O artigo trata de contextualizar a figura da legítima defesa propriamente dita, ampliando o alcance para o instituto da legítima defesa exculpante como excludente da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa e a possibilidade de sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio, mormente no Tribunal do Júri. O objetivo, portanto, é verificar se é possível sustentar a tese de legítima defesa exculpante em plenário, destacando-se a garantia constitucional da plenitude de defesa.
Legítima defesa
A legítima defesa é uma excludente de ilicitude, na qual o ordenamento jurídico permite a alguém agir mediante os meios necessários de maneira moderada, no intuito de afastar agressão injusta atual ou iminente a direito próprio ou de terceiro.
Nesse sentido, dispõe o art. 25, caput, do Código Penal:
"Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (Vide ADPF 779)."
Portanto, age com a proteção legal aquele que observa todos os requisitos acima descritos, os quais se passa a explicar.
O uso moderado é aquele que não foge do suficiente a repelir a injusta agressão.
Já os meios necessários são aqueles disponíveis ao agente no momento da agressão injusta ou de sua iminência.
A agressão é definida como a violação a direito, ou seja, trata-se do desrespeito a um bem jurídico tutelado pela norma.
Já a qualidade de injusta da agressão é conceituada por Santos (2012, p.225) :
Injusta é a agressão imotivada ou não provocada pelo agredido e,
nesse sentido, marcada por desvalor de ação e de resultado, o que
exclui ações conformes ao dever de cuidado ou ao risco permitido
e ações justificadas – não há legítima defesa contra legítima defesa,
embora se admita exculpação supralegal em determinados casos de
provocação da situação justificante.
Atual é a agressão que ocorre no momento, ao passo que iminente é aquela que está para acontecer.
A legítima defesa pode se dar ainda em virtude de direito próprio ou de terceiro.
No que diz respeito à natureza do direito que se visa proteger, Zaffaroni e Pierangeli (2015, p.504) dispõem que: “a defesa a direito seu ou de outrem abarca a possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico".
Portanto, restaram analisados os elementos caracterizadores da legítima defesa.
Legítima defesa exculpante
A legítima defesa exculpante, diferentemente da legítima defesa propriamente dita, configura-se como excludente da culpabilidade pela inexigibilidade da conduta diversa.
Entende-se que o agente, impelido pelo medo, pela aflição, pela surpresa ou outro sentimento profundo, pratica um fato amparado por uma excludente de culpabilidade, não se exigindo que aja de maneia diversa.
Nessa linha de raciocínio, cumpre transcrever os ensinamentos de Nucci (2012, p.212):
O excesso exculpante seria o decorrente de medo, surpresa ou perturbação de ânimo, fundamentadas na inexigibilidade de conduta diversa. O agente, ao se defender de um ataque inesperado e violento, apavora-se e dispara seu revólver mais vezes do que seria necessário para repelir o ataque, matando o agressor.
Assim, tem-se uma permissão conferida à pessoa que age com o seu estado emocional fortemente influenciado por sentimentos complexos, o que deve ser avaliado no caso concreto.
Destaca-se que a legítima defesa exculpante é prevista em outros ordenamentos jurídicos, tais como o espanhol.
Há a previsão, inclusive, do excesso exculpante no Código Penal Militar, sendo que, por questões óbvias, pode ser trazido ao Código Penal e mais ainda ao Tribunal do Júri.
Legítima defesa exculpante no plenário do Tribunal do Júri
A plenitude da defesa é prevista constitucionalmente no art. 5º, XXXVIII, “a”, da Constituição Federal:
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
Destarte, faz-se possível utilizar praticamente todos os argumentos no plenário do Tribunal do Júri, não se olvidando a recente proibição do STF quanto à alegação de legítima defesa da honra.
Sendo assim, mostra-se plenamente possível a alegação da legítima defesa exculpante, que nada mais é do que aquela que exclui a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, agindo o agente impelido pelo medo, frustração, surpresa ou outro sentimento.
Inclusive, já foi suscitado o argumento da legítima defesa exculpante para absolver sumariamente o acusado na primeira fase do Tribunal do Júri.
Nesse diapasão:
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA ANTE A CONFIGURAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA. POSSIBILIDADE. CONTEXTO FÁTICO QUE EVIDENCIA QUE O RECORRENTE AGIU EM LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO. EXCESSO EXCULPANTE NA LEGÍTIMA DEFESA. ACUSADO QUE VIU A SEGURANÇA DE SEU FILHO AMEAÇADA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA QUE SE IMPÕE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I – Restou cabalmente demonstrado que o acusado agiu em legítima defesa de terceiro, tendo em vista que seu filho estava sofrendo agressão injusta e atual, pois a vítima o agrediu, o ameaçou de morte e por fim apontou uma arma de fogo para sua cabeça, momento em que o réu interviu, entrou em vias de fato com o ofendido, conseguiu desarmá-lo e deflagrar disparos da arma de fogo em face dele. II – Ademais, o fato de o acusado ter deflagrado 11 (onze) tiros não obsta o reconhecimento da legítima defesa, restando configurado em verdade uma legítima defesa com excesso exculpante, caracterizada quando o agente age com excesso para repelir agressão injusta, porém, diante das circunstâncias do caso concreto, seria inviável exigir dele conduta diversa. III – Recurso conhecido e provido. (TJ-AL - RSE: 07071085420138020001 AL 0707108-54.2013.8.02.0001, Relator: Des. Sebastião Costa Filho, Data de Julgamento: 27/02/2019, Câmara Criminal, Data de Publicação: 01/03/2019).
Portanto, não se olvida do brocardo em latim in eo quod plus est semper inest et minus, ou seja, se pode o menos na primeira fase do Tribunal do Júri (formação de culpa), pode o mais na segunda fase (plenário).
Vale ainda transcrever o ensinamento de Faucz e Avelar (2022, p.298): "considerando que a legítima defesa exclui a ilicitude do ato e, consequentemente, o crime, todas as teses defensivas em relação a este elemento estarão englobadas no quesito absolutório genérico".
Portanto, a legítima defesa exculpante deve ser avaliada no terceiro quesito, qual seja o genérico absolutório.
Considerações Finais
O presente artigo abordou a figura da legítima defesa propriamente dita, como excludente de ilicitude ou antijuridicidade, assim como a legítima defesa exculpante, a qual exclui a culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa.
Age em legítima defesa exculpante, a ser avaliada no caso concreto, a pessoa que é acometida por sentimentos complexos, tais como medo, aflição, surpresa, dentre outros.
Após a análise de textos legais e jurisprudência, chegou-se à conclusão de que é possível suscitar a figura da legítima defesa exculpante no Tribunal do Júri, sobretudo no plenário, sendo que o quesito genérico absolutório é o indicado para tanto.
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BRASIL, Código Penal – Decreto Lei nº 2.8488/1940.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal - Parte Geral. 5 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro – Parte Geral. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
BRASIL, Constituição da República Federativa do – 1988.
NUCCI, Guilherme de Souza Nucci. Código Penal Comentado. 11. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
TJAL, Recurso em Sentido Estrito nº. 0707108-54.2013.8.02.0001, Câmara Criminal, Rel. Des. Sebastião Costa Filho, Julgado em 27/02/2019.
SILVA, Rodrigo Faucz Pereira e; AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Plenário do Tribunal do Júri. 2 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.