Introdução
O presente artigo visa discutir a proteção do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro e nos tratados internacionais de direitos humanos. Para tanto, serão analisadas as disposições legais e princípios jurídicos aplicáveis, bem como a relação entre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 442, que busca a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação no STF, e a competência do Poder Legislativo.
O nascituro na Constituição Federal, na legislação infraconstitucional e nos tratados internacionais de direitos humanos
A Constituição Federal, ao estabelecer a proteção à inviolabilidade do direito à vida como o primeiro de todos os direitos fundamentais no caput do artigo 5º, demonstra sua preocupação em garantir a vida em todas as suas dimensões. Essa escolha reflete a importância atribuída à preservação da vida humana desde o seu início, na concepção, até o seu desenvolvimento no ventre materno.
Além disso, ao priorizar a proteção à vida, a Carta Magna também assegura a perspectiva de uma vida digna e plena de direitos após o nascimento, garantindo a continuidade da proteção e a promoção de outros direitos fundamentais. Dessa forma, a Constituição busca estabelecer uma base sólida para a proteção integral da vida, reconhecendo sua importância primordial para a existência e o exercício de todos os demais direitos.
Em outras palavras, pode-se dizer que sem a garantia da proteção do direito à vida, não há que se falar nos outros direitos fundamentais. A liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade restariam absolutamente desprovidos de sentido sem o fôlego da existência humana.
O nascituro, o ser humano concebido, mas ainda não nascido, de acordo com o Código Civil brasileiro é reconhecido como sujeito de direitos desde a concepção, ou seja, desde o momento em que é concebido e passa a existir como ser humano em formação. Tal proteção é respaldada por diversos dispositivos legais, como o artigo 2º do Código Civil, que estabelece que a personalidade civil começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
O Código Penal brasileiro, por sua vez, criminaliza o aborto, fundamentando-se na proteção da vida como o bem jurídico mais importante a ser tutelado (Arts. 124 – 127, do Código Penal). Assim, a vida humana é reconhecida como um direito fundamental, como dito, garantido pela Carta Magna, e sua preservação é um valor essencial para a sociedade.
A manutenção dessa norma ao longo dos anos reflete a posição brasileira em relação ao tema, demonstrando que a legislação vigente não foi revogada pelo parlamento, composto pelos representantes eleitos democraticamente pelo povo. A criminalização do aborto busca assegurar a proteção da vida desde a concepção, considerando-a um direito inviolável e inalienável. Essa postura reflete a importância atribuída à preservação da vida como um valor supremo, que deve ser resguardado pelo ordenamento jurídico interno.
Além disso, o Brasil é signatário de diversos tratados internacionais de direitos humanos que também asseguram a proteção do nascituro, como a Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH (Pacto de San José da Costa Rica), senão vejamos:
Artigo 4º - Direito à vida
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
Também podemos citar a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo país. Esses tratados estabelecem a obrigação de proteger a vida e garantir os direitos fundamentais do nascituro, uma futura criança.
No entanto, a ADPF 442, que busca a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, levanta questionamentos quanto à proteção do nascituro. Essa ação, proposta pelo PSOL e relatada pela recém aposentada e com voto favorável à matéria, ex-Ministra Rosa Weber, alega que a criminalização do aborto é inconstitucional e viola os direitos fundamentais da mulher.
ADPF 442 e o direito à vida do nascituro
A ADPF 442, ao pleitear a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, encontra resistência em relação à proteção do nascituro. A proposta ignora o direito à vida desde a concepção e coloca em risco a proteção dos direitos do nascituro estabelecidos tanto no ordenamento jurídico brasileiro quanto nos tratados internacionais de direitos humanos, conforme demonstrado acima.
O argumento principal da ADPF 442 é de que a criminalização do aborto viola os direitos fundamentais da mulher, como a autonomia reprodutiva e a dignidade humana. No entanto, é importante ressaltar que a proteção à vida do nascituro também é um direito fundamental, que deve ser considerado em qualquer discussão sobre o tema.
Neste sentido, é possível a conciliação dos direitos sexuais e reprodutivos da mãe que teve uma gravidez indesejada, fora das hipóteses não punidas pelo Código Penal (aborto necessário, se não há outro meio de salvar a vida da gestante e aborto no caso de gravidez resultante de estupro, cf. art. 128, do Código Penal), com o direito à vida do nascituro por meio de alternativas como a adoção.
Ora, o direito à vida do nascituro é um princípio fundamental, protegido pela Constituição Federal. No entanto, é importante considerar que a mulher também possui direitos sexuais e reprodutivos, incluindo o direito à autonomia do seu planejamento familiar. Nesse contexto, a adoção surge como uma solução que permite a preservação do direito à vida do nascituro, ao mesmo tempo em que respeita a vontade da mãe em não prosseguir com a criação daquela criança indesejada ou não planejada.
Ressalte-se que a adoção é um instituto jurídico que possibilita que uma pessoa ou casal assuma a responsabilidade e os cuidados com a criança, proporcionando-lhe um ambiente familiar adequado e garantindo seu desenvolvimento saudável. Dessa forma, a adoção se apresenta como uma alternativa que permite conciliar os direitos sexuais e reprodutivos da mãe com o direito à vida do nascituro, respeitando a autonomia e a dignidade de ambas as partes envolvidas.
Possibilidade de invasão de competências do poder legislativo e violação da separação de poderes
Ao tentar legalizar o aborto até a 12ª semana de gestação, o STF pode ser acusado de invadir a competência do Poder Legislativo e ferir o princípio da separação de poderes. A decisão sobre a legalização do aborto é uma questão que deve ser debatida e decidida pelo Congresso Nacional, órgão responsável pela criação das leis.
Necessário sempre recordar que cada um dos três poderes possui funções específicas e delimitadas constitucionalmente, visando a garantia do equilíbrio e da separação de poderes. Em apertada síntese, o Legislativo é responsável pela elaboração das leis, o Executivo pela execução das políticas públicas e o Judiciário pela aplicação e interpretação das leis. Essa divisão é fundamental para o funcionamento do Estado Democrático de Direito.
Em discussões dessa natureza é preciso cautela para que o controle judicial não se converta em substituição da vontade dos legisladores (representantes eleitos pelo povo), sob pena de comprometer o equilíbrio democrático.
Portanto, a atuação do STF nesse sentido pode ser considerada uma extrapolação de suas atribuições constitucionais, uma vez que a discussão sobre a descriminalização do aborto é uma questão de natureza legislativa. O Poder Judiciário deve respeitar a divisão de competências insculpida pelo artigo 2º da lei Maior brasileira e não substituir o Poder Legislativo na formulação ou revogação das leis.
Considerações finais
A proteção do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro e nos tratados internacionais de direitos humanos é uma questão de extrema importância. É fato que a definição sobre o início da vida e a proteção dos direitos do nascituro envolve valores éticos, morais e religiosos, além de princípios jurídicos fundamentais, razão pela qual o legislador, até hoje, decidiu manter a proteção do direito à vida do nascituro no direito brasileiro.
A ADPF 442, ao pleitear a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, apresenta questionamentos sobre a proteção do nascituro e a invasão de competência do Poder Legislativo. Para tanto, é necessário um amplo debate sobre o tema, considerando os direitos fundamentais da mulher e do nascituro, bem como o respeito à separação de poderes e às competências constitucionais.
Portanto, é fundamental que o Congresso Nacional, como representante legítimo da sociedade, seja responsável por discutir e deliberar sobre a questão do aborto, levando em consideração os diversos aspectos envolvidos e garantindo a proteção dos direitos do nascituro de acordo com o ordenamento jurídico e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.