I. Introdução
No Brasil, as contratações públicas são celebradas mediante a realização de um procedimento licitatório (CRFB/88, art. 37, inc. XXI), que tem a finalidade de assegurar que todos os concorrentes interessados disputem, em condições de igualdade, o futuro contrato administrativo. O texto constitucional assevera, ainda, que as exigências legais relacionadas à qualificação técnica e econômica sejam somente aquelas “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”, tendo em vista a manutenção da competitividade da disputa.
Segundo Marçal Justen Filho, a análise da qualificação técnica objetiva verificar se o sujeito possui a experiência e o conhecimento relacionados ao objeto a ser contratado, tendo como alicerce sua atuação pretérita em outras contratações.1 Trata-se, então, de um mecanismo que visa assegurar o sucesso do futuro contrato, e, em última análise, o atingimento do interesse público incutido no seu objeto.
Quando o objeto envolve a execução de obras e serviços de engenharia, definido no art. 6º, XXI, da lei 14.133/21,2 é comum que os editais de licitação exijam a apresentação de Certidões de Acervo Técnico – CAT, emitidas pelo Conselho Regional de Engenharia competente, para fins de comprovação da capacidade técnica. Assim determina tanto a lei 8.666/93, em seu art. 30, quanto a lei 14.133/21, no art. 67.
Segundo a doutrina especializada, os requisitos de qualificação técnica têm o seguinte objetivo:
“Como sabido, a qualificação técnica compreende as exigências definidas em Edital aptas a demonstrar que o licitante e seu corpo de profissionais possuem a experiência prévia suficiente para cumprir, integralmente, com o objeto a ser contratado, comprovando que já executaram satisfatoriamente, obra ou serviço similar, de mesma natureza e complexidade, reunindo as condições mínimas para celebrar o contrato com a Administração e entregar o objeto da forma como previsto no Edital”.3
Segundo Rafael Carvalho Rezende de Oliveira, a capacidade técnica se divide em três espécies, sendo: (i) genérica, demonstrada pela inscrição da empresa no Conselho Profissional ou órgão de classe competente; (ii) específica, relativa ao conhecimento acumulado do licitante sobre o objeto; e (iii) operacional, que exige a comprovação de que o licitante possui mão de obra e equipamentos disponíveis para execução do futuro contrato.4
O TCU, já se posicionou, no âmbito de incidência da lei 8.666/93, na mesma linha defendida pelo autor:
“Não se admite a transferência do acervo técnico da pessoa física para a pessoa jurídica, para fins de comprovação de qualificação técnica em licitações públicas, pois a capacidade técnico-operacional (art. 30, inciso II, da Lei 8.666/93) não se confunde com a capacidade técnico-profissional (art. 30, § 1º, inciso I, da lei 8.666/93), uma vez que a primeira considera aspectos típicos da pessoa jurídica, como instalações, equipamentos e equipe, enquanto a segunda relaciona-se ao profissional que atua na empresa.” 5– grifos não constam do original
Dentre as três espécies de capacidade técnica, a que mais gera controvérsia no âmbito de realização das licitações é a segunda, relativa a comprovação da experiência do licitante em relação ao objeto.
- Confira aqui a íntegra do artigo.
1 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de Licitações e Contratações Administrativas: lei 14.133/21. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 808.
2 Art. 6º, XXI – serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo, são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos especializados, que compreendem: (...)
3 PASCHOA, André Paulani; BARIANI JUNIOR, José. In: DAL POZZO, Augusto Neves; CAMMAROSANO, Márcio; ZOCKUN, Maurício (Coord.). Lei de Licitações e Contratos Administrativos Comentada: lei 14.133/21. São Paulo: Thompson Reuters, 2021, p. 329.
4 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 11 Ed. – Rio de Janeiro: Método, 2023, p. 500.
5 Acórdão TCU 2.208/22 – Plenário, relator Ministro Augusto Sherman, Informativo de Licitações e Contratos 301/16, j. em 24/8/16.