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Parcelamento do passivo tributário em uma recuperação judicial

Se o objetivo principal do processo de recuperação judicial é garantir a preservação da empresa; da função social e estímulo da atividade empresária, conforme estabelecido pelo artigo 47 da lei 11.101/05, deve-se propiciar à empresa recuperanda formas mais atrativas e flexíveis de liquidação dos débitos tributários.

6/10/2023

A Recuperação Judicial é instituto do Direito Empresarial (regida pelos termos da lei 11.101/05), o qual permite a readequação do passivo financeiro de determinada empresa que passa por período de crise, de modo a garantir a manutenção de sua atividade, e assim, evitar a decretação de sua falência.

Contudo, é importante mencionar que tal readequação pelo procedimento recuperacional não abrange 100% (cem por cento) do passivo da empresa. Isto porque, embora o artigo 49 da lei de Recuperação Judicial e Falências estabeleça que estão sujeitos “todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, tem-se algumas exceções, dentre as quais, os créditos oriundos de natureza tributária.

É sabido que a atividade empresarial implica uma série de obrigações, dentre elas a de recolher tributos ao Fisco. Com isso para que qualquer empresa exerça suas atividades, se faz necessário o pagamento de tributos diversos. As empresas que se socorrem do instituto da Recuperação Judicial, em geral possuem expressivo numerário em débitos com a Fazenda.

Neste sentido, de modo a viabilizar o efetivo soerguimento da empresa em Recuperação Judicial, a lei 10.522/02 trouxe o sistema que permite o parcelamento dos débitos para com a Fazenda Nacional.

Todavia, tais disposições – que levavam a ideia de serem eficazes aos interesses das Empresas em Recuperação Judicial – mostraram-se na prática, por vezes, inviáveis. Isto porque, o Ente detentor do débito tributário se limita, pelos termos da mencionada Lei, a tão somente oferecer o parcelamento do débito.

Por outro lado, tem-se que através de programas como o Programa de Regularização Fiscal - REFIS, as empresas (em Recuperação Judicial ou não) possuem condições muito mais atrativas do que aquelas estabelecidas pela Legislação falimentar, contando com parcelamento flexível e até deságio expressivo em multa e juros.

Desta forma, tendo por patente a defasagem do sistema de parcelamento tributário pelas vias legais da Legislação Falimentar, o Legislador, através da lei 13.043/14, alterou a redação da lei 10.522/02. Pela redação do Artigo 10-A da referida alteração, o parcelamento poderia ser realizado em até 84 (oitenta e quatro) parcelas, observando percentuais calculados de 0666% da 1ª à 12ª prestação; 1% da 13ª à 24ª e 1,333% da 25ª à 83ª, com a liquidação do saldo devedor na última parcela, abrangendo todo débito, inscrito ou não em Dívida Ativa.

Diante de tal alteração, o Legislador esperava uma diminuição no déficit fiscal, oriundos da adesão das empresas em Recuperação Judicial ao parcelamento nos termos acima expostos. Contudo, em que pese os esforços das empresas Recuperandas em regularizar sua dívida tributária, as condições oferecidas ainda não eram minimamente atrativas.

Mais do que isto, a lei de Recuperação Judicial e Falências (lei 11.101/05) condiciona as empresas devedoras a juntarem aos autos da ação recuperacional as Certidões Negativas de Débitos Tributários - CND, nos termos de seu artigo 57, para tão somente o Juízo conceder a Recuperação Judicial – o que, intrinsicamente obrigaria a devedora a aderir ao sistema de parcelamento “desvantajoso” oferecido pela Lei Falimentar-.

Para tanto, somente no ano de 2020, houve significativa alteração na lei que Regula a Recuperação Judicial e a Falência no Brasil. Notadamente em relação aos débitos tributários, a lei 14.112/20 – que passou a vigorar em janeiro de 2021 – promoveu mudanças na sistemática de resolução do passivo fiscal.

Dentre as alterações, observa-se que pelos termos da redação dada ao artigo 10-A, a empresa que obteve o deferimento do processamento de sua Recuperação Judicial, agora possuem a oportunidade de parcelamento de seu débito em até 120 parcelas, com cálculo de percentual perfazendo: 0,5% da 1ª a 12ª parcela; 0,6% da 13ª a 24ª; e a 25ª parcela em diante, percentual do saldo remanescente em até 96 prestações.

Com um “fôlego” de mais 36 meses para liquidação do débito, a alteração não se mostra tão vantajosa. Isto porque, em contrapartida, a Lei impõe condições ao parcelamento, como: o fornecimento à Receita Federal e à procuradora-Geral da Fazenda Nacional de todas as informações bancárias, inclusive aplicações, e eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros; a obrigação de amortizar o saldo devedor do parcelamento, com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período de vigência do plano de recuperação judicial, observado o limite máximo de 30% do produto da alienação; manter a regularidade fiscal e o pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS; o oferecimento de garantia idônea e suficiente, aceita pela Fazenda Nacional em juízo, ficando consignado que essa garantia não poderá ser incluída no plano de recuperação judicial, sendo permitida sua execução, inclusive por meio de expropriação, em caso de descumprimento do parcelamento; colocando em cheque processo de soerguimento da sociedade empresária, objetivo principal do processo de Recuperação Judicial.

Não obstante, tem-se ainda que a alteração trazida pela Lei permite agora que o Fisco - em caso de descumprimento por parte da empresa Recuperanda ao parcelamento aderido – realize o pedido de Falência, além de poder imediatamente executar os bens dados em garantia pela devedora.

Ora, ao passo em que a Legislação Falimentar exige da Recuperanda a apresentação de Certidões Negativas de Débitos Tributários para a concessão de sua Recuperação Judicial (artigo 57 da lei 11.101/05), deveria ela oferecer melhores condições às Recuperandas, para que estas cumpram o “acordo” objeto do parcelamento.

Deste modo, se o objetivo principal do processo de Recuperação Judicial é garantir a preservação da empresa; da função social e estímulo da atividade empresária, conforme estabelecido pelo artigo 47 da lei 11.101/05, deve-se propiciar à empresa Recuperanda formas mais atrativas e flexíveis de liquidação dos débitos tributários, para que não se comprometa o cumprimento do Plano de Recuperação Judicial, alcançando, assim, o tão almejado soerguimento pelas empresas.

Consigna-se, portanto, notório os avanços trazidos ao longo dos anos (desde a criação da Lei de Recuperação Judicial e Falências), porém, estes têm se mostrado vagarosos e aquém da realidade fática e das necessidades das empresas que atravessam este tortuoso caminho da Recuperação Judicial, sendo necessário que a Lei de Recuperação Judicial e Falências crie mecanismos que verdadeiramente possibilite a readequação de seu passivo (incluindo o tributário) de acordo com a realidade das recuperandas.

Lucas Vinicius de Souza Pereira
Advogado na DASA Advogados.

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