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A irrelevância da jurisprudência dominante dos Tribunais Estaduais para análise do juízo de admissibilidade ou de improvimento monocrático dos recursos

Judiciário e recursos: jurisprudência dominante dos Tribunais Estaduais não pode servir fundamento para análise de recursos. Após mudança no Código de Processo Civil, prática é ilegal e pode ser impugnada.

21/9/2023

Passados alguns anos da promulgação da lei 13.105/15, não é incomum a existência de decisões monocráticas que adotam a jurisprudência dominante dos respectivos Tribunais de Justiça como fundamento para a análise da admissibilidade ou de improvimento dos recursos. Ainda que o termo tenha sido suprimido pela lei processual vigente, alguns tribunais ainda adotam uma prática renitente de ver, na sua própria jurisprudência, critério de análise preliminar dos recursos pelo relator, o que repercute na ilegalidade destas decisões e de seus respectivos regimentos internos.

O art. 932 do CPC dá contornos muito precisos sobre as funções do relator na direção formal e material do processo submetido ao respectivo tribunal. A razão de ser de tal regra, entre outras, está em dar maior efetividade e celeridade nos julgamentos submetidos aos tribunais. Em hipóteses específicas previstas na norma processual, o relator se anteciparia ao próprio colegiado, “adiantando” eventual decisão deste órgão. Daí então que, no exercício de sua competência, poderá conhecer de recursos ou lhes negar ou dar provimento, na forma como prevê os incisos III a V do art. 932 do CPC. A finalidade é, também, a de antecipar o julgamento de recursos quando manifestamente incabíveis ou quando se está diante de decisões formalmente vinculantes.

No entanto, o exercício do juízo monocrático pelo relator está limitado às hipóteses previstas nos incisos do art. 932 do CPC: a de inadmissão do recurso - previsto no inciso III – alcança a própria prejudicialidade, pela falta de interesse recursal, e a regularidade formal do recurso. Nestes casos, o parágrafo único impõe a intimação do recorrente para sanar o vício, desde que se esteja diante de vício sanável (não é o caso da intempestividade do recurso, por exemplo). Na interpretação dada pelo STF, a sanabilidade somente seria possível em caso de vícios formais, mas não em casos de recursos prejudicados ou por ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão recorrida (STF, ARE 953.221, 1ª T., j. 07.06.2016, rel. min. Luiz Fux).

Já os casos de improvimento do recurso estão dispostos no inciso IV do art. 932 do CPC. O relator somente poderá negar provimento quando o recurso contrariar (a) súmula do STF, do STJ ou do próprio Tribunal; (b) acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos; ou (c) entendimento firmando em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. As hipóteses de improvimento monocrático do recurso, portanto, ocorrem apenas diante de decisões formalmente vinculantes, previstas no art. 927 do CPC.

E aqui está a questão central: a lei processual vigente não recepcionou a regra do art. 557 do CPC/73, que previa o confronto com a jurisprudência dominante do próprio tribunal como causa para a rejeição do recurso. Eis o texto da lei processual revogada:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 1998)

Passados mais de sete anos da vigência do atual CPC, alguns tribunais insistem em adotar a sua própria jurisprudência dominante – termo vago e impreciso - como critério para negar, monocraticamente, o seguimento ou o provimento dos recursos. Com exceção de grande parte dos tribunais brasileiros, o termo consta, inclusive, dos próprios regimentos internos dos Tribunais de Justiça, à exemplo do art. 132, inciso XV do RI do TJSC1 e do art. 138, inciso IV do RI do TJMS2.

Contudo, inexiste previsão - no inciso III e IV do art. 932 do CPC - de inadmissão ou improvimento monocrático de recurso com base em jurisprudência de Tribunal Estadual (dominante ou não). É irrelevante para o julgamento monocrático do recurso a existência de jurisprudência dominante do próprio tribunal sobre a matéria atacada pelo recurso. Isto porque o CPC/2015, nesta parte, não recepcionou o art. 557 do CPC/1973, que previa o confronto com jurisprudência dominante do respectivo tribunal como causa para a inadmissão, improcedência ou prejudicialidade do recurso.

A própria súmula 568 do STJ3, editada em 16/03/2016, antes da entrada em vigor do atual CPC, está superada neste sentido. É o caso, também, do art. 253, inciso II, alínea “b” do RI do STJ4 e do art. 206, inciso XXXVI, do RI do TJRS5.

Significa dizer que o confronto com jurisprudência dominante do tribunal não remanesce entre as hipóteses previstas para a negativa de provimento ou não admissão do recurso através de decisão monocrática. A hipótese anteriormente prevista no CPC/1973 foi derruída em prol das decisões formalmente vinculantes (art. 926 e art. 927 do CPC), quais sejam, as previstas no art. 932, inciso IV, do CPC: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

Daí então a conclusão inarredável pela ilegalidade das decisões monocráticas que deixam de admitir ou negam provimento aos recursos com base na jurisprudência dominante do próprio tribunal. De mesma forma, a previsão que persiste em seus respectivos regimentos internos é ilegal porque viola, expressamente, texto de norma federal infraconstitucional, que se sobrepõe à legislação dos tribunais.
_______________

1 Art. 132. São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual: [...] XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça.

2 Art. 138. O relator será o juiz preparador do feito até o julgamento, cabendo-lhe, além de determinar diligências, inclusive as instrutórias, necessárias ao julgamento dos recursos e das causas originárias: [...] IV - negar seguimento a recurso manifestamente improcedente, prejudicado, desprovido de dialeticidade ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

3 O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.

4 Art. 253. O agravo interposto de decisão que não admitiu o recurso especial obedecerá, no Tribunal de origem, às normas da legislação processual vigente. II - conhecer do agravo para: b) negar provimento ao recurso especial que for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante acerca do tema.

5 Art. 206. Compete ao Relator: [...] XXXVI – negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;

Daniel Fioreze
Advogado do núcleo cível no escritório Silva e Silva Advogados Associados. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria - RS (UFSM). Possui pós-graduação em Direito Tributário e Aduaneiro pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e em Direito Processual Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus (CEDJ). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - RS (FADISMA).

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