Em julgamento concluído em 18/9/23, em Plenário Virtual, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Tema 1271, que tem como objeto a seguinte questão:
“Exclusão da criança e do adolescente sob guarda do rol de beneficiários, na condição de dependentes, do segurado do Regime Geral de Previdência Social, implementada pelo art. 23 da Emenda Constitucional nº 103/2019”.
O processo foi distribuído à Relatoria do Ministro André Mendonça e agora seguirá para o julgamento qualificado, nos termos dos artigos 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil (rito da repercussão geral).
Do ponto de vista técnico-processual compreendemos que está correto o reconhecimento de repercussão geral neste caso.
O rol dos dependentes previdenciários é, por essência, matéria infraconstitucional.
Porém, com o movimento de constitucionalização (excessiva) posto em prática pela Emenda Constitucional 103/19, alçando ao texto constitucional temas que não teriam a priori essa característica, o assunto em tela passou à órbita constitucional.
No caso concreto, a exclusão das crianças e adolescentes sob guarda do rol de dependentes previdenciários foi objeto da norma contida no art. 23, § 6º, da Emenda Constitucional 103/19:
§ 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica.
Como se vê, a norma constitucional reformadora estabeleceu que, doravante, apenas enteados e menores tutelados terão direito à pensão por morte, excluindo dessa condição as crianças e adolescentes sob guarda.
Portanto, tratando-se, doravante, de matéria que passou a ter cunho constitucional, é cabível o reconhecimento de repercussão geral e análise pelo STF, especialmente pelo fato de que a dependência previdenciária é tema de notória repercussão jurídica e política, mas, especialmente, social.
Os temas da dependência econômica e da pensão por morte tratam-se, a nosso ver, dos mais sensíveis dentro do Direito Previdenciário, visto que apanha a família em um dos momentos de maior vulnerabilidade, o óbito do segurado/provedor econômico.
O Tema 1271 da repercussão geral visa a declaração de inconstitucionalidade do art. 23, § 6º, da Emenda Constitucional 103/19 a partir do argumento de violação dos “princípios da igualdade, proibição do retrocesso e da proteção integral das crianças e dos adolescentes”.
Os dois primeiros argumentos apontados, conforme análise da reiterada jurisprudência do STF, não costumam encontrar grande espaço na jurisdição constitucional em matéria de direitos sociais.
Diferente é o alcance do princípio da proteção integral das crianças e dos adolescentes, contido no art. 227, § 3º, da Constituição Federal. O STF tem se demonstrado mais sensível a esse tema e esse aspecto, sendo um grande exemplo o resultado do julgamento da ADIn 4878/DF, que, a partir deste argumento, considerou inconstitucional a exclusão das crianças e adolescentes sob guarda do rol de dependentes previdenciários no RGPS.
A ADIn 4878 não tratou do tema do alcance do art. 23, § 6º, da Emenda Constitucional 103/19, em virtude de questões técnico-processuais de objeto do pedido, no que fez bem, embora pudesse ter tratado da matéria por “arrastamento”.
Contudo, apesar de não ter ocorrido a apreciação dessa matéria naquele julgamento, compreendemos que se trata, no caso do Tema 1271, de igual ratio decidendi, de sorte que idêntico deverá ser o julgamento a ser proferido.
Por fim, não é excessivo relembrar que há tempos o STF tem admitido em sua jurisprudência a possibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade de normas constitucionais (de reforma), adotando a conhecida teoria do jurista alemão Otto Bachoff.
Considerando todas essas observações pontuadas acima, aguardemos, pois, o desdobramento do julgamento desse importante tema da repercussão geral.