Migalhas de Peso

A utilização efetiva do microssistema de precedentes brasileiro

A possibilidade real da aplicação de teses vinculantes, contextualizando a problemática de adequação ao modelo brasileiro de demandas repetitivas.

3/10/2023

Diante da concreta e atual utilização de precedentes vinculantes nas demandas processuais brasileiras, faz-se necessária a argumentação comparativa, entre os institutos como o Incidente de Assunção de Competência - IAC e o Incidente de Resolução de demandas Repetitivas - IRDR, descritos no Novo Código de Processo Civil de 2015 - NCPC. Nesse viés, é cediço que esta Lei Federal tentou priorizar a estabilidade associada a previsibilidade processual, evitando divergência interpretativa entre juízos vinculados a um mesmo tribunal, diante da massificação de processos repetitivos. Todavia, para muitos juristas, ao invés da celeridade pretendida, vem ocorrendo suspensões prolongadas de agrupamentos processuais, com indefinições de julgamentos, tanto nas cortes inferiores como superiores – fato com coloca o IAC e IRDR em xeque.

Ou seja, após toda a problematização inicial contextualizada do IAC e IRDR, faz-se mister descrever cada instituto, abordando as peculiaridades descritas na doutrina e na jurisprudência, priorizando a concretude prática da tratativa. Inicialmente, o IAC, descrito no artigo 947º do NCPC, tem a intenção de deslocar a competência funcional do órgão fracionário para órgãos como STJ e STF, uma vez que tem o condão de vincular suas teses, submetendo magistrados e tribunais a eles submetidos. Explicando melhor, a tendência da melhor utilização do IAC é na prevenção de dissídios, quando há relevante questão de Direito em julgamento, repercussão social intrínseca e risco de resultados diferentes, em situações jurídicas análogas. Destarte, para se manter a segurança jurídica constitucional, podem ser suspensos os processos individuais e coletivos por um prazo especificado no NCPC de até 1 ano.

Outrossim, o IAC tenta conter casos que possam se tornar repetitivos ou gerar consequências graves erga omnes, evitando dispersões jurisprudenciais dentro do próprio tribunal. Assim, as prerrogativas descritas abrangem a fixação de tese com padrões de decisões vinculantes, em casos cujas demandas não podem ser repetitivas. Nessa toada, para exemplificar, no TJDF, houve o julgamento do IAC para o cabimento da prescrição intercorrente, em casos de não intimação do credor em demandas cíveis, além da tratativa do Mandado de Segurança para se questionar execuções fiscais. Por conseguinte, percebe-se que são questões sui generis, no campo do Direito, com repercussão social, que podem vir à tona como múltiplos processos, gerando prejuízo na divergência de julgamentos.

Nessa linha de pensamento, além da seara cível, pode-se descrever o IAC no âmbito do Direito do Trabalho, pois utiliza-se o NCPC de forma subsidiária, com o intuito de suprir lacunas legislativas não abrangidas pela CLT. Outrossim, é importante descrever que, no pretérito, havia o Incidente de Unificação de Jurisprudência - IUJ, embrião do IAC, todavia, foi revogado pela Reforma Trabalhista de 2017. Nesse prisma, faz-se importante mencionar o IAC 5.639, que trouxe a demanda da estabilidade provisória para gestantes em trabalho temporário - fato que permitiu a uniformização de jurisprudência, em um caso tão emblemático trabalhista. Desse modo, há concordância, no mundo acadêmico, da aplicabilidade efetiva tanto no contexto cível, quanto no trabalhista, conquanto, questiona-se a sua utilização nas instancias de 1º grau, devido a demanda de temporalidade e do prequestionamento dos incidentes processuais especiais.

Ademais, denota-se de grande importância a dissertação sobre o IRDR, descrito no artigo 976º ao 987º do NCPC, que deve ser utilizado em casos de efetiva repetição processual, com controvérsia de Direito e risco a ofensa a isonomia. Nessa perspectiva, a intenção do legislador foi reter a continuidade de ações semelhantes com priorização da segurança jurídica, diante de teses vinculantes. Porquanto, há vinculação da questão jurídica de todos os magistrados e turmas, no âmbito local e, excepcionalmente, no âmbito nacional, em casos de risco coletivo. Para complementar, tem-se como exemplo o IRDR aceito pelo TJ/SP que debatia a questão consumerista em casos de pirâmide financeira, com o intuito de responsabilização solidária dos envolvidos, ou seja, caso específico de litigiosidade em massa.

Após da descrição sobre os principais pontos referentes aos institutos da IAC e IRDR, deve-se demonstrar os pontos controversos relativos a real aplicabilidade concreta vanguardista. Em outras palavras, apesar da vinculação e uniformização de teses descritas nesse microssistema processual vinculante, percebe-se que os dados do CNJ remontam a morosidade das suspensões e seus prejuízos inerentes à união de processos repetitivos. Nesse contexto, de acordo com o artigo 1.035 º do NCPC, o IRDR deve ser julgado em até 1 ano, tendo preferência em relação as outras demandas, salvo a garantia do habeas corpus e do réu preso. Todavia, de acordo com os dados do CNJ de 2018, seguem suspensos no STJ, em sede de repercussão geral, 437.929 processos, dentre eles, IAC, IRDR, RE e RESP. Desse modo, apesar dos esforços de utilização do sistema de precedentes, questiona-se se o sistema jurídico brasileiro está preparado pela aplicação efetiva do common law anglo-saxão.

Ainda, tem-se a controvérsia referente a aplicabilidade ou não da coisa julgada, após a finalização do IAC e do IRDR. Para o jurista e professor Luiz Guilherme Marinoni, pode-se dizer que há coisa julgada, uma vez que a racio decidende vincula os magistrados e tribunais que se submetem aos órgãos colegiados. Todavia, para o professor e doutrinador Fredie Didier Junior, o assunto deve ser abordado em cada caso concreto, discriminando se ainda há capacidade de impetração recursal e a mudança de tese, diante de casos paradigmáticos.  Nessa linha, muito se tem discutido sobre a relativização da coisa julgada, pois, cada vez mais, a utilização recursal tem se expandido, em relação as vias e aos prazos recursais, não sendo diferente nos casos supracitados do IAC e IRDR. Desse modo, como são institutos recentemente implantados no Direito processual, ainda existem lacunas a serem preenchidas pelos regimentos internos de cada tribunal e suas possíveis jurisprudências complementares.

Para finalizar, é importante descrever que, devido à relevância do tema referente as teses vinculativas do NCPC, deverá haver a maior participação popular possível nas demandas, utilizando-se de contraditório substancial, audiências públicas, publicizando, ao máximo, o tema em xeque. Portanto, infere-se que é um assunto ainda em vias de estabilização, tratando de temas de repercussões gerais e divergências sadias entre os doutrinadores.

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DE MACEDO, Lucas Buril. Algumas considerações sobre o regime processual das demandas repetitivas. Revisa de Processo. Vol. 296.2019. p. 207- 233. Out. 2019. DTR. 2019. 40191.

DIDIER JR., Fredie e CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual.

FRANCO, Marcelo Veiga. A importância dos precedentes judiciais no tratamento qualitativo da litigiosidade repetitiva. Revista dos tribunais. Vol. 1014/2020. p. 307-334. Abril 2020. DTR/2020.371.

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Os Perfis do incidente de assunção de competência no CPC/2015. Revista dos tribunais. Vol. 297/2019. p. 213/231. Novembro de 2019. DTR/2019/41015.

JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 48ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016, vol.III, p. 913.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

PRITSCH, Cesar Zucatti. IRDR, IAC e Stare Decisis horizontal: sugestões regimentais para evitar a criação de jurisprudência conflitante. Revista eletrônica do Tribunal Regional da 4ª Região. Ano XIV, Número 214. Junho de 2018.

TALAMINI, Eduardo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): pressupostos. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/depeso/236580/incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas--irdr---pressupostos.

VIERIA. Gustavo Silveira. Stare Decisis: o precedente e sua fundamentação no novo CPC. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coluna-machado-meyer-stare-decisis-e-seguranca-juridica-o-precedente-judicial-e-sua-fundamentacao-no-novo-cpc-08042016.

Joseane de Menezes Condé
Pós Graduação em Direito Constitucional Damásio ,Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT

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