Ao longo do século XX, a relação entre o Direito e o setor privado foi caracterizada pelo aumento exponencial da dimensão regulatória em diversas esferas, tais como trabalhista, tributária, previdenciária, sanitária e ambiental. O aumento do aparato regulatório, em muitos casos desproporcional, representa um processo de limitação relativa da liberdade econômica em razão de hipotético e abstrato interesse público. O fato é que, nas últimas décadas, uma nova forma de restrição da atividade econômica emerge como fator decisivo para alocação de recursos financeiros e tomada de decisões estratégicas: trata-se da Licença Social para Operar - LSO.
A LSO refere-se ao processo contínuo de negociação e construção de legitimidade de sua operação com as comunidades locais e demais stakeholders. Apesar do nome, a LSO não é ato de consentimento do Estado em face de atividade econômica, como a Licença Ambiental (prevista na lei 69.938/81 como instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente) ou qualquer outra autorização do Direito Administrativo, uma vez que a Licença Social não está prevista expressamente em qualquer ato legislativo.
É verdade que o Direito positivo estabelece situações nas quais a comunidade local afetada possui canais de recepção da informação sobre o empreendimento e possibilidade de engajamento e discussões sobre os efeitos gerados diretamente ou indiretamente naquele território. É o caso, por exemplo, do instituto da audiência pública nos casos de empreendimento de significativo impacto ambiental (Resolução CONAMA 09/87), das audiências de cunho urbanístico previstas na elaboração e implantação do Plano de Diretor (art. 40, § 4o, I da lei 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade) ou ainda a obrigação de consultar os povos indígenas e as comunidades tradicionais em caso de adoção de medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente (Convenção OIT 169).
É preciso registrar, entretanto, que apesar dos atos normativos acima citados representarem exemplos de concretização dos princípios constitucionais da publicidade dos atos administrativos, da informação e participação social, a consulta às partes interessadas não tem natureza jurídica deliberativa e, portanto, não gera efeitos vinculantes, mas deve ser considerada como um dos elementos de formação da decisão estatal sobre a viabilidade de determinado empreendimento.
Apesar de possuir a participação como ponto em comum, as licenças ambientais/urbanísticas são absolutamente distintas da LSO: em primeiro lugar, diferentemente dos atos de consentimento ambientais, a LSO não decorre de ato administrativo, mas de processo social contínuo e permanente de envolvimento, negociação e engajamento da população local. Em segundo lugar, enquanto as licenças ambientais estão no plano da discussão sobre a legalidade da atividade econômica, a LSO encontra-se no plano da legitimidade, isto é, na concordância e consentimento social sobre o empreendimento. Por fim, o descumprimento de requisito da licença ambiental tem como consequência repercussões no Direito Administrativo Sancionador, ao passo que violar os termos informais e implícitos da LSO significa o rompimento dos laços de confiança junto à comunidade e, consequentemente, aumento do risco para a operação.
Empreendimentos de grande porte e significativo impacto ambiental, tais como projetos de infraestrutura, mineração, transporte, energia e construção civil, devem ter a LSO como variável central e estratégica do negócio. A verdade é que tais empreendimentos, apesar de todas as suas diferenças, têm no “conflito territorial” uma das consequências de sua operação, na medida em que causam impactos ambientais locais expressivos, bem como geram, em muitos casos, deslocamento populacional, aumento temporário da população e sobrecarga do uso de equipamentos e serviços públicos. Conflito territorial, portanto, é a tensão entre as formas como a população local se relaciona com os seus recursos naturais e culturais e, por outro lado, como os projetos de infraestrutura, mineração, transporte, energia e construção civil causam impactos decorrentes de suas atividades naquele mesmo território.
Em artigo recente denominado “A influência do conflito e da licença social para operar no valor da empresa” (1), Robert Mcdonald, Nancy Reyes e Jaime Rivera propõem um modelo que tem como objetivo relacionar as variáveis do conflito social, da LSO e o valor das empresas (preço das ações) a partir de informações empíricas do setor de mineração peruano. Segundo os autores, o aumento dos conflitos sociais no setor da mineração tem relação com a diminuição do valor das companhias. Neste contexto de relação entre conflito e perda do valor de mercado, a LSO tem efeito positivo nesta interação, inclusive como forma de mitigar a repercussão e o grau do conflito na definição do valor da empresa. A pesquisa é importante na medida em que justifica, cientificamente, que existe custo real e quantificável para empresas que dificultam ou negligenciam o diálogo e a construção de uma legitimidade de suas atividades junto à comunidade local.
Apesar de não ser regra legal, os profissionais do Direito (internos ou externos) possuem papel central na construção de uma estratégia de LSO, na medida em que devem (i) analisar os riscos dos impactos da atividade da empresa na comunidade local; (ii) assessorar juridicamente a elaboração e implementação de projetos em questões sobre aspectos fundiários, ambientais, urbanísticos, contratuais, trabalhistas e tributários.