alterações, a proposta de reforma tributária traz outros pontos importantes no contexto dos Estados e do Distrito Federal, os quais devem ser considerados.

Dentre essas modificações, tem-se a criação do Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços indicado no novo art. 156-B5, segundo o qual caberá a esse conselho, formado pela atuação integrada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as competências administrativas relativas ao IBS.

Dessas competências, extraem-se as seguintes: edição de normas infralegais sobre temas relacionados ao IBS; uniformização da interpretação e da aplicação da legislação do IBS; arrecadação do IBS, bem como realização das compensações e da distribuição do produto da arrecadação entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e resolução das questões suscitadas no âmbito do contencioso administrativo tributário entre o sujeito passivo e a administração tributária.

Ainda segundo a proposta de reforma tributária, o Conselho Federativo do IBS deve coordenar a atuação dos entes subnacionais na fiscalização, no lançamento, na cobrança e na representação administrativa ou judicial do referido imposto6. 

A partir dessa competência do Conselho Federativo, chegam-se a diversos questionamentos que devem ser objeto de preocupação da atuação das Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Municípios brasileiros.

A nova reforma tributária está gerando um novo imposto que, em substituição ao ICMS e ao ISS, terá abrangência nacional, envolvendo todos os Estados federados e os mais de cinco mil municípios do Brasil.

Com essa abrangência nacional, os problemas que surgem relacionados com a arrecadação do tributo são inúmeros, considerando que se trata de diversas relações jurídicas em distintas situações e realidades abrangidas pelo novo tributo.

Em uma primeira análise, sem intenção de solucionar todos os questionamentos apresentados, mas com o propósito de discutir alguns pontos evidentes nessa temática da reforma tributária, trazendo ao âmbito das ProcuradoriasGerais a discussão, tem-se a questão da execução fiscal a ser exercida com base no IBS.

Sabe-se que, atualmente, no cotidiano das Procuradorias dos Estados e dos Municípios, a execução se mostra ineficiente em razão da dificuldade de satisfação do crédito tributário, seja por morosidade decorrente do estoque processual, seja por dificuldades em localizar o credor e/ou em localizar bens para serem executados.

Não se pode afirmar que, com a criação do IBS, essa realidade será melhorada, ou piorada, espera-se que melhore, uma vez que toda a arrecadação fiscal tem como fim último as políticas públicas desenvolvidas em prol da sociedade, mas é notório que a execução fiscal ganhará uma nova estatura ao se tratar de um imposto com abrangência nacional. 

Com isso, surgem os questionamentos de como se dará a legitimidade, a competência, o foro, isso só numa visão en passant, para a execução fiscal do Imposto sobre Bens e Serviços.

Ora, se a legitimidade ativa para a propositura da execução fiscal é das pessoas jurídicas de direito público, cabendo aos Estados a execução de seus tributos e aos Municípios a execução dos tributos municipais, a dúvida é a quem caberá a execução no contexto do imposto único a abranger ICMS e ISS. 

VI – as competências exclusivas das carreiras da administração tributária e das procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão exercidas, no Conselho Federativo, por servidores das referidas carreiras; e (...)” Ibid. Pp. 12.

Quanto à competência, com base na legislação processual vigente, tem-se que a execução fiscal deve ser proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado.7

Daí, questiona-se se a execução fiscal do IBS ocorrerá da mesma forma como consta na legislação processual, devendo ser proposta com base na situação do réu. Para essa situação, pondere-se, é necessário o amadurecimento das ideias quanto à melhor forma tendo em vista a eficiência que deve balizar a atuação do Poder Público.

Assim, por exemplo, deve-se questionar se seria melhor o Ceará litigar no Estado de São Paulo na execução de tributos daquele Estado? Seria melhor continuar com a execução sendo realizada na localidade do devedor? Com certeza, é necessário ponderação na busca da solução adequada para um novo tributo com abrangência nacional.

Aliás, por alguns anos, durante a transição, a proposta de reforma tributária determina que, ao mesmo tempo, convivam na sociedade brasileira os novos tributos com os antigos a fim de que essa mudança ocorra de forma gradativa.

Uma solução que pode ser apresentada para essa situação, entendendo-se que a execução ocorra no local do devedor, bem como a outras que, com certeza surgirão a partir do momento que esses novos tributos estiverem vigendo, é a utilização da denominada Justiça 4.0.  

A Justiça 4.0 corresponde a um programa desenvolvido em sistema de parceria entre o CNJ, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD e o Conselho da Justiça Federal - CJF. O TSE, o STJ e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho - CSJT também apoiam esse programa.8

O objetivo desse programa é fazer com que o sistema judiciário brasileiro seja mais próximo da sociedade por meio de novas tecnologias, bem como pela utilização da inteligência artificial9.

A partir da Justiça 4.0, no contexto da reforma tributária, pode-se pensar na criação de uma instância digital da Justiça, por meio de um juízo com atuação estadual 

que, dentre outras competências, pode ser responsável pela execução fiscal do novo Imposto sobre Bens e Serviços.

A partir desse foro digital, seria resolvido a questão da competência para a execução desse tributo, permitindo que, de forma célere e eficiente, os entes subnacionais pudessem exercer sua obrigação de buscar a satisfação dos créditos tributários.

Esse sistema facilitaria, por meio da utilização das novas tecnologias, a busca de informações que permitam a efetividade do procedimento de localização de bens do devedor, levando a uma maior probabilidade de êxito na execução fiscal.

Em complemento, é interessante pontuar que a execução fiscal no Brasil, bem como o próprio gênero execução judicial, são processos que se mostram, na atual conjuntura brasileira, ineficientes por não encontrar meios para sua conclusão, servindo para sobrecarregar os sistemas processuais dos tribunais. 

Aliás, apenas para mensurar um pouco os custos desse sistema de execução fiscal, em pesquisa10 realizada pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FDRP/USP em cooperação com a Procuradoria-Geral do Distrito Federal - PGDF e com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT e com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, no âmbito da Vara de Execuções Fiscais de Brasília/DF, as execuções fiscais custam, em média, R$ 28.964,00. No entanto, ocorre que, por vezes, os valores executados são muito abaixo desse custo, mostrando-se a ineficiência do atual sistema executivo.

Em continuidade, essa ideia apresentada em linhas gerais é apenas uma proposta diante da criação de novos tributos em substituição aos antigos, levando à concentração de competências estaduais e municipais em um mesmo e único tributo.

Logicamente, a ideia precisa ser amadurecida e debatida, pois sempre surgem novas dúvidas e situações a serem solucionadas, como, por exemplo, com a criação do foro digital da Justiça, a quem caberia a competência de julgamento recursal. Pode se pensar, para essa situação, também na criação de um tribunal digital recursal com fins de julgar, em segunda instância, os recursos interpostos em processos em curso na instância digital.

O certo é que o Brasil tem passado por diversas mudanças diante dos avanços tecnológicos e da busca por soluções que simplifiquem, dentre tantas exigências sociais, a forma de tributação nacional, o que deve contribuir para a arrecadação fiscal que deve ocorrer da forma mais eficiente possível, uma vez que se trata de verba pública a ser aplicada nas mais diversas políticas, como as relacionadas com atividades de saúde e de educação públicas.

Nesse contexto, por fim, com o avanço da proposta de emenda constitucional para a reforma do Sistema Tributário Nacional, as Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal devem discutir e analisar os problemas que irão surgir com a instituição de um imposto único de abrangência nacional a fim de que já se encontre soluções aos entraves que podem atrapalhar a execução fiscal no Brasil.  

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1 Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833. Acesso em: 3 out. 2023.

2 Portal da Câmara dos Deputados.Of. 161/2023/SGM-P. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2305782&filename=Tramit acao-PEC. Acesso em: 3 out. 2023.

3 SENADO FEDERAL. PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N° 45, DE 2019. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9418093&ts=1696282829062&disposition=inline&_gl=1*1kfwcbv*_ga*MTUyM TI3NjQ2NC4xNjk2MzM1MTcz*_ga_CW3ZH25XMK*MTY5NjMzNTE3My4xLjEuMTY5NjMzNzM1My4wLjAuMA... Acesso em: 3 out. 2023.

4 Ibid. P. 7.

5 Ibid. Pp. 10/11.

6 “Art. 156-B (...) § 2º Na forma da lei complementar: (...) V – o Conselho Federativo coordenará a atuação integrada dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na fiscalização, no lançamento, na cobrança e na representação administrativa ou judicial do imposto, podendo definir hipóteses de delegação ou de compartilhamento de competências entre as administrações tributárias e entre as procuradorias dos entes federativos;

7 Art. 46, §5º, CPC/15.

8 Conselho Nacional de Justiça. Justiça 4.0. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tecnologia-dainformacao-e-comunicacao/justica-4-0/. Acesso em: 3 out. 2023.

9 Ibid.

10 PROCURADORIA-GERAL DO DISTRITO FEDERAL. Pesquisa revela que custo médio dos processos de execução fiscal no DF é de R$ 28,9 mil. Disponível em: https://pg.df.gov.br/pesquisarevela-que-custo-medio-dos-processos-de-execucao-fiscal-no-df-e-de-r-289-mil/. Acesso em: 18 out. 2023.

Vicente Martins Prata Braga
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF - ANAPE.

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