Não é a primeira vez que falamos sobre o assunto, mas as alterações processuais impostas pela lei 14.195/21, em especial aquela relacionada ao termo inicial para a contagem da prescrição intercorrente1, finalmente começam a reverberar nas decisões proferidas pelos Tribunais Estaduais e STJ.
De qualquer maneira, dando um passo atrás, o que efetivamente é a prescrição intercorrente? Instintivamente sabemos que a prescrição (lato senso) nada mais é que a perda da possibilidade de ter o resultado favorável numa ação por ter deixado o tempo para isso passar. Mas e a prescrição intercorrente?
Esta, por sua vez, está vinculada à situação em que a parte autora de uma ação perde o direito de exigir judicialmente algum direito subjetivo por conta de sua inércia durante o decorrer do próprio processo, mais especificamente na fase de execução.
Feitas tais considerações iniciais, oportuno relembrar que a lei 14.195/21 implementou algumas alterações na redação do artigo 921 do Código de Processo Civil – CPC, que se refere especialmente às hipóteses de suspensão do processo de execução.
No que diz respeito à prescrição intercorrente, o CPC passou a fixar que o seu termo inicial “será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis”, o que na nossa opinião beneficia os devedores, na medida em que a prescrição não é mais motivada pela inércia ou desídia do exequente, seja em encontrar bens penhoráveis, seja em solicitar a prorrogação do prazo suspensivo, mas também pela ausência de localização do executado ou de bens sujeitos à penhora.
Oportuno destacar que todas as ressalvas feitas à época da publicação da lei, tanto quanto à importância do instituto da prescrição intercorrente, que busca evitar a eternização das demandas, como quanto à necessidade de que os credores planejem de maneira efetiva a perseguição dos bens do executado para que as chances de êxito sejam reais, seguem as mesmas.
Independentemente da relevantíssima discussão sobre a constitucionalidade da lei, que segue aguardando desfecho junto ao STF2, fato é que enquanto a norma não é considerada inconstitucional, os Tribunais Estatuais e o STJ a consideram válida e estão enfrentando o tema da prescrição intercorrente seguindo a nova regra.
Oportuno, todavia, destacar que os Tribunais estão acertadamente respeitando o quanto previsto no artigo 14 do CPC3 e, portanto, não estão aplicando a nova regra para os processos que já estavam em andamento quando da introdução das alterações pela nova lei, exatamente porque há previsão expressa de que a lei processual não pode retroagir, trazendo ao menos segurança jurídica aos envolvidos.
Adicionalmente, como resultado direto da aplicação da nova regra, os Tribunais alteraram a regra até então válida que seguia a aplicação do princípio da causalidade para o arbitramento de honorários advocatícios quando da extinção do processo em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente (artigo 85, § 10º, do CPC)4.
Em outras palavras, pela regra anterior o executado seria seguindo responsável pelo pagamento das verbas sucumbenciais, mesmo diante do reconhecimento da prescrição, pelo fato de ter dado causa à ação.
Todavia, após a alteração promovida pela lei 14.195/21, os Tribunais estão revendo tal posicionamento, uma vez que a nova redação do § 5º do artigo 921 dispõe expressamente que não serão imputados quaisquer ônus às partes quando reconhecida referida prescrição.
Assim, a despeito das incertezas que ainda possam pairar sobre o assunto, é inegável que as alterações já impõem aos exequentes uma carga ainda maior de responsabilidade (custas processuais e risco de sucumbência já eram um risco), obrigando-os a seguirem ainda mais diligentes e atentos para que seus direitos não sejam impactados, agora também pela prescrição intercorrente.
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1 https://fflaw.com.br/atencao-credores/
2 Sua constitucionalidade segue sendo questionada perante o STF na ADI 7005 (autos conclusos com o Relator).
3 Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
4 “§ 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.”