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Instalação incorreta de aquecedor a gás pode gerar desabastecimento em todo o condomínio

Havendo necessidade de instalar aquecedor a gás, o consumidor deverá observar sua responsabilidade em contratar uma empresa particular do ramo gasista, a fim de evitar a inversão das conexões de água e gás e a obstrução da tubulação com água.

19/10/2023

Quando se trata de instalação de aquecedor a gás, muitos consumidores querem evitar despesas ou reduzir os custos e acabam pedindo ajuda de pessoas próximas ou contratando um "faz tudo", até mesmo um auxiliar de serviços gerais para fazer tal trabalho por um valor mais em conta, em vez de contratarem uma empresa especializada.

Desta forma, alguns consumidores não se atentam para os riscos daí advindos e que apenas os técnicos contratados por empresas particulares de assistência técnica devidamente cadastradas no SINDISTAL possuem expertise para fazê-lo.

O que tais consumidores não imaginam é que, ao assim procederem, colocam em risco todo o condomínio em que residem de ficar sem o fornecimento de gás. Assim, o presente artigo possui o propósito de esclarecer os riscos e responsabilidades de uma instalação de aquecedor a gás.

De acordo com a cláusula 5ª das Condições Gerais de Fornecimento de Gás, é obrigação do consumidor providenciar, às suas expensas, as instalações internas, ambientes e equipamentos aptos para a utilização segura do gás, senão vejamos:

CLÁUSULA 5ª - OBRIGAÇÕES DO CLIENTE: (i) Providenciar, exclusivamente por sua conta, instalações internas, ambientes e equipamentos aptos, nos termos da legislação e normas técnicas vigentes para a utilização segura do gás;

No mesmo sentido, dispõem os itens 29 e 47 do Regulamento de Instalações Prediais – RIP, aprovado pelo decreto 23.317/97, ao regulamentarem ser de responsabilidade do consumidor a conservação das ramificações internas do imóvel.

Item 29. “As ramificações internas são de responsabilidade do proprietário, o qual deverá providenciar para que sejam mantidas em perfeito estado de conservação”.

Item 47. “A conservação das ramificações internas compete ao proprietário, que só poderá modificá-las mediante prévia consulta à Concessionária”.

Já o item 58 do RIP estabelece que os aparelhos devem ser testados e regulados por empresas credenciadas e o item 59 determina que aqueles sejam regulados e revisados a cada dois anos:

58. Após a ligação de gás, os aparelhos, antes de sua utilização, deverão ser testados e regulamentados por empresas credenciadas, de forma a que os mesmos trabalhem dentro de suas condições normais.

59. A cada dois anos os aparelhos a gás devem ser regulados e revisados, a fim de sanar qualquer defeito que ponha em risco a segurança do consumidor.

A instalação dos aparelhos a gás deve ser executada por profissional qualificado, sob supervisão de profissional habilitado, na forma do item 4.3 da ABNT NBR- 13103/13.

Portanto, cabe ao consumidor a contratação de uma empresa particular do ramo gasista para proceder a instalação do aquecedor a gás, às suas custas, bem como regulá-lo a cada dois anos.

Contudo, quando um consumidor não observa tal regra e a instalação é realizada de forma equivocada por pessoas que não são profissionais qualificadas para tanto, poderá ocorrer a inversão nas conexões entre os pontos de instalação de água e de gás na parede e nas entradas do aparelho, ocasionando a entrada de água no ramal interno e na rede de distribuição de gás. Nestes casos, quando a tubulação de gás é inundada por água, ocorre o impedimento da passagem de gás não somente para a unidade imobiliária causadora do dano, como também para todas as demais do condomínio ou de um local abastecido pelo mesmo ramal.

Ou seja, inúmeros outros consumidores são afetados pela falta de gás, devido à uma imprudência de um morador que deixou de contratar um profissional habilitado para proceder a instalação como prescreve a norma, não havendo, na atualidade, qualquer meio técnico, sob a análise da engenharia moderna, que impeça o resultado da ação de terceiros como este caso.

Quando ocorre a inundação do ramal, o gás não consegue chegar até os pontos de consumo das unidades pela força da água, razão pela qual a Concessionária fornecedora de gás canalizado é acionada e obrigada a interromper o fornecimento do serviço para todo o prédio abastecido pelo ramal por medida de segurança com base na cláusula 4ª, §3º, I, do contrato de concessão que prevê a possibilidade de interrupção do serviço em caso de ameaça à segurança de pessoas ou bens e na forma do art. 6º, §3º, inciso I, da lei 8.987/95.

Nessa situação, é importante que os consumidores saibam qual o procedimento deve ser adotado para que o fornecimento de gás seja restabelecido para o seu edifício.

Primeiramente, os interessados no restabelecimento do serviço devem contatar a Concessionária fornecedora de gás canalizado para que esta interrompa o fornecimento do serviço por medida de segurança. Após, deve ser solicitado que a Concessionária elabore um orçamento para a desobstrução e a retirada de água do ramal interno do condomínio ou este pode solicitar a purga do ramal diretamente a uma empresa particular. Neste segundo caso, o condomínio irá arcar com o custo da empresa privada e, após, solicitar à Concessionária um orçamento para a realização de teste de estanqueidade e religação do gás, apresentando os documentos solicitados internamente pela Distribuidora, além do orçamento devidamente assinado e pago para início da vistoria.

Nesse sentido, cumpre esclarecer que o ramal interno nada mais é do que a tubulação de gás de propriedade do condomínio, localizada entre o limite da propriedade privada e os medidores de gás das unidades, trecho este que, por conta da instalação incorreta de um aquecedor, estaria obstruído com água.

Após a limpeza do ramal, seja pela Concessionária ou por uma empresa particular contratada pelo condomínio, cuja despesa, como visto, é arcada por este e rateada entre todos os condôminos, a Distribuidora de gás realizará vistoria ao final do serviço, garantirá por meio de testes que não há mais água no ramal e que a tubulação não apresenta vazamentos, realizará teste de estanqueidade em cada unidade imobiliária individualmente, restabelecendo o fornecimento de gás. Contudo, caso ocorra a inundação também da ramificação interna do imóvel do causador do dano, este deverá arcar com a despesa de limpeza deste trecho da tubulação de sua responsabilidade (entre o medidor e os pontos de consumo) para, após, obter a religação em sua unidade.

Desta forma, é de extrema importância que os consumidores tomem muito cuidado antes de efetuarem a instalação de seus aquecedores, uma vez que a inversão da entrada de gás com a de água pode gerar, além do transtorno da falta de gás em sua unidade e em todo o prédio, um custo para todos os vizinhos para que o serviço seja restabelecido sem contar o tempo despendido para a conclusão de todo o serviço de limpeza e teste em cada imóvel.

Depreende-se que, embora os usuários e as construtoras possuam ciência de que tais instalações devem ser executadas, exclusivamente, por empresas do ramo gasista, alguns são negligentes e imprudentes ao deixar de observar a regra, procedendo com a instalação do aparelho aquecedor por conta própria ou contratando profissionais não capacitados para a realização do ato.

Não se pode deixar de consignar o entendimento do TJ/RJ sobre a ausência de reponsabilidade da Concessionária em casos de interrupção no fornecimento de gás encanado em virtude da instalação incorreta do aparelho aquecedor, tendo, no caso abaixo, condenado apenas a construtora ao pagamento de danos morais pelo desabastecimento de gás, mantendo a sentença que havia julgado improcedente o pedido em relação à Concessionária:

APELAÇÃO CÍVEL. Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais. Reinstalação/reparo em aquecedor por funcionário da 2ª ré/MRV Engenharia e Participações S/A. Entrada de água na tubulação de gás. Inversão da conexão das entradas de água e gás constatada pela concessionária 1ª ré/Naturgy. Necessidade de interrupção do fornecimento do gás por questões de segurança. 2ª ré/apelante que não se desincumbiu de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito dos autores, nos termos do art. 373, II, do CPC. Deixou de demonstrar que a reinstalação/reparo teria sido prestado adequadamente e seria isento de qualquer defeito. Falha na prestação do serviço. Prejuízo material que se limitou ao valor comprovado por nota fiscal juntada aos autos. Privação do serviço de gás por cerca de 8 dias. Dano moral in re ipsa. Verba indenizatória fixada pelo Juízo a quo que se mostra razoável. Sentença mantida. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (0010778-78.2020.8.19.0210 - APELAÇÃO. Des(a). JEAN ALBERT DE SOUZA SAADI - Julgamento: 16/12/22 - SEXTA CÂMARA CÍVEL)

Esse também é o entendimento dos Juizados Especiais Cíveis, no âmbito das Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro. De acordo com a reprodução do voto da juíza relatora Márcia Silva Ribeiro, da Segunda Turma Recursal/RJ, nos embargos de declaração opostos pela Concessionária, no recurso inominado tombado sob o nº 0806632-32.2022.8.19.0002, publicado em 1.8.23, houve o reconhecimento da ausência de falha na prestação de serviços da empresa por ter agido no exercício regular do direito e a patente culpa exclusiva de terceiro, que teria rompido o nexo de causalidade, conforme abaixo:

“O exame do processo faz concluir que merece prosperar a pretensão recursal. O ponto nodal da questão reside em verificar se a recorrente incorreu ou não em falha na prestação dos serviços. Quanto a isso, vale ressaltar que a própria parte recorrida admite que os serviços foram suspensos em razão de instalação invertida de aquecedor realizada por terceiro em uma das unidades do condomínio. Incontroverso, portanto, que a interrupção do serviço se deu em virtude de fato de terceiro, excludente da responsabilidade da demandada neste particular. Destaque-se, ainda, que a recorrente agiu no exercício regular do direito, uma vez que o corte do fornecimento foi lícito e de acordo com o contrato de concessão de distribuição de gás firmado com o Estado do Rio de Janeiro, cláusula 4ª, §3º, I, que prevê a possibilidade de interrupção do serviço em caso de ameaça a segurança de pessoas ou bens. Isto porque, no caso em tela, a interrupção se deu por medida de segurança implementada até o reparo da rede de gás do condomínio que foi danificada em razão de vazamento de água na tubulação decorrente de instalação equivocada de aquecedor de modo invertido por um condômino. Superada essa premissa, resta apurar se existe responsabilidade da recorrente pela demora no restabelecimento do serviço, fato em que se funda a causa de pedir da autora e sua pretensão. Pela leitura dos autos, verifica-se que em 10-11-21 foi interrompido o fornecimento de gás ao condomínio autor por medida de segurança, em razão da entrada de água na rede de gás da empresa Recorrente, em decorrência de ligação incorreta de aquecedor a gás. Somente após a limpeza de todo o trecho do ramal interno o serviço poderia ser restabelecido. Os reparos poderiam ser realizados pela ré ou empresa de engenharia especializada, após vistoria das instalações pela demandada. Pois bem, ainda no dia 10-11, empresa contratada pelo condomínio fez a limpeza da água na tubulação de gás do condomínio em que reside o recorrido, sendo certo que aquele remeteu e-mail a ora recorrente, solicitando o restabelecimento do serviço. O condomínio ajuizou demanda no plantão judiciário, obtendo tutela que determinou à ora recorrente que procedesse à fiscalização e, posteriormente, o restabelecimento no fornecimento de gás. A recorrente naquele processo, como nesse, esclarece que já havia iniciado o trabalho de restabelecimento, quando intimada da decisão de tutela, acrescendo que para efetividade desse era necessário proceder a testes nas instalações de todas as 89 unidades do condomínio. (...) Ocorre que, vistoriadas as 89 unidades, com teste de estanqueidade, os serviços foram restabelecidos no dia 17-11-21. Ou seja, no prazo de cinco dias úteis, que não se afigura abusivo, dado as omissões acima citadas bem como o significativo número de unidades que compõem o condomínio. Destarte, após detida análise do caderno probatório, é possível verificar que não se está diante de qualquer falha por parte da ré capaz de levar à sua responsabilidade e consequente dever de indenizar. Assim, não há que se falar em inércia ou desídia da ré, na medida em que tão logo cumpridas as formalidades, o serviço foi regularmente executado, culminando com a normalização do fornecimento de gás. Desta forma, não se vislumbra, no caso em comento, a prática de ato ilícito pela parte ré capaz de embasar a pretensão da parte autora, pelo fato descrito na inaugural. A ré agiu no exercício regular de direito, considerando o caso concreto. A demora de 05 dias deveu-se à necessidade de comprovação do reparo imprescindível à execução do serviço, bem como do pagamento das taxas de religação e de custo do teste de estanqueidade, tudo conforme especificado pela concessionária ré nos e-mails constantes dos autos. Destaco que o atuar da empresa ré no caso concreto não constituiu ato ilícito nem serviu de supedâneo à obrigação de indenizar. Tão logo constatada a irregularidade, a empresa foi obrigada a interromper o serviço, enquanto não realizadas as adequações necessárias para atender às normas de segurança. Do contrário, providenciar o restabelecimento do serviço sem a necessária verificação das normas de segurança, seria agir de forma negligente, pois colocaria em risco o imóvel e a vida dos moradores. Sendo assim, não constitui violação ao princípio da continuidade a interrupção do serviço, que decorreu de emergência e foi motivada por razões de segurança das instalações, na forma do art. 6º, §3º, inciso I, da lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição da República. Em razão disso, não restou configurada qualquer falha na prestação do serviço da ré, razão pela qual não há que se falar em obrigação de compensar danos morais. Pelo exposto, VOTO no sentido de conhecer do recurso e DAR-LHE provimento para JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de compensação por danos morais. Sem ônus sucumbenciais, porque não verificada a hipótese prevista no artigo 55 caput da lei 9099/95.”

Desta forma, pode-se concluir que, havendo necessidade de instalar aquecedor a gás, o consumidor deverá observar sua responsabilidade em contratar uma empresa particular do ramo gasista, a fim de evitar a inversão das conexões de água e gás e a obstrução da tubulação com água, além da interrupção do fornecimento de gás para todas as unidades condominiais abastecidas pelo mesmo ramal de gás, hipótese em que a despesa de reparo deverá ser arcada pelo condomínio, já que o ramal interno é de sua propriedade, e será rateada entre os condôminos, podendo ser ressarcido em ação de regresso contra o real causador do dano responsável pela instalação incorreta do aquecedor.

Deborah Bento
Advogada no Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cota Advogados.

Bruno Pitaluga
Advogado no Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cota Advogados.

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