Nos últimos anos, no Brasil, a utilização da Cannabis Medicinal adquiriu grande destaque no âmbito da saúde ao ser aplicado no tratamento de diversas patologias, com o objetivo de melhorar o bem-estar dos pacientes.
Não obstante, a normatização da utilização dessa substância permanece como uma temática complexa que envolve diversos setores e, a saúde suplementar é um deles.
A regulamentação da utilização da Cannabis Medicinal depara-se também com obstáculos morais e estigmas ligados à planta da cannabis sativa, bem como à associação da substância com o consumo recreativo da maconha.
Contudo, independentemente das discussões sociais sobre o tema, estudos realizados demonstram a eficácia das combinações que incluem CBD e THC, as quais podem ser amplamente empregadas para aliviar sintomas associados a doenças como a esclerose múltipla.
No contexto brasileiro, o cultivo dessas plantas está sujeito a rigorosas restrições, e a importação de medicamentos com esse princípio ativo implica em custos elevados.
A primeira regulamentação acerca do acesso à medicação a base de Cannabis foi a RDC 17/15, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Essa resolução permitia a importação, em caráter excepcional, de produtos à base de "Canabidiol" por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição médica, marcando um avanço regulatório significativo no acesso à medicação.
Tal normativa foi posteriormente revogada pela RDC 660/22 da ANVISA, que definiu critérios e procedimentos para a importação de produtos derivados de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. Atualmente, 25 produtos à base de Cannabis são aprovados pela ANVISA.
A Resolução vigente permite que a importação do produto possa ser intermediada por entidade hospitalar, unidade governamental ligada à área da saúde e pelas operadoras de plano de saúde para o atendimento exclusivo e direcionado ao paciente previamente cadastrado na ANVISA.
Como o uso da maconha medicinal tem se mostrado como uma opção eficaz no tratamento de diversas patologias, observou-se um aumento no número de pacientes que buscam a via judicial para obter o fornecimento e custeio da medicação pelos seus respectivos planos de saúde.
Ocorre que, a determinação judicial desses pedidos encontra limite na lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, mais especificamente no art. 10, inciso VI.
No referido dispositivo encontra-se uma exclusão legal de obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos de uso domiciliar por parte das operadoras de saúde. Certo é que seria inviável que o plano de saúde privado fornecesse medicação de uso domiciliar, como analgésicos, antitérmicos, pomadas, suplementos vitamínicos, antibióticos, entre outras milhares de opções.
E, a medicação a base de Cannabis, além de todo contexto social e político, se apresenta, materialmente, como um medicamento de uso domiciliar.
Somente o fato de um produto ser regulamentado pela ANVISA ou ter sua importação aprovada não é suficiente para que os planos de saúde forneçam a medicação prescrita, afinal, estamos diante de um contrato de prestação de serviços médico-hospitalares, e não de fornecimento de insumos.
É importante lembrar que a relação estabelecida entre as partes em um contrato de plano de saúde é de caráter privado, regida tanto pelos termos do contrato, quanto pela legislação concernente, pela qual os planos se baseiam para buscar o preço justo de suas mensalidades.
Logo, não se nega a necessidade de avanços no debate e regulamentação legal do uso medicinal da maconha. Além disso, registra-se a importância do papel da ANVISA na busca à concretização do direito à saúde, visando garantir com segurança o acesso à medicação.
Portanto, embora seja indiscutível a necessidade de avanços no debate e na regulamentação legal do uso medicinal da Cannabis e o papel fundamental da ANVISA na garantia do acesso seguro à medicação, não se pode ignorar a legislação que rege os planos privados de saúde, que não impõe a responsabilidade de fornecimento de medicamentos de uso domiciliar, como é o caso dos produtos à base de Canabidiol.
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Brasil. ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 327, de 9 de dezembro de 2019. Brasília, 2019.
Brasil. ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 17, de 06 de maio de 2015. Brasília, 2015.
Brasil. ANVISA. Resolução RDC 660, de 30 de março de 2022. Brasília, 2022.
Brasil. lei 9.656, de 3 de junho de 1998. Brasília, 1998.
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