Indubitavelmente, uma das maiores preocupações das sociedades empresárias no tocante à segurança jurídica do sistema de franquia empresarial está relacionada a eventual competência da Justiça do Trabalho para anular um contrato de franquia e, por conseguinte, reconhecer uma relação de emprego entre franqueador e franqueado.
Desse modo, o presente artigo busca compreender as características do sistema de franquia empresarial, bem como analisar as recentes decisões proferidas no âmbito do STF sobre a incompetência da Justiça do Trabalho para anular o contrato de franquia, sob a ótica da nova ordem jurídico-laboral, com orientação ideológica que percebe a empresa como fundamental organismo de produção de riqueza e progresso econômico.
No bojo da teoria contratual contemporânea, a função constitucional da autonomia privada vem ganhando novos perfis.1 O regime jurídico da autonomia privada pode variar conforme as situações jurídicas (patrimoniais/existenciais) e centros de interesse inseridos em uma dada relação.2 No universo das relações jurídicas patrimoniais, o perfil do interesse têm particular importância eis que estabelece uma dicotomia entre os “contratos de lucro” (voltados à obtenção de lucro) e os contratos “existenciais” (visando manter uma existência humana).3
É neste contexto que o conceito de contrato empresarial ganha relevo. Nos contratos interempresariais, a pedra de toque é, precisamente, o interesse no lucro4. Mesmo diante daqueles considerados de adesão, a paridade presumida e a racionalidade econômica norteiam a lógica obrigacional (art. 421-A do C.C/02).
Vale ressaltar, que nem sempre contratos de adesão resultarão de assimetrias de poderes negociais. Contratos são instrumentos de alocação de riscos e lucros, ônus e bônus. Em determinadas situações, é notória a considerável vantagem auferida pelo empresário que adere a um programa contratual pré-estipulado pela contraparte, principalmente no tocante à redução de custos de transação, a partir do uso de modelos padronizados.5
Não é novidade a utilização de contratos que são autênticos formulários, já que são empregados no mercado de seguros há décadas. Sem a padronização contratual, seria muito difícil organizar uma rede de distribuição.6
Assim, embora a assimetria de poderes negociais possa ser mais evidente quando o contrato for concluído sem que a parte economicamente mais fraca tenha tido, na etapa pré-contratual, qualquer poder de barganha para intervir na arquitetura dele, da referida assimetria, não se presumem iniquidades.
Salvo raras exceções, portanto, no direito comercial não se pode reconhecer no empresário um hipossuficiente, já que o modelo de produção capitalista não conseguiria sobreviver dessa forma. Isso não significa que não se deve reconhecer que, em certas relações interempresariais, existe dependência econômica de uma parte em relação a outra, tendo a parte economicamente mais forte a possibilidade de impor condições contratuais a outra parte, que deve aceitá-las.7
No contrato de franquia, por sua própria natureza, a dependência econômica do franqueado ao franqueador é inerente. Para que o contrato possa desempenhar a sua função econômica, uma parte deve conseguir impor a(s) outras(s) seu modelo de negócio.8
No sistema de franquia empresarial, dependendo do modelo de negócio a ser adotado, o grau de vinculação do comportamento da parte poderá variar. Em determinados contratos, é dada maior liberdade à parte em situação de dependência (franqueado), e em outros pode haver total aderência a um conjunto de regras impositivas.
Não obstante a tutela conferida pelo Código Civil aos contratos de adesão estar prevista nos artigos 423 e 424 do Código Civil,9 é preciso refletir sobre as características do sistema de franquia empresarial, dos poderes negociais envolvidos e do grau de autonomia da sociedade empresária em situação de dependência econômica, à luz do princípio do equilíbrio contratual.
Sendo a autonomia privada o elemento propulsor dos negócios jurídicos, a sua aplicação deverá ser investigada à luz dos valores constitucionais essenciais para a promoção da dignidade da pessoa humana e para o seu desenvolvimento.10
O contrato de franquia se caracteriza, por expressa disposição legal, como instrumento de um sistema pelo qual “um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento”.11
- Confira aqui a íntegra do artigo.
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1 PERLINGIERI, Pietro “Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional”, 3ª Ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p.276
2 ROCHA, David F.E “Levando a Hipossuficiência a Sério: Uma Leitura Trabalhista Constitucional da Autonomia Privada nas Relações de Trabalho”, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2022 p. 27 et seq.
3 DE AZEVEDO, A. J, RTDC – Entrevista com o professor Antônio Junqueira de Azevedo. in Novos Estudos e pareceres de direito privado, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 600
4 DE AZEVEDO, A. J, RTDC. Op. Cit, p. 600.
5 FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p.66.
7 FORGIONI, Paula. Op. Cit, p.67
8 Ibid, p.68.
9 Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.
Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.
10 TEPEDINO, Gustavo. Notas Sobre Função Social dos Contratos In: FACHIN, Luiz Edson; TEPEDINO, Gustavo. O Direito e o Tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 405