Migalhas de Peso

Manifestação sobre o laudo prévio na desapropriação

Entendemos ser inconsistente afirmar que a avaliação prévia se presta apenas a fornecer elementos para o julgador decidir acerca do pedido de imissão provisória, devendo eventual questionamento ser apreciado por ocasião da elaboração do laudo definitivo.

9/10/2023

O presente artigo versa sobre a necessidade ou não de manifestação ao laudo prévio, initio litis da demanda expropriatória, antes de ser efetivada a imissão provisória na posse pelo Poder Público expropriante. Pois, esse é o momento em que o proprietário tem o esvaziamento de todos os poderes inerentes a sua propriedade: uso, gozo, disposição e fruição, que previstos nos artigos 5º, inc. XXIV e 182 § 3º, da Constituição Federal.

LAUDO PRÉVIO - CONCEITUAÇÃO

O decreto-lei 3.365/41 – Lei das Desapropriações, ao regulamentar as desapropriações prevê a existência de dois laudos periciais.

O primeiro é o laudo prévio, previsto no art. 14. Sua elaboração é determinada pelo magistrado, logo após o ajuizamento da demanda expropriatória. Serve como avaliação inicial do imóvel objeto da expropriação e será determinante para o Poder Judiciário fixar o valor da indenização a ser depositada em juízo pelo Poder Público expropriante a viabilizar a imissão na posse.

O segundo é o laudo definitivo, previsto no art. 23, destinado a ratificar ou retificar o laudo prévio, elaborado em caráter de urgência, a fim de embasar a sentença expropriatória. 

A referência ao laudo prévio, tanto na legislação específica – DL 3.365/41 – como na doutrina especializada e na jurisprudência, denota uma sinonímia. Por exemplo, preço ofertado em Juízo (art. 13; 15-A; 34-A, § 1º), oferta do preço (art. 13) laudo provisório, depósito prévio, avaliação provisória, ou preço ofertado pelo expropriante, dentre outras nomenclaturas. Aqui vamos adotar “laudo prévio”.

O art. 14, do DL-3.365/41, ao prever a produção do laudo prévio, estabelece que o juiz, ao despachar a inicial de desapropriação designará um perito de sua livre escolha, para proceder a “avaliação dos bens”, que serão expropriados. Tanto o autor como o réu, poderão indicar assistente técnico do perito para acompanhar os trabalhos (parágrafo único).

O valor apontado na conclusão do jurisperito no laudo prévio servirá como valor da causa1 e será utilizado pelo juiz, para fixar o valor do depósito judicial para fins de imissão provisória na posse.  

A IMPORTÂNCIA DA MANIFESTAÇÃO

O laudo prévio é um parecer de ordem técnica,2 muito importante no processo expropriatório. Nele deve conter todas as respostas aos quesitos formulados pelos assistentes técnicos e o preço que deverá ser pago pelo expropriante ao expropriado, ou seja, a indenização prévia pela perda da propriedade3Mesmo sendo um documento tão importante, a praxis tem sido a de não admissão da impugnação ou contraditório4 ao laudo prévio, uma vez que a duras custas o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou a Súmula 305, dando interpretação ao Decreto Expropriatório conforme a Constituição Federal6pois antes de sua criação a imissão na posse ocorria com base no preço ofertado pelo expropriante, como ainda precariamente ocorre nos demais Estados da Federação.

O valor informado no laudo prévio, uma vez depositado em Juízo, permitirá que o magistrado autorize a imissão provisória na posse do imóvel objeto da desapropriação. Na sequência, o Poder Público expropriante já poderá implementar seu projeto na propriedade exproprianda.

A questão é crucial e se mostra de grande interesse, uma vez que o expropriando, na iminência de perder a posse de sua propriedade, terá à sua disposição um valor, que pode ser muito abaixo da justa indenização, prevista no Texto Constitucional.

A justificativa, data venia, da qual discordamos, é que a avaliação prévia se presta apenas a fornecer elementos para o julgador decidir acerca do pedido de imissão provisória, devendo eventual questionamento ser apreciado por ocasião da elaboração do laudo definitivo7.

Por um lado, em julgado de 26/10/2017, a C. 3ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, deixou de dar provimento a um agravo de instrumento8 que tinha por objetivo discutir a avaliação de um laudo prévio que atribuiu ao imóvel expropriando o valor de R$ 1.078.059,00, data-base out-2016, ao passo que o preço ofertado foi de R$ 1.053.387,13. Neste caso, o perito judicial, ao calcular o valor do metro quadrado deixou expressamente consignando que o fez por mera estimativa, afirmando que a coleção de elementos comparativos ficaria por ocasião do laudo definitivo.

Posteriormente intimado para elaborar o laudo definitivo, o mesmo jurisperito acolheu as críticas apresentadas contra o laudo prévio. Com isso, o valor da indenização foi majorado para R$ 1.608.364,17, data-base agosto/2016.    Denota-se que houve expressiva majoração de R$ 530.305,17, que representa cerca de 49% do valor estimado no laudo prévio9.

Em sede de esclarecimentos às críticas das partes ao laudo definitivo, novamente foram acolhidas as manifestações técnicas do expropriado e o valor da indenização foi ajustado à realidade do mercado imobiliário local para R$2.106.051,61, data-base agosto/2016. Foi proferida sentença fixando o valor da indenização em R$ 2.106.051,61, data-base agosto/2016, com o qual concordou a Prefeitura de São Paulo, operando-se o instituto da coisa julgada material.            

 Por outro lado, atualmente há diversos julgados, principalmente no Tribunal de Justiça de São Paulo, confirmando variadas decisões de primeiro grau10 favoráveis ao questionamento do expropriando sobre equívocos evidentes lançados na base de cálculos, adotada no laudo prévio.

 Andou bem a C. 4ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, ao confirmar a decisão judicial de primeiro grau, que determinou ao jurisperito prestar esclarecimentos sobre suposto equívoco na base de cálculo adotada no laudo provisório e suspendeu a imissão provisória na posse pelo Poder Público. O v. acórdão deixou consignado que o depósito inicial deve espelhar, com fidelidade, o preço do mercado do bem, sob pena de aviltamento do princípio constitucional (art. 5º, XXIV, da CF).11

Também andou bem a C. 6ª Câmara de Direito Público do TJ/SP, que manteve a decisão de primeiro grau indeferindo a imissão provisória do Poder Público, a fim de esclarecer a dúvida quanto ao real valor do imóvel expropriado, em decorrência de erro material na avaliação prévia realizada pelo jurisperito.12

Em outro recente processo de desapropriação13, o preço ofertado pelo expropriante foi de R$ 4.041.079,21. O perito judicial, em laudo prévio, avaliou o imóvel em R$ 6.926.264,85, porém violou importante Norma Técnica de Engenharia. O expropriado se manifestou e o valor da indenização em sede de laudo prévio foi corrigido para R$ 7.702.000,00.

Entendemos que o pagamento do valor constante no laudo prévio, à título de indenização antecipada pela perda da posse do imóvel, deve ser o mais justo possível, haja vista o esvaziamento de todos os poderes inerentes a propriedade: uso, gozo, disposição e fruição, inseridos nos artigos 5º, inc. XXIV e 182 § 3º, da Constituição Federal.

Em linha com a Carta Maior, o art. 8º do atual CPC estabelece que: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” Tendo em vista que o direito de propriedade é consagrado como cláusula pétrea na CF, a indenização pela desapropriação deve ser justa, prévia e em dinheiro.   

Ao imitir o Poder Público expropriante na posse do imóvel sem, contudo, estar garantida a justa e prévia indenização em dinheiro, evidencia-se o risco de lesão ao direito constitucional e legal do proprietário.

É evidente que o laudo prévio, é passível de discussão tendente à correção do valor para que se aproxime o máximo da justa e prévia indenização (art. 5º, XXIV, CF).14 Sobretudo, quando existe erro material ou há violação às Normas Técnicas de Engenharia. Também em hipóteses excepcionais, por exemplo, cometimento de erros grosseiros pelo jurisperito

Ademais, é importante observar os limites à matéria técnica objeto de impugnação. Não se defende aqui o amplo e irrestrito contraditório sobre o laudo prévio, a ensejar longos debates com reflexos danosos ao interesse público, impossibilitando o início da obra que atenderá ao fim social. Porém, da mesma forma, pretende-se alcançar o equilíbrio das forças e depositar o pagamento mais próximo do justo da indenização, àquele que perde a posse de seu imóvel por força do poder de império, exercido pelo Estado na desapropriação. 

CONCLUSÃO

Assim, entendemos ser inconsistente afirmar que a avaliação prévia se presta apenas a fornecer elementos para o julgador decidir acerca do pedido de imissão provisória, devendo eventual questionamento ser apreciado por ocasião da elaboração do laudo definitivo. 

Uma das hipóteses de cabimento de impugnação ao laudo judicial é a constatação de erro material ou a não observância às Normas Técnicas de Avaliação (ABNT, CAJUFA ou IBAPE). O objetivo da impugnação ao laudo prévio é que o Poder Público pague tão somente o justo na ação de desapropriação e o proprietário seja ressarcido apenas no que lhe couber. Nada a mais nem a menos.  

O laudo prévio, ainda que revestido de natureza cautelar, trata-se de um laudo judicial. Deve aquilatar com absoluta tecnicidade o real valor da propriedade expropriada ao tempo do desapossamento. Jamais ser elaborado sem elementos comparativos e com base em mera estimativa.

É inadmissível a perda da posse – cujos efeitos se identificam à perda da propriedade –, com base em avaliação “estimada”. Isso é o mesmo que não avaliar. A ausência de avaliação prévia configura violação a Súmula 30 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que determina: “Cabível sempre avaliação judicial prévia para imissão na posse nas desapropriações.”

Os erros no laudo prévio vitimam o proprietário do imóvel e toda sociedade, que arcará com o pagamento de elevados juros compensatórios incidentes sobre a diferença do valor não pago initio litis, cujo termo inicial é a perda da posse e o termo final o ingresso do precatório perante o Tribunal de Justiça competente, elevando assim, a dívida do Ente Público.

Dada a importância do laudo prévio no atendimento do preceito constitucional da justa e prévia indenização em dinheiro, devem ser deferidas as considerações preliminares ou impugnação ao laudo prévio, em casos específicos. Por exemplo, a constatação de erro material ou a não observância às Normas Técnicas de avaliação (ABNT, CAJUFA ou IBAPE). Nestas relevantes hipóteses, a manifestação ou impugnação ao laudo prévio deve ser deferida, cabendo ao magistrado determinar o esclarecimento do jurisperito, possibilitando-lhe a retratação e retificação. Isso resultará no recebimento de uma indenização mais justa, por parte do expropriado e pelo pagamento devido, por parte do Poder Público.

______________

1 CPC, art. 319, inciso V.

2 CPC, art. 320.

3 SALLES, Jose Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 252.

4 NAKAMURA, André Luiz dos Santos. Desapropriação: comentários ao Decreto-Lei nº 3.365/41. São Paulo: Fórum, 2021, p. 98.

5 Súmula 30: Cabível sempre avaliação judicial prévia para imissão na posse nas desapropriações.

6 Art. 5º, inc. XXIV, CF: XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

7 TJ/SP, 2ª C. Direito Público. Agravo de Instrumento nº 2143411-67.2023.8.26.0000.

8 TJ/SP, 3ª C Direito Público. Agravo de instrumento nº 208299291.2017.8.26.0000.

9 Processo nº 1022422-31.2016.8.26.0053, 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital.

10 Proc. nº 1045633-86.2022.8.26.0053, 9ª Vara da Fazenda Pública da Capital, fl. 438.

11 4ª Câmara Direito Público TJSP – agravo de instrumento nº 2270916-22.2015.8.26.0000.

12 6ª Câmara Direito Público TJSP – agravo de instrumento nº 2012656-04.2013.8.26.0000.

13 Proc. nº 1079182-24.2021.8.26.0053, 9ª Vara da Fazenda Pública da Capital.

14 Art. 5º, XXIV, da CF: a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

______________

CAJUFA – Normas Técnicas

CUNHA, LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA. Processo Imobiliário: questões atuais e polêmicas sobre os principais procedimentos judiciais e extrajudiciais referentes a bens imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

FERNANDES DE SOUZA, LUIZ SERGIO e FRANZIN PAULO, MARCELO. Notas sobre a Desapropriação de Imóveis. São Paulo: IPAM – Instituto Paulista dos Magistrados, 2015.

GARCIA, José Ailton. Desapropriação: Decreto-Lei 3.365/1941 e Lei 4.132/1962. 2.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 12.ed. São Paulo: Editora D’Plácido, 2023.

NAKAMURA, André Luiz dos Santos. Desapropriação: comentários ao Decreto-Lei nº 3.365/41. São Paulo: Fórum, 2021.     

Flávio Yunes Elias Fraiha
Advogado, Presidente da Comissão de Estudos de Desapropriação do IASP. Especialista em Direito Civil pelo Mackenzie e Processo Civil pela Escola Paulista da Magistratura. Palestrante no Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia - IBAPE e no Instituto de Engenharia - IE.

José Ailton Garcia
Advogado, Doutor em Direito Processual Civil, Professor Convidado na Pós-Graduação da PUC SP, do Mackenzie e da Escola Superior da Advocacia ESA OAB. Autor de diversas obras jurídicas.

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