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A demarcação de terras indígenas no Brasil – Marco temporal ou indigenato

É incerto quais serão as consequências em relação aos direitos e demarcação de terras indígenas no Brasil, uma vez que o PL 490/2007 é apenas um dos muitos desafios enfrentados pelas comunidades indígenas no Brasil.

5/10/2023

O julgamento em andamento no Recurso Extraordinário - RE 1017365, com repercussão geral do STF sobre o prazo para a demarcação de terras indígenas e o projeto de lei PL 490/071, ressaltaram amplas discussões sobre os direitos indígenas no Brasil.

O projeto de lei PL 490/07, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, propõe um prazo para a ocupação de terras pelos povos indígenas, o que tem sido alvo de críticas opositoras ao projeto, pois segundo estas, o projeto viola diretamente o caráter originário dos direitos indígenas.

A Constituição Federal de 1988 e a lei 6.001/732 designam o Poder Executivo Federal como responsável pela demarcação de terras indígenas, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), mediante procedimento administrativo que envolve critérios técnicos e legais. Por sua vez, o PL 490/07, visa alterar tal competência, transferindo ao Poder Legislativo o poder decisório sobre as demarcações, impactando diretamente nos processos de demarcação de terras indígenas, além de alterar a política de isolamento dos seus povos.

Diante disso, a comunidade indígena, os ativistas e opositores esperam que o texto não seja aprovado pelo Senado, ou que, diante da decisão oposta proferida pelo STF sobre a questão, vislumbre-se uma saída para garantia dos direitos dos povos indígenas, pois, uma eventual decisão em desfavor do marco temporal, desempenharia um papel importante na determinação do futuro dos direitos indígenas no país.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 E O MARCO TEMPORAL DEMARCATÓRIO DAS TERRAS INDÍGENAS

A Constituição Federal Brasileira de 1988 dispõe sobre a demarcação de terras indígenas como um direito dos povos indígenas:

Artigo 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

A demarcação de terras indígenas no Brasil tem sido uma questão controversa há muitos anos. Veja-se que, a contrassenso do PL 490/07, a Constituição Federal em seu artigo 231, reconhece o direito dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, o que é conhecido como tese do Indigenato.

(...) o direito territorial atribuído ao indigenato tem como fundamento o fato de os índios serem os primeiros habitantes e naturais senhores da terra; estabelecendo-se a primazia desse direito sobre qualquer outro. Assim, o título do indigenato (posse indígena) prevalece sobre todos os outros títulos, porquanto se trata de direito originário. Nesse sentido, reunidos os elementos que o caracterizem (ocupação tradicional indígena), declaram-se extintos e nulos eventuais direitos de terceiros, não importando a data da ocupação indígena, “porque na concessão destas [terras] se reserva sempre o prejuízo de terceiro”. Trata-se de um direito perpétuo, garantido aos indígenas para a sua continuidade como povos com relações identitárias pré-colombianas3.

O Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do julgamento do RE 10173654, buscou interpretar a Constituição, no sentido de definir que as terras indígenas devem ser demarcadas com base na sua ocupação e uso tradicional, independentemente da data da ocupação, de forma a consolidar a tese do Indigenato, ao menos por ora, dado o impasse entre Senado e STF.

Nesse sentido, vale destacar que uma das teses que se contrapõe a tese do Indigenato é a do marco temporal, pois a primeira afirma que os povos indígenas têm direito às terras que ocupam desde antes da criação do Estado brasileiro. A tese do marco temporal, por outro lado, afirma que os povos indígenas só têm direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal5.

Segundo a tese do Marco Temporal, ao estabelecer o prazo de cinco anos para a demarcação de terras indígenas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, o constituinte originário sinalizou sua intenção de estabelecer um prazo preciso para a delimitação do espaço físico. Este seria um marco temporal para definição dos espaços físicos que ficariam sob exclusivo usufruto indígena.

Portanto, segundo a tese do Marco Temporal, se houvesse a possibilidade de estabelecimento de novas posses além das existentes na promulgação da Constituição, não faria sentido fixar prazo para a demarcação dessas terras, pois a possibilidade estaria sempre em aberto.1

Nesse sentido, o projeto de lei PL 490/07, propõe a tese de enquadramento temporal, que sugere que apenas as terras ocupadas pelos povos indígenas até a data da promulgação da Constituição sejam demarcadas, interpretação essa que encontra oposição de comunidades indígenas e ativistas.

Se aprovado, o projeto de lei restringiria a demarcação de terras indígenas, mitigando os direitos das comunidades indígenas, diante disso, a argumentação destas e dos ativistas opositores ao projeto de lei PL 490/07 é de que o projeto de lei é inconstitucional e violaria os direitos indígenas, levando a mais perda de terras e violência contra eles. Assim, com a aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados foram intensificadas tais preocupações.

ANÁLISE DO PROJETO DE LEI PL 490/07

O projeto de lei PL 490/07 traz grandes impactos ao processo de demarcação de terras indígenas no Brasil, pois se aprovado, passa-se a haver uma restrição temporal à demarcação de suas terras, apenas àquelas que eram tradicionalmente ocupadas por essas comunidades até 5 de outubro de 1988.

A alteração excluiria quaisquer terras que fossem adquiridas ou ocupadas após a referida data, limitando efetivamente o âmbito da propriedade e dos direitos das terras indígenas, o que tem sido tema de debate no Congresso brasileiro. O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em junho de 2023, e por ora, aguarda análise do Senado.

O projeto de lei tem enfrentado críticas das comunidades indígenas e ativistas que argumentam que a nova legislação teria um impacto negativo sobre os direitos indígenas e a propriedade da terra.

Argumentam os opositores ao projeto, que fixar um prazo para a demarcação de terras indígenas viola diretamente o caráter original dos seus direitos territoriais, os quais se baseiam em seus vínculos históricos e culturais com a terra, e não em datas específicas.

Além disso, muitos grupos indígenas também expressaram preocupações de que o projeto de lei permitiria que grupos não indígenas invadissem suas terras e explorassem seus recursos sem o seu consentimento.

Isso porque, o projeto define condições específicas para a pesquisa e lavra de recursos minerais, como ouro e minério de ferro, e de hidrocarbonetos, como petróleo e gás natural; e para o aproveitamento hídrico de rios para geração de energia elétrica nas reservas indígenas. 

Outro ponto, é que a legislação atual atribui ao Poder Executivo Federal a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas, todavia, o PL 490/07, busca modificar esse processo, dispondo que as atividades de mineração ou de exploração de recursos hídricos, quando autorizadas antes da demarcação, deverão ser analisadas pelo Congresso Nacional no prazo de quatro anos, ouvidas as comunidades indígenas afetadas6.

Diante disso, as comunidades indígenas, argumentam que a permissão da exploração dos recursos naturais em suas terras poderia levar consequências para o meio ambiente e para as comunidades que dele dependem7.

Noutro viés, a decisão pela inconstitucionalidade do marco temporal do STF sobre o prazo para a demarcação de terras indígenas contrasta fortemente com o projeto de lei PL 490/07.

Tais posições conflitantes têm o potencial de criar controvérsias jurídicas e sociais de grande repercussão quanto à temática da demarcação das terras indígenas. A argumentação dos opositores ao projeto de lei é no sentido de que o marco temporal contradiz o artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece o direito das comunidades indígenas às suas terras ancestrais, independentemente de quando foram colonizadas pela primeira vez.

Esperam os ativistas que a decisão do Supremo que reconheceu a importância da proteção das terras indígenas e dos direitos de suas comunidades, possa ajudar a prevenir mais deslocamentos e violência contra os povos indígenas no Brasil.

Fato notório é que a legislação atual atribui ao Poder Executivo Federal a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas, enquanto o projeto de lei proposto busca modificar esse processo, transferindo a competência para a demarcação para o Poder Legislativo.

Em suma, argumenta-se que caso o projeto se torne lei, este alteraria fundamentalmente o processo de demarcação e poderia potencialmente levar à perda de terras indígenas. Uma vez aprovado na Câmara dos Deputados, cabe agora ao Senado determinar o futuro das comunidades indígenas no Brasil.

Conclusivamente, o conflito entre o julgamento do STF sobre o prazo para a demarcação de terras indígenas em relação ao texto do PL 490/07, traz consigo grandes implicações sociais e econômicas para os direitos indígenas no Brasil, ao passo que, o projeto de lei, além de buscar modificar a legislação atual com relação ao marco temporal, tem também como objeto, transferir a competência pelo processamento da demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Poder Legislativo.

Olhando para o futuro, é incerto quais serão as consequências em relação aos direitos e demarcação de terras indígenas no Brasil, uma vez que o PL 490/07 é apenas um dos muitos desafios enfrentados pelas comunidades indígenas no Brasil.

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BRASIL. Câmara dos Deputados. PL 490/07. Autor: Deputado Homero Pereira. Brasília, DF, 2007.

2 BRASIL. lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 dez. 1973.

3 QUEIROZ, Paulo Eduardo Cirino de. A construção da Teoria do Indigenato: do Brasil colonial à Constituição republicana de 1988.

4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) 1017365. Relator: Ministro Edson Fachin, Brasília, DF, 2019.

5 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Marco Temporal: para ministro André Mendonça, Constituição previu demarcação conforme cenário de 1988. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=513167&ori=1. Acesso em: 11 set. 2023.

6 AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Projeto do governo viabiliza exploração de minérios em terras indígenas. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/634893-projeto-do-governo-viabiliza-exploracao-de-minerios-em-terras-indigenas/. Acesso em: 11 set. 2023.

7 UNESP. Aprovação do marco temporal prejudica tanto direitos dos povos indígenas quanto a proteção do meio ambiente no Brasil, diz pesquisador da Unesp. [online] disponível em: https://jornal.unesp.br/2023/06/01/aprovacao-do-marco-temporal-prejudica-tanto-direitos-dos-povos-indigenas-quanto-protecao-do-meio-ambiente-no-brasil/#:~:text=Reportagens-,Aprova%C3%A7%C3%A3o%20do%20marco%20temporal%20prejudica%20tanto%20direitos%20dos%20povos%20ind%C3%ADgenas,isolamento%20de%20grupos%20n%C3%A3o%20contatados. Acesso em: 5 set. 2023.

Debora de Castro da Rocha
Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

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