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O que diz o STF sobre a responsabilização do agente público por erro grosseiro?

Resta agora acompanhar a conclusão do julgamento e aguardar a definição dos contornos que serão dados pelo STF à responsabilização do agente público por erro grosseiro, pois, até o momento, nota-se até aqui um menor detalhamento com relação à tese fixada quando da cautelar e uma inequívoca aproximação com o conceito de erro grosseiro.

17/10/2023

Nos termos do artigo 28 da LINDB, o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

Ao regulamentar o artigo 28 da LINDB, o caput e os parágrafos do artigo 12 do decreto 9.830/19 (i) definiram o erro grosseiro como um tipo de erro que, seja por ação ou omissão, é praticado com culpa grave (elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia), devendo ainda ser manifesto, evidente e inescusável; (ii) esclareceram que o agente público é responsabilizado quando, no desempenho de suas funções, toma decisões ou emite opiniões técnicas incorrendo ou na prática de erro grosseiro ou na pratica de ação ou omissão dolosa (quer tal dolo seja direto ou eventual) e (iii) estabeleceram que a configuração do erro grosseiro por parte do agente público deverá restar comprovada nos autos do processo de responsabilização e o montante do dano ao erário, ainda que expressivo, não poderá, por si só, ser elemento para caracterizar o erro grosseiro.

Já em outra passagem, contida em seu artigo 14, o decreto 9.830/19 estabelece que, no âmbito do Poder Executivo federal, o direito de regresso previsto no § 6º do art. 37 da Constituição somente será exercido na hipótese de o agente público ter agido com dolo ou erro grosseiro em suas decisões ou opiniões técnicas e com observância aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.

Por outro lado, no contexto da pandemia de COVID/19, houve a edição da Medida Provisória 966/20 que, por seu turno, também trouxe a sua definição de erro grosseiro e a aproximou muito mais das balizes contidas no artigo 12 do decreto 9.830/19 que as que constam do artigo 28 da LINDB:

“Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e

II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

§ 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:

I - se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou

II - se houver conluio entre os agentes.

§ 2º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.

Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:

I - os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;

II - a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;

III - a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;

IV -as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e

V - o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas”.

Tal Medida Provisória, que teve seu prazo de vigência encerrado no dia 10 de setembro de 2020 (vide Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional 123 publicado no D.O.U. do dia 22/20), foi questionada em seis ações junto ao STF: ADIn 6.421, ADIn 6.422, ADIn 6.424, ADIn 6.425, ADIn 6.427 e ADIn 6.428.

Quando do julgamento conjunto da medida cautelar, o STF, por maioria, fixou a seguinte tese:

“1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção.

2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades, internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.

Retomando-se o julgamento do mérito das ações diretas de inconstitucionalidade, o Ministro Luís Roberto Barroso (Relator), entendeu por prejudicadas as ações (ADIs 6.421 e 6.428) quanto à Medida Provisória nº 966/2020 e improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 28 da LINDB e dos arts. 12 e 14 do decreto 9.830/19, propondo a fixação da seguinte tese de julgamento:

“1. Compete ao legislador ordinário dimensionar o conceito de culpa previsto no art. 37, § 6º, da CF, respeitado o princípio da proporcionalidade, em especial na sua vertente de vedação à proteção insuficiente;

2. Estão abrangidas pela ideia de erro grosseiro as noções de imprudência, negligência e imperícia, quando efetivamente graves”. 

Na sequência, o Ministro André Mendonça pediu vista dos autos.

A tese de inconstitucionalidade até aqui não acolhida no julgamento inconcluso passa pela alegação de que a Constituição exige tão somente culpa ou dolo para a configuração da responsabilidade subjetiva do agente público (art. 37, §§ 4º, 5º e 6º, CF/88), ao passo que o erro grosseiro limitaria tal responsabilidade à hipótese de culpa grave.

O Ministro Barroso quando do seu voto enfrentou a questão asseverando que “da leitura do art. 37, § 6º, da CF, observo que o dispositivo carece de especificação quanto ao seu alcance, já que não há no texto constitucional definição do sentido de culpa. A Constituição não impõe um dever absoluto de responsabilidade em caso de qualquer espécie de culpa. É competência do legislador ordinário dimensionar adequadamente a culpa juridicamente relevante para fins da responsabilidade civil regressiva do agente público. Essa definição, por óbvio, deve respeitar o princípio da proporcionalidade, em especial na sua vertente de vedação à proteção insuficiente. Caso o legislador restrinja demasiadamente o conceito de culpa do administrador, de modo a inviabilizar sua responsabilização em casos efetivamente graves, estaremos diante de uma afronta ao art. 37, § 6º, da CF e ao princípio republicano”.

Ainda para afastar a inconstitucionalidade do art. 28 da LINDB e dos arts. 12 e 14 do decreto 9.830/19, o Ministro trouxe precedentes do próprio Supremo (MS 24.631, MS 24.073, MS 35.196 e MS 31.815), onde, antes e depois da alteração da LINDB, diferenciava-se, em determinadas hipóteses, o grau de culpa do agente público, como é o caso da responsabilização de pareceristas.

Por fim, o voto do Relator traz hipóteses previstas em lei em que há uma diferenciação do grau de culpa que deve ensejar a responsabilização do agente, a saber: (i) o Código de Processo Civil, que estabelece que somente nos casos de dolo ou fraude podem ser responsabilizados civil e regressivamente, por perdas e danos: juízes (art. 143, I), membros do Ministério Público (art. 181), membros da Advocacia Pública (art. 184) e membros da Defensoria Pública (art. 187); (ii) a lei 13.327/16, que preconiza que os ocupantes dos cargos de advogado da União, procurador da Fazenda Nacional, procurador federal e procurador do Banco Central “não serão responsabilizados, exceto pelos respectivos órgãos correcionais ou disciplinares, ressalvadas as hipóteses de dolo ou de fraude” (art. 38, § 2º) e (iii) a lei de Mediação (lei 13.140/15), que afasta a responsabilização pessoal civil, administrativa e penal dos servidores e empregados públicos que participem do processo de composição extrajudicial do conflito, salvo quando, “mediante dolo ou fraude, recebam qualquer vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiro, ou para tal concorrerem” (art. 40).

Resta agora acompanhar a conclusão do julgamento e aguardar a definição dos contornos que serão dados pelo STF à responsabilização do agente público por erro grosseiro, pois, até o momento, nota-se até aqui um menor detalhamento com relação à tese fixada quando da cautelar e uma inequívoca aproximação com o conceito de erro grosseiro que é comumente adotado pelos Tribunais de Contas (v.g. Acórdão 2.860/18 do Plenário do TCU).

Aldem Johnston Barbosa Araújo
Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE. Especialista em Direito Público.

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