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Notas sobre a cognição na impugnação ao cumprimento de sentença e nos embargos à execução

O texto pretende discutir alguns pontos de contato e de afastamento entre os limites argumentativos dos embargos do devedor e da impugnação ao cunmprimento de sentença.

16/10/2023

Este ensaio pretende apresentar algumas notas acerca de assunto sempre polêmico na prática forense, que se refere aos limites cognitivos e as matérias que podem ser apresentadas na impugnação ao cumprimento de sentença e nos embargos do devedor, dialogando com alguns precedentes do STJ sobre o tema.

Como é fato, o cumprimento de decisão impositiva de quantia dar-se-á de forma subsequente e sincrética, mediante ordem judicial para pagamento no prazo de quinze dias, sob pena de multa de 10% (art. 523, do CPC).

Por outro lado, ao réu caberá: a) atender à ordem judicial, pagando e evitando a incidência da multa; b) não atendê-la, sujeitando-se aos atos executórios; c) defender-se, com a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença (art. 525, do CPC), hipótese em que já terá incidido a multa ao quantum originário.

O procedimento sincrético também está presente no cumprimento de obrigação de quantia em desfavor da fazenda pública, com mudança procedimental em relação à não incidência da multa e ao prazo para a apresentação a impugnação (art. 535, do CPC). Contudo, as matérias alegáveis são as mesmas seja no procedimento comum, seja no procedimento especial envolvendo a fazenda pública.

Especificamente em relação ao procedimento comum executivo de quantia, as estratégias do executado devem ser adotadas levando em conta a aplicação da multa de dez por cento em caso de não pagamento, a continuidade dos atos executórios e a incidência de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença e na própria impugnação ao cumprimento.

A 3ª Turma do STJ enfrentou este último tema, afirmando que:

“A Corte Especial, sob o rito dos recursos repetitivos, firmou entendimento no sentido de cabimento de honorários advocatícios na fase de cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, caso não ocorra o pagamento voluntário do valor da dívida no prazo de 15 dias, como ocorreu na hipótese”. AgInt no AREsp 2038468/DF – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – J. em 3.10.22 – DJe 10.10.22.

A defesa incidental ao cumprimento mediante impugnação atende ao contraditório e possui cognição limitada, eis que não é qualquer matéria que pode ser aqui deduzida, diante da clara restrição cognitiva contida nos arts. 525 e 535, do CPC. Trata-se, a bem da verdade, de respeito aos limites da coisa julgada e da preclusão consumativa, que alcançaram o título executivo judicial.

Esta preclusão também alcança as hipóteses de apresentação da chamada exceção de pré-executividade antes da impugnação. Vale citar passagem de recente decisão do STJ:

“Nos termos da iterativa jurisprudência do STJ, as matérias alegadas e decididas em exceção de pré-executividade, mesmo aquelas de ordem pública, não podem ser rediscutidas em impugnação do cumprimento de sentença, em virtude da preclusão. Incidência da súmula 83/STJ." (AgInt no REsp 1.609.410/DF). Agravo interno a que se nega provimento”. AgInt no AREsp 1111839 / DF – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – 4ª T/STJ – J. em 20/3/23 - DJe 23/3/23).

Quanto à alegação de prescrição na impugnação ao cumprimento de sentença, merece destaque outro julgado da Corte proferido nestes primeiros meses de 2023:

“Em observância ao instituto da coisa julgada e sua eficácia preclusiva, apenas a prescrição consumada após a formação do título judicial exequendo é passível de conhecimento em impugnação do cumprimento de sentença, nos termos dos arts. 475-L, VI, do CPC/73 e 525, § 1º, VII, do CPC/15”. AgInt nos EDcl no AREsp 2068952 / SP - 4a Turma - STJ - J. em 27/3/23 - DJe 3/4/23.

Aliás, existe explicação lógica para a limitação ou restrição cognitiva na impugnação ao cumprimento de sentença. Ora, se o cumprimento é apenas fase procedimental subsequente à formação do título executivo, já tendo sido garantido o direito de defesa sem qualquer restrição cognitiva na fase de conhecimento, não é razoável permitir alegação de matérias já atingidas pela preclusão e pela própria eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 507, do CPC).

Outrossim, levando em conta o sincretismo processual e a natureza incidental da impugnação, o pronunciamento que a apreciar poderá ser conceituado como sentença (acolhimento total para a extinção do processo) ou decisão interlocutória (rejeição ou acolhimento parcial com a continuidade do cumprimento de sentença), a desafiar o recurso de apelação (art. 1009, do CPC) ou agravo de instrumento (art. 1015, parágrafo único, do CPC).

A propósito, transcrevo passagem de outro recente julgado do STJ:

"A decisão que julga impugnação ao cumprimento de sentença sem extinguir a fase executiva desafia agravo de instrumento, sendo impossível conhecer a apelação interposta com fundamento no princípio da fungibilidade recursal, tendo em vista a existência de erro grosseiro"(AgInt no AREsp 1.380.373/SC, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/5/19, DJe de 22/5/19)”. AgInt no REsp 1601252 / SP – Rel. Min. Raul Araújo – 4ª Turma do STJ – J. em 03/10/2022 – DJe 24/10/22).

Os arts. 525 (impugnação ao cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa em geral – procedimento comum) e 535 (impugnação no cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda pública- procedimento especial), do CPC, consagram expressamente quais matérias podem ser suscitadas e discutidas pelo executado, comprovando que se trata de procedimento com limitação cognitiva.

Outrossim, a concessão de tutela provisória visando a obtenção de efeito suspensivo parcial (não impede a efetivação das providências constantes no art. 525, §7º, do CPC) à impugnação em geral dependerá do requisito objetivo (garantia do juízo), além dos subjetivos (relevância dos fundamentos e grave dano de difícil ou incerta reparação - art. 525, §§6º e 7º, do CPC).

Da mesma sorte, a concessão de tutela provisória visando emprestar efeito suspensivo aos embargos à execução dependerá da presença destes mesmos requisitos, como consagra o art. 919, §1º, do CPC. A 4ª Turma da Corte da Cidadania, em julgado de 2022 ainda mencionando dispositivos do CPC/73, considerando a situação jurídica concreta, deixou isso muito claro, como se pode observar nesta passagem:

“Consoante a nova sistemática do processo satisfativo, introduzida pelas leis 11.232/05 e 11.382/06, a defesa do executado, seja por meio de impugnação do cumprimento da sentença (art. 475-M), ou mediante os embargos à execução do título (art. 739-A), ordinariamente, é desprovida de efeito suspensivo, podendo o juiz conceder tal efeito se presentes os pressupostos do fumus boni iuris e periculum in mora e, como regra, garantido integralmente o juízo”. AgInt no AREsp 1900057 / SC – Rel. Min. Raul Araújo – 4ª T – J. em 25.4.22 – DJe 23/5/22.

Aliás, se de um lado há um ponto em comum entre a impugnação e os embargos à execução no que respeita aos requisitos para a concessão da tutela provisória visando a suspensão dos atos executórios (parcialmente – arts. 525, §7º e 919, §5º, do CPC), de outro há diferenças em relação ao cabimento e ao objeto, restando claro que a cognição dos embargos é ampla, ao contrário daquela estabelecida para a impugnação.

Com efeito, o sistema executivo brasileiro convive com o cumprimento interno (fase procedimental) e com a ação de execução autônoma. Nesta, nos casos envolvendo quantia, o executado será citado para pagar em três dias, sem prejuízo da localização, penhora e avaliação posterior de bens (art. 829 e 830, do CPC). Não obstante tais atividades múltiplas, o demandado pode apresentar embargos à execução em quinze dias, independente de garantia do juízo (arts. 914 e 915, do CPC).

Com efeito, os embargos à execução possuem cognição ampla (art. 917, do CPC) ao contrário da cognição consagrada para a impugnação ao cumprimento de decisão judicial, por razões ligadas ao ineditismo do conhecimento judicial. A leitura do art. 917, VI, do CPC (qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento) é a porta de abertura à cognição ampla nos embargos, garantindo-se o atendimento aos princípios da ampla defesa e contraditório, além da possibilidade de fixação de honorários advocatícios nos embargos à execução ou a majoração daqueles anteriormente fixados pelo juiz ao despachar a inicial da execução em até vinte por cento (art. 827, §2º, do CPC).

Vale citar, quanto à possibilidade de existência de honorários em execução extrajudicial (no caso concreto, execução fiscal) e embargos à execução, a Ementa do Acórdão da 2ª Turma do STJ (AgInt no AgInt no REsp 1845359/PR – Rel. Min. Humberto Martins – J. 17.4.23 – DJe 19.4.23):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL E EMBARGOS À EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCOS. CUMULAÇÃO.

  1. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, consolida em recurso representativo da controvérsia - REsp 1.520.710/SC, é possível a cumulação da verba honorária fixada em execução fiscal com aquela arbitrada em ação conexa (embargos à execução/ação anulatória), de forma relativamente autônoma, sendo vedada a sua compensação e desde que respeitados os limites percentuais e parâmetros previstos na legislação.
  2. Nas hipóteses de procedência parcial ou integral dos embargos, é possível a fixação única dos honorários no julgamento dos embargos, desde que se estipule que o valor fixado atenda à execução e aos embargos e a soma dos percentuais obedeça aos limites fixados na legislação. Precedentes.
  3. Hipótese em que os embargos à execução foram julgados totalmente procedentes, extinguindo a execução fiscal e a verba honorária fixada para atender ambas as ações. Impossibilidade de cumulação.

Agravo interno improvido”.

Destarte, a procedência total ou parcial, bem como a improcedência dos embargos à execução poderão refletir nos honorários advocatícios já fixados pelo magistrado ao despachar a inicial da ação execução de título extrajudicial. Em passagem do voto, o Exmo. Relator Ministro Humberto Martins deixa claro que:

“A fixação de honorários no início da execução é meramente provisória, pois a sucumbência final será determinada, definitivamente, apenas no momento do julgamento dos embargos à execução. Nas hipóteses de procedência parcial ou integral dos embargos, é possível a fixação única dos honorários no julgamento dos embargos, desde que se estipule que o valor fixado atenda à execução e aos embargos e a soma dos percentuais obedeça aos limites fixados na legislação” (voto no AgInt no AgInt no REsp 1845359/PR – Rel. Min. Humberto Martins – J. 17.4.23 – DJe 19.4.23).

Como se pode perceber, também em relação às condutas do executado na ação de execução de título extrajudicial de quantia, deve ser feita análise estratégica, eis que é possível: a) o pagamento integral em três dias, com redução pela metade dos honorários advocatícios fixados em dez por cento (art. 827, §1º, do CPC); b) a majoração dos honorários em até vinte por cento, em caso de rejeição dos embargos à execução (art. 827, §2º, do CPC); c) a apresentação destes embargos, com cognição ampla e sem efeito suspensivo legal (com possibilidade de concessão de tutela provisória pelo juiz – art. 919, do CPC); d) o resultado dos embargos poderão majorar os honorários já fixados em favor do autor ou, em caso de procedência parcial ou total, gerar sua fixação em favor do embargante, levando em conta a sua consequência em relação à execução anterior e os limites legais.

Em suma, nos embargos à execução contra título extrajudicial presume-se o ineditismo das questões debatidas, eis que o embargante não teve oportunidade anterior de exercer o contraditório pleno. Tal fato justifica a ampliação cognitiva garantida pelo legislador, ao contrário das hipóteses envolvendo títulos judiciais, em que o contraditório pleno já foi garantido em fases processuais anteriores. Por outro lado, antes da adoção das medidas judiciais aqui discutidas, deve o executado analisar com parcimônia o caso concreto e as consequências processuais de suas condutas comissivas ou omissivas, inclusive em relação à continuidade do procedimento executório e à fixação (ou majoração) de honorários advocatícios.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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