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As greves políticas contra as desestatizações

Diante da atualidade da matéria, é difícil prever os contornos políticos que o movimento terá e seus resultados.

5/10/2023

Em 3 de outubro de 2023 foi deflagrada greve pelos trabalhadores da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (“Sabesp”), da Companhia do Metropolitano de São Paulo (“Metrô”) e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (“CPTM”), que uniram-se em oposição às concessões de serviço público e privatizações que estão sendo avaliadas pelo governador do Estado de São Paulo, em greve com natureza política amplamente divulgada na mídia por representantes sindicais, o que inclusive deu origem à Ação Cautelar Inominada movida pela Companhia do Metropolitano de São Paulo, pleiteando manutenção de percentual dos níveis de operação e de pessoal durante a greve, por se tratarem de serviços essenciais1.

Não há controvérsias na afirmação que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a greve é um direito protegido pelo Estado Democrático de Direito, tratando-se de direito amplo assegurado aos trabalhadores e, conforme prevê o artigo 9º, caput, da Constituição Federal, a eles cabe decidir “sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. O parágrafo primeiro do artigo 9º trouxe, ainda, a incumbência de lei ordinária definir os serviços ou atividades essenciais, bem como dispor sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

No entanto, a controvérsia atual no que tange à legitimidade das greves gira em torno da locução “interesses” que os trabalhadores possam defender por meio do exercício do direito de greve.

Pois bem, em 28 de junho de 1989 foi promulgada a Lei nº 7.783 (“Lei de Greve”) que, atendendo ao comando constitucional, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, bem como “dá outras providências” – conforme expressamente redigido no caput da Lei de Greve.

Dentre as outras providências, o parágrafo único do art. 1º da Lei de Greve determina que “o direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei”. Em seguida, o art. 2º dispõe sobre o que considera ser o legítimo exercício do direito de greve, destacando a “suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”. Ainda, à inteligência do disposto no art. 3º, a paralização coletiva do trabalho é facultada em sendo frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral.

Por estar previsto em referido dispositivo de lei que o exercício do direito de greve pressupõe a suspensão dos serviços dirigida a empregador, as interpretações doutrinária e jurisprudencial majoritárias vão no sentido de que as greves legítimas são aquelas que tratam de reivindicações que possam ser atendidas pelo empregador, vinculada a matérias afetas à relação de trabalho.

Em contrapartida, os movimentos paredistas mobilizados com bases em decisões do Poder Público seriam categorizados como greves políticas, cujas reivindicações não estão abrangidas no espectro do que o empregador possa atender ou negociar. Por consequência, estas greves não seriam legítimas, na forma da Lei de Greve, sendo consideradas abusivas – o que poderia resultar em aplicação de multas e na não aplicação das garantias legais previstas aos empregados grevistas.

No contexto das greves deflagradas contra as desestatizações, como as mobilizadas pelos sindicatos paulistas, tem-se um cenário em que trabalhadores mobilizam-se contra o processo de alteração da natureza jurídica da empresa objeto da desestatização visando assegurar as garantias e procedimentos mantidos pela empresa quando sujeita à regulação da Administração Pública.

Neste cenário, apesar do legítimo interesse dos profissionais, a greve é mobilizada em torno de decisão do Poder Público, sujeita às regras de processo legislativo e administrativo aplicado e amparado por disposições constitucionais e infraconstitucionais. Assim, considerando que os pleitos não se vinculam a matérias direcionadas ao empregador e, portanto, negociáveis, estes movimentos podem ser considerados greves políticas e, portanto, abusivas. 

O posicionamento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho em relação à matéria coaduna com disposto acima, conforme decisão ilustrativa abaixo: 

EMBARGOS INFRINGENTES. ABUSIVIDADE DA GREVE. NATUREZA POLÍTICA DO MOVIMENTO PAREDISTA. NÃO PROVIDO. A partir da interpretação conferida aos artigos 2º e 3º da Lei nº 7.783/1989, extrai-se que a greve consiste no direito dos trabalhadores de suspenderem de forma coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, a prestação de serviços ao empregador, com o fim de forçar o atendimento de suas reivindicações, quando frustrada a negociação coletiva ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral. Trata-se de importante instrumento democrático destinado à resolução de conflitos, cuja titularidade é atribuída à coletividade de trabalhadores. É cediço que a greve possui finalidade profissional, por meio da qual os trabalhadores podem pressionar os empregadores, objetivando a obtenção de prestações de natureza trabalhista ou a manutenção de conquistas anteriores. No caso em análise, a greve deflagrada pelos sindicatos demandados teve por finalidade contestar a política de privatização do governo. Constata-se, por essa razão, que as reivindicações não eram direcionadas ao empregador, mas sim ao Poder Público, de modo que, a despeito de aquele ser diretamente prejudicado pela paralisação, não possui poderes para negociar com os trabalhadores, tampouco para atender às suas postulações. Desse modo, deve ser mantida a declaração de abusividade da greve, porquanto patente a sua natureza política. Embargos Infringentes de que se conhece e a que se nega provimento. (TST - EI-DCG: 10004186620185000000, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 17/02/2020, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 26/02/2020) 

Diante do exposto, no que tange aos movimentos contrários às privatizações das companhias paulistanas, entende-se que, levando-se em consideração o posicionamento da corte superior em matéria trabalhista e as atividades desenvolvidas pelas empresas públicas, há possibilidade de estes movimentos serem considerados abusivos sobretudo em se tratando de serviços essenciais.

Denota-se que o livre exercício se macula em direito de greve que fere de pleito a mobilização da população que necessita desses serviços.  

Trata-se, pois, de observação de vitanda importância, já que se posicionar para um convencimento ou outro dá a devida toada à conclusão acerca das reflexões ora trazidas à sirga.

Diante da atualidade da matéria, é difícil prever os contornos políticos que o movimento terá e seus resultados. No entanto, do ponto de vista jurídico-trabalhista, a regulação dos movimentos grevistas deve ser observada. Nos autos da Ação Cautelar, liminar foi concedidas à empresa requerente de forma determinar de porcentagem dos serviços no dia da greve, sob pena de multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em caso de descumprimento, sendo que a sua legitimidade será apreciada em julgamento do mérito.

É bem certo que o direito à greve é direito constitucionalmente assegurado, sendo instrumento legítimo para fins de pleitos trabalhistas, sujeito a contornos jurídicos que não mais o criminaliza, o que se distancia da legislação aplicável à época da ditadura militar. Entretanto, é de extrema importância que o desenho jurídico-institucional que rege o tema seja observado com o propósito de manutenção de serviços à população e promoção de interesse coletivo, sem prejuízo da possibilidade de que movimentos políticos de outras naturezas contra privatizações sejam mobilizados pelas vias adequadas, à luz da garantia constitucional de livre manifestação prevista no art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal. 

Restara evidenciado, no que diz respeito ao direito de greve, ser este um valor indissociável. Elementos imbricados de forma incindível.

___________

1 São considerados serviços ou atividades essenciais, na forma do art. 10 da Lei de Greve: (i) tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; (ii) assistência médica e hospitalar; (iii) distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; (iv) funerários; (v)  transporte coletivo; (vi) captação e tratamento de esgoto e lixo; (vii) telecomunicações; (viii) guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; (ix) processamento de dados ligados a serviços essenciais; (x) controle de tráfego aéreo e navegação aérea; (xi) compensação bancária; (xii) atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e a assistência social; (xiii) atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares; (xiv) atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração de equipes multiprofissionais e interdisciplinares; e (xv) atividades portuárias.  

Dayane Cavalcante Teixeira Cipriano
Advogada no CFR Advogados Associados. Mestranda e Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica/ PUC-SP. Palestrante. Professora Assistente na Graduação da PUC-SP.

Aline Marques Fidelis
Advogada no Tauil e Chequer Advogados Associados a Mayer Brown. Mestranda e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica/ PUC-SP. Palestrante. Professora Assistente na Graduação da PUC-SP.

Thiago Carvalho de Oliveira
Advogado da prática trabalhista do escritório Tauil e Chequer Advogados Associados a Mayer Brown, graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Luiz Otavio Emygdio Pereira Ranalli
Pós-graduando stricto sensu em Direito pela PUC-SP. Pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pela PUC-SP. Professor assistente de Lógica Jurídica e Hermenêutica. Advogado.

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