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A cessão de crédito judicial e a autonomia do trabalhador

Respeitar a autonomia do trabalhador é também cumprir um preceito constitucional, que consiste em respeitar, em última análise, a dignidade da pessoa humana.

20/9/2023

A JT certamente cumpre um importante papel na sociedade ao tutelar os direitos das pessoas que formam a base da economia e que possibilitam o crescimento do país, quais sejam, os trabalhadores. Ao receber e julgar as demandas dessa classe, o judiciário faz valer a lei e busca incutir mais equilíbrio nas relações entre empregadores e empregados.

Não obstante essa nobre missão, é preciso que o alcance dessa jurisdição seja sempre reavaliado pelos operadores do Direito, no sentido de evitar que haja excesso de zelo na proteção aos direitos dos trabalhadores, a ponto de retirar deles o poder de escolha em situações que poderiam agir com autonomia.

Nesse sentido, um ponto muito claro e amplamente debatido é a possibilidade de cessão de créditos trabalhistas. A polêmica que gira em torno do caráter alimentar do crédito e de sua origem, ou seja, o salário do trabalhador, deve ser superada de uma vez por todas. Isso porque a prática vem mostrando que a cessão é positiva ao trabalhador de diferentes formas, seja pela simples antecipação do crédito em processos que podem levar anos até a conclusão, seja pelo poder de barganha que ele adquire.

Não faz sentido impedir o trabalhador de negociar um crédito judicial oriundo de uma relação trabalhista já extinta, em um momento de eventual necessidade ou vontade, mas permitir que se realizem acordos com grandes descontos e empréstimos com taxas abusivas. Em vez de proteger, um impedimento ou mesmo travas na cessão de crédito tendem a gerar mais endividamento da população e quase que obriga o trabalhador a aceitar acordos que muitas vezes são ínfimos perto do valor da ação. 

No que tange à regulamentação, a própria OIT, em sua Convenção 95, estabelece, no artigo 10, que a legislação nacional do país interessado tem o poder de estabelecer modalidades e limites para procedimentos como a cessão de créditos decorrentes de relações de trabalho.

Assim, mais importante do que discutir se deve ou não ser permitida, é a regularização dos procedimentos, possibilitando ao trabalhador, que tem plena capacidade de escolher o melhor destino dos ganhos que obtém com seu suor, a opção pela cessão de créditos judiciais trabalhistas, seja em razão da demora na tramitação processual, seja por mera liberalidade, para gastar como melhor entender ou por necessidade. 

Em um país como o Brasil, que busca romper as barreiras da sufocante burocracia e que deu um passo a frente com a promulgação da lei da liberdade econômica, lei 13.874/19, que privilegia, entre outras questões, a autonomia da vontade, impedir que o trabalhador negocie um crédito que lhe pertence, guardadas as devidas proporções, transparece um paternalismo de outras épocas.

Em suma, o trabalhador deve ter o direito de escolher o que fazer com seus créditos judiciais, independentemente da origem desses valores. Respeitar a autonomia do trabalhador é também cumprir um preceito constitucional, que consiste em respeitar, em última análise, a dignidade da pessoa humana.

Renata Nilsson
CEO e sócia da PX Ativos Judiciais | Consultora especializada em fundos de investimentos (FIDCs) e plataformas focadas na aquisição de créditos judiciais incluindo trabalhistas, cíveis e precatórios.

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