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Aperfeiçoar o STF é qualificar a democracia brasileira

O diálogo sobre a estrutura e atribuições do STF deve ser um tema de interesse para toda a sociedade, com profundidade, transparência e sem casuísmos, em especial da comunidade jurídica e política.

6/10/2023

Recentemente, dois pontos cruciais relacionados ao Poder Judiciário entraram em debate: a PEC 55/23, assinada por 148 Deputados Federais, na sua maioria identificados com partido de centro e direita, que visa conferir ao Congresso Nacional a prerrogativa de se manifestar em matérias já analisadas pelo STF; e a ideia de introduzir mandatos para os Ministros do STF, proposta pelo atual Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Esses temas suscitam questionamentos importantes sobre a separação de poderes e o papel do Judiciário no sistema político brasileiro.

O debate sobre supremacia do Poder Judiciário atravessou séculos e foi objeto de análise de diversos estudiosos e juristas. Determinar quem deve ter a palavra final sobre a interpretação da Constituição sempre foi um desafio dentro da estrutura do Estado.

O modelo de Tribunal Constitucional que conhecemos, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988, teve origem no Ocidente no segundo pós-Guerra, com a finalidade precípua de garantir os Direitos Fundamentais das minorias, proteger a dignidade humana e prevenir ditaduras impostas pela maioria.

O sistema constitucional atual no Brasil foi fortemente influenciado pelos Estados Unidos e partes da Europa, resultando em uma espécie de sistema híbrido. Essa influência se reflete na indicação dos ministros do STF pelo Presidente da República, na posição do Supremo como órgão de última instância do Poder Judiciário e em toda estrutura de controle de constitucionalidade.

Em contraste, em 1982, o Canadá, que possui sua tradição jurídica inspirada na Inglaterra, introduziu o mecanismo do judicial review, com uma peculiaridade: a possibilidade do Parlamento rever decisões do Poder Judiciário, conhecida como cláusula notwithstanding. Embora haja diferenças notáveis em termos econômicos, sociais e culturais, vale destacar que o sistema jurídico canadense se baseia em costumes, enquanto o brasileiro se apoia em procedimentos legislativos.

Aprimorar a relação entre o Poder Legislativo e o Judiciário é fundamental para o aperfeiçoamento da democracia. No entanto, é crucial evitar que isso seja usado como um subterfúgio para disputas políticas que ultrapassem o processo eleitoral. A segurança jurídica e a imparcialidade do Sistema de Justiça são bases estruturantes do regime Republicano e demandam monitoramento, zelo e respeito da sociedade.

A interpretação do texto constitucional não deve se tornar uma disputa entre os Poderes. A função típica do Poder Legislativo é inovar no ordenamento jurídico, enquanto a do Poder Judiciário é julgar, interpretar e garantir o cumprimento dos atos normativos. Portanto, a resposta do Poder Legislativo, diante de discordância em relação às decisões do Poder Judiciário, não deve ser a de rever tais decisões. Tentar assumir prerrogativas de outro Poder levaria a um caos institucional, com consequências desastrosas, já experimentada na história recentíssima do Brasil.

No que diz respeito ao mandato de ministro do STF, tem-se que Alemanha, Itália, Espanha, França e Portugal praticam a rotatividade dos membros da Corte Constitucional, diferentemente do Estados Unidos que o exercício é vitalício. No Brasil não há mandato e a aposentadoria é compulsória aos 75 anos.

Discutir a possibilidade de um ou outro modelo, entra no bojo de uma análise benéfica e compatível com o escopo de aprimorar o Sistema de Justiça.

O diálogo sobre a estrutura e atribuições do STF deve ser um tema de interesse para toda a sociedade, com profundidade, transparência e sem casuísmos, em especial da comunidade jurídica e política. Todos têm a responsabilidade de apresentar propostas que fortaleçam e valorizem o STF, deixando de lado medidas que busquem enfraquecê-lo ou descaracterizá-lo, relegando tais propostas ao esquecimento na história.

Vitor Marques
Advogado, mestre e doutorando em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Sócio do escritorio Caires, Marques e Mazzaro Advogados.

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