Muito tem se falado sobre ética e transparência nas empresas. Na arbitragem não é diferente: as partes, seus advogados e os árbitros devem atuar com ética e transparência.
Não se trata a ética de um tema recente, longe disso: a discussão sobre ética remonta à antiguidade, mais precisamente à Grécia Antiga, e é atribuída a um de seus maiores expoentes, Aristóteles (século IV a.C).
Dada a sua ancestralidade, poderíamos pensar que a ética fosse algo inato de qualquer pessoa, física ou jurídica. Pode-se pensar que se trata de um tema pífio, de pouca importância e até certa obviedade, mas não é. Nem na sociedade, nem na arbitragem.
Temos vivido uma crise ética e moral há décadas e nos últimos anos tem se intensificado a busca por práticas éticas e transparentes e o tema está em pauta contínua.
Não é apenas no ambiente corporativo que se espera sempre atuação e tratamento éticos. No convívio diário, na vida pessoal e nas relações em geral, de governantes e governados, também se busca e se exige (ou ao menos deveria exigir e, mais do que isso, praticar) atos de integridade.
Quanto à importância da ética e da transparência na arbitragem, trato aqui com destaque a aplicação de tais valores na conduta dos árbitros, refletida também no dever de revelação, a fim de evitar situações de conflito de interesse, que podem levar arguição de suspeição e imparcialidade e, portanto, recusa da nomeação do árbitro ou seu afastamento.
O dever de revelação nada mais é do que o dever do árbitro de indicar e/ou informar atos ou fatos que possam “denotar dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência” (lei 9.307/96, artigo 14, parágrafo 1º), não só antes da aceitação do múnus de árbitro, mas também durante todo o procedimento arbitral.
Ele vai além das causas de suspeição e impedimento previstas no CPC (artigos 144 a 148), e constitui, por si só, uma obrigação, que, se não cumprida de forma ética e transparente, pode levar, em última instância, à anulação da sentença arbitral (lei 9.307/96, artigo 32, inciso II).
Tanto é assim que a extensão do dever de revelação tem gerado muitas discussões, a exemplo do projeto de lei que pretende aprimorar o dever de revelação1 (PL 3293/21) e, também, da ação direta de inconstitucionalidade questionando a extensão de dever de revelação2.
A importância do dever de revelação é confirmada, ainda, com a recente aprovação pela CAM-CCBC (Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá), uma das maiores e mais utilizadas câmaras arbitrais no Brasil, no último dia 20/9/23, da Norma Complementar 04/23, que traz alterações ao questionário de conflitos de interesse e disponibilidade dirigido aos árbitros. A norma reitera que o novo questionário não altera o dever de o árbitro “revelar circunstâncias que denotem dúvida justificada acerca de sua independência e imparcialidade, antes e durante a arbitragem”, ou seja, reforça o dever de revelação anterior e durante o procedimento arbitral.
E não só: quem atua com arbitragem está também familiarizado com as IBA Guidelines on Conflict of Interest in International Arbitration, uma das principais diretrizes sobre o dever de revelação utilizada e aceita internacionalmente, embora não obrigatória, ao menos aqui no Brasil. Trata-se, portanto, de uma soft law, que traz um rol exemplificativo de circunstâncias concretas que podem ou não caracterizar conflito de interesse e que: (i) não merecem revelação (green flag), (ii) merecem revelação, pois podem gerar dúvida justificável acerca da imparcialidade do árbitro (orange flag); ou (iii) devem ser reveladas, pois geram dúvidas justificáveis quanto a` imparcialidade e independência do árbitro (red flag) e, portanto, podem levar à recusa da nomeação de um árbitro.
Bem se vê que a ética e a transparência norteiam também as arbitragens, a exemplo do dever de revelação, usado nestas rápidas considerações como exemplo da busca e do aprimoramento constantes das ferramentas para alcançar tais valores, tão imprescindíveis no convívio social.
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1 Não vamos aqui entrar no mérito, acertos e desacertos do PL.
2 Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1.050) ajuizada pela UB junto ao STF, questionando a extensão do dever de revelação, buscando que sejam estabelecidos critérios para melhor nortear o exercício desse dever, que foi distribuída para o ministro Alexandre de Moraes e recebida como Ação Direta de Inconstitucionalidade.