Migalhas de Peso

Elevação de custo de rivais como teoria do dano concorrencial em integrações verticais e conglomerais: o que analisar?

A elevação do custo de rivais é uma das hipóteses possíveis de fechamento de mercado, classificado na categoria de teorias do dano de efeitos não coordenados/unilaterais.

25/9/2023

Conforme mencionado nos cinco artigos anteriores,que trataram do conceito de integrações verticais e conglomerais, do seu fluxo de análise e das principais teorias do dano (já nos tendo aprofundado no fechamento de mercado de insumos e de clientes), passamos agora para o aprofundamento em uma das principais teorias do dano nesse tipo de operação: a elevação do custo de rivais.

A versão preliminar do chamado “Guia V+” do Cade consolida os melhores procedimentos e práticas usualmente adotados pela autarquia na análise de efeitos não horizontais em atos de concentração.2 Como se trata de uma análise voltada para relações verticais e conglomerais, as análises concentram-se no potencial lesivo à concorrência a jusante (ou seja, no elo seguinte da cadeia produtiva) e na cadeia a montante (ou seja, no elo anterior da cadeia produtiva).

A elevação do custo de rivais é uma das hipóteses possíveis de fechamento de mercado, classificado na categoria de teorias do dano de efeitos não coordenados/unilaterais.3 A análise dessa teoria do dano concentra-se na atuação dos demais fornecedores não integrados verticalmente que, em decorrência da operação, podem ter capacidade de elevar seu poder de mercado e, com isso, pressionar os custos dos competidores a jusante.

Steven Salop é um dos teóricos mais importantes para essa análise. Segundo o autor, algumas condutas empresariais poderiam ser mais bem explicadas pela elevação de custos de rivais, e não necessariamente por suas condutas de fechamento de mercado de insumos ou clientes. A firm can induce its rivals to exit the industry by raising their costs. Some non-price predatory conduct can best be understood as action that raises competitors’ costs”.4

Nesse sentido, com o objetivo de avaliar os riscos de a operação resultar em aumento de custos de rivais, o Guia V+ sinaliza que se deve considerar alguns pontos, tais como: número de empresas remanescentes nos mercados afetados pela operação; número de concorrentes verticalmente integrados nos mercados afetados (quanto maior o número, maior a probabilidade de que um entrante tenha que iniciar suas operações nos dois mercados verticalmente integrados ao mesmo tempo); homogeneidade dos produtos; rivalidade nos mercados afetados antes da operação e histórico dos preços dos concorrentes, entre outros. Para essa análise, devem ser percorridos os mesmos passos já conhecidos: (1) capacidade5, (2) incentivo6 e (3) efeitos7.

No caso do Ato de Concentração MWM e Tupy, entendeu-se que o “risco associado à integração vertical no presente caso refere-se ao fechamento de mercado a jusante (elo downstream). Ou seja, o risco ocorreria na situação de criação de dificuldades [...] ao acesso de concorrentes [...] a i) blocos e ii) cabeçotes de motores de ferro a diesel para aplicações médias, pesadas e off road ou aumentos dos custos de competidores para acessar esses insumos8.

Similarmente, no caso envolvendo Dow Chemicals e Dow Corning, a SG/Cade concluiu que era reduzida a probabilidade de elevação do custo dos rivais decorrente das relações verticais como resultado da operação envolvendo o segmento de produtos à base de silicone. Segundo seus termos, “a larga oferta do produto (ACESSO RESTRITO) em face da demanda mundial [...] afasta preocupação com estratégias de elevação do custo de rivais ou fechamento de mercado, tanto no sentido downstream como no sentido upstream.”. Isso, porque “ainda que [...] passe a comprar apenas da [empresa verticalmente integrada...], a demanda direcionada para esta seria irrelevante em termos de efeito ao mercado upstream e sem qualquer incentivo [...] no sentido de elevar custos dos rivais [...] no mercado downstream”.9

Nota-se, portanto, que apesar de ser mencionada como uma teoria do dano adicional, tende a ser vista como uma forma mais sutil da implementação de uma estratégia de fechamento. Tipicamente, estratégias de fechamento parcial podem acabar resultando em aumento de custos de rivais, de modo que, por vezes, nas análises antitruste, as teorias do dano acabam se sobrepondo. Essa lógica indireta de que o aumento de custos de rivais seria uma variável mais sutil da estratégia de fechamento de mercado fica evidente na análise do Ato de Concentração Mafra e Flexicotton. Segundo a SG/Cade, “quanto a esta possibilidade, esta SG entende não ser necessário maior aprofundamento na análise, haja vista que, como dito neste parecer, as atuações da Mafra e da Flexicotton no mercado de algodão são complementares, pois atendem a nichos diferentes de mercado. Ademais, como visto anteriormente, há rivalidade suficiente para mitigar uma eventual probabilidade de exercício unilateral de poder de mercado pela Mafra nos mercados de fabricação de algodão e hastes flexíveis pós-operação, havendo, ainda, a possibilidade de novas entradas e até mesmo o desvio da demanda para importações. Por fim, como as participações da Mafra nos três mercados downstream assinalados acima são relativamente reduzidas (sempre abaixo de 30%), não haveria sequer racionalidade econômica para uma eventual tentativa de aumento do custo dos rivais da Mafra naqueles mercados, muito menos fechamento de mercado, por conta da participação adquirida no mercado upstream de fabricação de algodão, em que as partes teriam participação ligeiramente superior a 30%. Tentativas nesse sentido levariam a perda de lucratividade da Mafra neste mercado de fornecimento de algodão, por todas as razões expostas neste parecer”.10

A mesma lógica apresentada sob a lente das integrações verticais aplica-se às integrações conglomerais. Ou seja, práticas como, celebração de acordos de reciprocidade entre concorrentes, venda casada, preço predatório e exercício de poder de portfólio costumam ser objeto de análise nestes casos.

Em resumo, pode-se apresentar o seguinte quadro consolidado com os principais elementos de análise quando do aprofundamento da teoria do dano de efeitos não coordenados/unilaterais de elevação de custo de rivais:

(Imagem: Fonte: elaboração própria.)

Nos próximos artigos, continuaremos avaliando cada uma das teorias do dano em integrações verticais e conglomerais.

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1 (1) ATHAYDE, Amanda. Fusões verticais e conglomerais: O que são e como isso pode impactar a atuação das empresas no Brasil? Portal Migalhas, 22.8.2023. Disponível em: . (2) ATHAYDE, Amanda. Fluxo de análise concorrencial de fusões verticais e conglomerais: o que muda? Portal Migalhas, 28.8.2023. Disponível em: . (3) ATHAYDE, Amanda. Teorias do dano concorrencial em integrações verticais e conglomerais: quais os riscos? Portal Migalhas, 4.9.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/392957/teorias-do-dano-concorrencial-em-integracoes-verticais-e-conglomerais. (4) Fechamento de mercado de insumos como teoria do dano concorrencial em integrações verticais e conglomerais: o que analisar? Portal Migalhas, 11.9.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/393212/fechamento-de-mercado-de-insumos-teorias. ATHAYDE, Amanda. (5) Fechamento de mercado de clientes como teoria do dano concorrencial em integrações verticais e conglomerais: o que analisar? Portal Migalhas, 18.9.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/393687/teoria-do-dano-concorrencial-em-integracoes-verticais-e-conglomerais

2 Contribuições podem ser apresentadas na plataforma Participa+ Brasil. Acesso em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/guia-v

3 Entre os (1) efeitos não coordenados/unilaterais estão aqueles que podem ser decorrentes da atuação de uma única empresa, individual e unilateralmente. Seria o caso de analisar se a empresa resultante da operação, com posição dominante, poderia implementar determinadas práticas comerciais que teriam o efeito de prejudicar o mercado. Recorda-se, como exemplo de práticas unilaterais, a exigência de exclusividade, a recusa de contratar, a discriminação, a criação de dificuldades à atividade de concorrentes, entre outros.

4 SALOP, Steven C., and David T. Scheffman. "Raising rivals' costs." The American economic review 73, no. 2 (1983): 267-271. Disponível em: https://www.ftc.gov/system/files/documents/reports/raising-rivals-costs/wp081.pdf  

5 Na análise de (1) capacidade, a pergunta que se faz é a seguinte: existe capacidade de implementação de estratégias anticoncorrenciais por parte da empresa integrada? Existe capacidade para isso?

6 Na análise de (2) incentivos, a pergunta que se faz é a seguinte: a integração gera alterações na estrutura de incentivos para a prática de estratégias anticoncorrenciais? Ainda que as requerentes possuam capacidade (vide tópico anterior), há geração de incentivos para implementação de tais estratégias?

7 Na análise de (3) efeitos, a pergunta que se faz é a seguinte: em caso de existência de capacidade e de incentivos, a implementação de tais práticas gera impactos efetivos à concorrência, com prejuízos aos consumidores finais? Há efeitos anticoncorrenciais? Assim, para todas as teorias do dano, sempre será seguido esse tripé de análise.

8 Ato de Concentração MWM e Tupy. 08700.005611/2022-82.

Ato de Concentração Dow Chemical e Dow Corning. 08700.000958/2016-91.

10 Ato de Concentração Mafra e Flexicotton. 08700.003018/2020-30.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2023. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

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