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A adesão do Brasil ao tratado de Budapeste e o envolvimento da rede brasileira de centros de recursos biológicos

A iminente assinatura do Tratado beneficia portanto o desenvolvimento e inovação na área de biotecnologia ao permitir redução de custos e simplificação de procedimentos para usuários do sistema de patentes no Brasil.

5/10/2023

O Brasil está a um passo de se tornar signatário do Tratado de Budapeste, o que pode representar um avanço para o país, que busca se posicionar como estratégico no segmento da sócio-bioeconomia.

O presente ensaio aponta o processo de aprovação do Tratado, a sua importância e, notadamente o envolvimento da Rede Brasileira de Centros de Recursos Biológicos.

Uma das condições para a concessão de uma patente é a descrição completa do invento no relatório descritivo do pedido, de forma a possibilitar que um técnico no assunto seja capaz de reproduzir a invenção.

No caso das invenções biotecnológicas, o material biológico que seja essencial para a invenção deverá ser depósitado em uma autoridade depositária internacional (IDA, da sigla em inglês International Depositary Authority) sendo este material entendido como uma suplementação informacional necessária ao relatório descritivo do pedido de patente (Art. 24 § 1º da LPI 9.279/96). Estas instituições devem assegurar a recepção e a conservação dos microrganismos e a remessa de amostras.

O Tratado de Budapeste, criado em 1977 no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI, estabelece o reconhecimento do depósito de micro-organismos para fins de patente em qualquer IDA, sendo estas localizadas apenas em países signatários do tratado. Encontra-se em vigor desde 1977 e conta atualmente com 89 países signatários1.

Composto por 20 artigos, o Tratado de Budapeste traz as regras para o depósito de microrganismos para fins de pedido e de concessão de uma patente, em que todos os países signatários são obrigados a reconhecer os microrganismos depositados como parte do procedimento de obtenção de patente.

Um único depósito em uma IDA é válido para todos países signatários do Tratado, independentemente desta IDA estar localizada dentro ou fora do território onde o pedido de patente esteja sendo protocolado. O Tratado também define as características dessas instituições (IDAs) e os critérios para a aquisição deste status junto à OMPI, além de garantir o acesso ao material biológico depositado junto às IDAs por quaisquer partes interessadas uma vez findado o período de sigilo do pedido de patente2.

Uma vez que o Brasil ainda não é signatário do Tratado, o inventor brasileiro que precisa depositar material biológico relacionado à um pedido de patente, necessita enviar este material para uma das IDAs reconhecidas no exterior, arcando tanto com os custos do depósito e manutenção do material na IDA, quanto do transporte e o trâmite burocrático para envio para fora do Brasil.

A compreensão sobre a necessidade do Brasil ter IDAs reconhecidas é antiga. Essa discussão foi iniciada em 1997, quando foi constituído, no INPI, um grupo de trabalho para discutir as ações para o credenciamento de instituições brasileiras para atuarem como centros depositários de material biológico para fins de patente. Em 2001 algumas instituições chegaram a pleitear o cadastramento, mas entendeu-se à época que a atividade de depósito de material biológico para fins de patente seria melhor atendida através da criação de um centro depositário, vinculado ao INPI, órgão responsável pela concessão de patentes.

Na mesma época, essa discussão foi levada para o âmbito do projeto para o estabelecimento da Rede Brasileira de Centros de Recursos Biológicos - Rede CRB-Br, da qual o INPI participava junto com a Fiocruz, Embrapa, Unicamp, Banco de Células do Rio de Janeiro - BCRJ, Inmetro, Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA), Sociedade Brasileira de Microbiologia - SBM e TecPar (que posteriormente foi substituído pela Bioqualis), com o apoio do MCTI. Neste contexto, surgiu o projeto de construção do Centro Brasileiro de Material Biológico (CBMB), que tinha como um dos objetivos receber material biológico para fins de patente, e que teve sua construção iniciada através de uma parceria entre o INPI e o Inmetro, no campus do Inmetro em Xerém.

Em paralelo, em 2007, a Política Nacional para o Desenvolvimento da Biotecnologia - PDB, instituída pelo decreto 6.041, propunha como algumas das suas ações a estruturação de Centros de Recursos Biológicos - CRBs, operando como coleções de culturas prestadoras de serviço, que atendam integralmente aos requisitos nacionais e internacionais de segurança e rastreabilidade e que sejam acreditados como autoridades certificadoras de material biológico; a implantação de um Centro Depositário de material biológico para fins de patente; e a criação de sistema de avaliação e de estrutura interministerial capaz de articular e gerenciar a conformidade de material biológico com a adoção de padrões internacionais, que viabilizem o fortalecimento e a melhoria de capacitação dos CRBs para atuação em rede integrada nacional. Sendo assim, a PDB reforçava a importância do estabelecimento do CBMB e da Rede Brasileira de CRBs.

Em 2009 foi iniciada a elaboração do projeto para a construção do CBMB, que seria projetado de modo a atender a todos os requisitos que o habilitassem a ser credenciado como IDA. Entretanto, em razão de questões técnicas e administrativas, o projeto foi descontinuado no final de 2014.

Apesar disso, em 2016, a portaria 130 do MCTI que institui e regulamenta a Rede Brasileira de Centros de Recursos Biológicos - Rede CRB-Br no âmbito do MCTI, define no Art. 2º, inciso V, como um dos objetivos da Rede CRB-Br, prestar serviços de depósito de material biológico para proteção da propriedade intelectual.

Dessa forma, considerando a relevância e a urgência para o País de uma estrutura para o depósito de material biológico para fins de patente, surgiu a necessidade de redefinição de uma proposta para o atendimento às Diretrizes da Política de Desenvolvimento da Biotecnologia instituídas pelo decreto 6.041 de 2007 e pela portaria 130 de 2016, do MCTI3. Essa redefinição considerou uma mudança de entendimento quanto à necessidade do centro depositário ser vinculado ao INPI, haja vista à constatação de que as coleções de culturas nos Estados Unidos e Europa que atuam como IDA não são vinculadas aos respectivos escritórios de patentes.

No entanto, é importante frisar que a atividade de depósito de material patentário deve permanecer dissociada das demais atividades da coleção de cultura, garantindo a imparcialidade do processo de depósito.

Assim, restabeleceu-se o cenário para que instituições nacionais, como a Fiocruz, Embrapa, Unicamp, BCRJ, entre outras igualmente qualificadas, possam solicitar, via Ministério das Relações Exteriores (MRE), o credenciamento junto a OMPI para atuarem como IDAs. No entanto, esse credenciamento depende da adesão do Brasil ao Tratado de Budapeste.

Atualmente o INPI aceita o depósito de material biológico para fins de patente apenas nas IDAs, de modo que, a adesão do Brasil ao Tratado, além de não acarretar em nenhuma alteração de procedimentos já adotados pelo INPI trará benefícios para diferentes grupos como os depositantes de patentes brasileiros, que poderão depositar material biológico em uma IDA localizada em território nacional, quando esta for reconhecida pela OMPI (com diminuição de custos e burocracia); as instituições nacionais qualificadas, que poderão ser reconhecidas como IDA e poderão obter novas fontes de receita com o depósito de material biológico, não só depósitos de material biológico de nacionais, mas também de outros países, principalmente países da América Latina, que dispõe de apenas uma IDA, de pequeno porte, no Chile; e a comunidade científica, empresas do setor de biotecnologia e a sociedade brasileira em geral, uma vez que o material depositado nas IDAs torna-se público para fins de pesquisas científicas, desenvolvimento tecnológico e inovação, e estarão mais prontamente acessíveis por estar em territorio nacional.

Esta ação está alinhada ainda com os esforços para a estruturação da Rede Brasileira de Centros de Recursos Biológicos, atualmente chamados de Biobancos (de acordo com a definição na ISO 20.387:18 que traz requisitos gerais para atividades de biobancos), a qual tem como um de seus objetivos o estabelecimento de instituições depositárias de material biológico no Brasil para fins de proteção à propriedade intelectual.

Nos últimos anos, foi demonstrado, portanto, que a não participação do Brasil no Tratado de Budapeste culmina no encarecimento e maior dificuldade no processo de reivindicação de proteção patentaria de inventores e depositantes os quais desejem protocolar em múltiplos países um pedido de invenção cuja existência de um microrganismo como elemento inovador tecnológico encontre-se presente.

Assim, uma vez elencados apenas argumentos favoráveis à adesão do Brasil ao Tratado de Budapeste, entendeu-se como oportuno o momento de considerar a existência de IDAs em território brasileiro como instrumentos de segurança jurídica e facilitação logística a inventores e depositantes.

Diante deste cenário, por intermédio de uma solicitação feita pelo Poder Executivo, foi elaborado e submetido para apreciação dos membros do Congresso Nacional nos termos do disposto no art. 49, inciso I, combinado com o art. 84, inciso VIII da Constituição Federal, o Projeto de decreto Legislativo 466/22, cuja proposta reside na análise da pertinência de adesão do país ao Tratado de Budapeste. O referido PDL 466/22 encontra-se neste momento pendente de tramitação em apenas uma comissão permanente da Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania - CCJC, sendo a matéria ainda sujeita a apreciação no plenário da casa4.

Conclusão

A iminente assinatura do Tratado beneficia portanto o desenvolvimento e inovação na área de biotecnologia ao permitir redução de custos e simplificação de procedimentos para usuários do sistema de patentes no Brasil, bem como o fortalecimento dos Biobancos microbianos e de culturas de células que venham a ser credenciados como IDA e organizados em uma nova rede brasileira, que poderão passar a prestar mais um importante serviço, o depósito de materiais biológicos relacionados a pedidos de patentes.

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1 https://www.wipo.int/budapest/en/

2 Após passado o período de sigilo o material biológico pode ser acessado para fins de pesquisa, e, uma vez finda a vigência da patente, o material biológico passa a estar em “domínio público”, podendo ser acessado sem restrições de uso.

3 Revogada pela Portaria MCTIC nº 4.262, de 23.8.19.

4 https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2343485

Irene von der Weid
Chefe da Divisão de Estudos e Projetos, Diretoria de Patentes, INPI.

Manuela da Silva
Gerente Geral do Biobanco Covid-19 da Fiocruz, Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz.

Luiz Ricardo Marinello
Mestre em Direito pela PUC/SP; Professor na INSPER em Contratos de PI; Professor em Especialização de PI na ESA/SP; Coordenador de Comitê na ABPI; Diretor da ASPI; sócio de Marinello Advogados;

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