Após quase cinco anos, finalmente fecha-se um ciclo de tramitação legislativa de um projeto de Lei extremamente importante para o fomento das políticas de proteção às crianças e adolescentes. O PL 3.026/22 (anterior PL 10.433) de autoria do Deputado Federal Eduardo Barbosa, seguiu essa semana para sanção presidencial.
Trata-se de legislação que visa regulamentar o apoio dos cidadãos às organizações da sociedade civil por intermédio dos fundos da criança e do adolescente existentes em praticamente todo o país.
O projeto foi proposto em função da insegurança jurídica gerada em decisão judicial que inviabilizava aplicação de regulamento nacional para que o doador indicasse uma organização para destinar sua doação através do respectivo fundo da criança. Como de costume, as organizações da sociedade civil que atuam com crianças e adolescentes e atuam conforma a política pública, recebem um registro e chancela dos conselhos municipais e/ou estaduais da criança e do adolescente. Lembramos que o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente é criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº8069/1990, e é composto por representantes da administração pública local e por representantes da sociedade civil de forma paritária.
As organizações da sociedade civil além de manterem em dia seus registros para desenvolver suas atividades, se desejarem buscar recursos de doadores, podem fazê-lo com um benefício ao doador, qual seja, o incentivo fiscal ao seu imposto de renda devido, o que muitas vezes acaba por ser um atrativo. Importante relembrar que, esse incentivo fiscal é voltado para pessoas jurídicas que atuam pelo regime de lucro real e às pessoas físicas que declaram seu imposto de renda pela modalidade completa.
A instituição mediante a aprovação prévia de projeto cadastrado, procura uma série de doadores (pessoa física e/ou jurídica) e estes depositam na conta do fundo municipal ou estadual da criança e do adolescente para que no prazo estipulado o projeto seja executado em uma sistemática fiável de monitoramento, avaliação e prestação de contas extremamente rigorosas.
Portanto, para ter acesso a tais recursos, a instituição deve realizar um processo envolvendo ao menos duas etapas. Primeiro o registro da organização no conselho da criança e do adolescente local, que se dará através do atendimento de uma série de requisitos prévios para o credenciamento. Segundo, será necessário que o projeto seja inscrito e aprovado pelo conselho, somente após esse rito, a organização estará apta a captar recursos objeto da doação incentivada direcionada ao Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente - CDCA.
Com a sanção do Projeto de Lei o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) passará a ter a seguinte redação em seu artigo 260 acrescido dos seguintes parágrafos 3º e 4º, passando os atuais parágrafos 4º 5º, aos §§ 5º, 6º e §7º retro:
Art. 260. Os contribuintes poderão efetuar doações aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente nacional, distrital, estaduais ou municipais, devidamente comprovadas, sendo essas integralmente deduzidas do imposto de renda, obedecidos os seguintes limites:
(...)
§ 3º Dentre as prioridades do plano de ação aprovado pelo Conselho de Direitos, , a qual poderá ser objeto de termo de compromisso elaborado pelo respectivo conselho.
§ 4º É facultado aos conselhos chancelar projetos mediante edital específico, observadas as seguintes normas:
I – a chancela deve ser entendida como a autorização para captação de recursos aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente destinados a projetos aprovados pelos conselhos;
II - a captação de recursos ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá ser realizada pela instituição proponente para o financiamento do respectivo projeto;
III - os conselhos deverão fixar percentual de retenção dos recursos captados, em cada chancela, de no mínimo 20% ao Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente;
IV – o tempo de duração entre a aprovação do projeto e a captação dos recursos não deverá ser superior a dois anos;
V - decorrido o tempo estabelecido no parágrafo anterior, havendo interesse da instituição proponente, o projeto poderá ser submetido a um novo processo de chancela;
VI - a chancela do projeto não deve obrigar seu financiamento pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, caso não tenha sido captado valor suficiente.
Em apertada síntese significa que, o PL 10.433 aprovado, terá alcance nacional, encerrando uma discussão que foi levada até o Judiciário sobre o tema, sendo facultado ao doador a indicação da destinação dos recursos doados à organização que desejar, com a segurança de que ela, de fato, será contemplada com a sua doação.
Continua preservada a prática de retenção de percentual de 20% da doação via fundo, isso para que organizações que não consigam captar, mas, no entanto, também tenham projetos aprovados, possam também ter acesso à recursos. O período estabelecido de duração entre a aprovação do projeto e a captação dos recursos não deverá ser superior a dois anos.
Conforme justificativa do autor da proposta, o eminente Deputado Eduardo Barbosa:
“Com a apresentação desta proposição, pretendemos validar as referidas normas, haja vista a sua relevância para as políticas públicas de proteção à criança e ao adolescente.”
Com efeito, possibilitar aos doadores escolher a destinação de sua preferência para os recursos doados significa estimular as doações, na medida em que haverá clareza na aplicação dos recursos e possibilidade de sua fiscalização.”
A Nota Técnica 3/20 da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente depreendeu que os aportes de recursos financeiros destinados ao atendimento especial das políticas, programas, projetos e ações de natureza complementar e temporária voltados a população infanto-juvenil devem ser apoiadas de forma prioritária como reza a Constituição Federal Brasileira, em especial, nos termos do artigo 227 que traz o dever de todos em “assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Quando pessoas físicas e jurídicas destinam voluntariamente parte de seu patrimônio para a proteção de crianças e adolescentes, estão exercendo sua cidadania em favor de uma causa de interesse público. Mesmo que escolha o projeto específico a ser apoiado em sua doação, esse mesmo projeto continuará sendo de interesse público.
Segundo estudos1 especializados sobre incentivos fiscais relacionados às motivações para doações privadas, a doação recebe um impulso adicional, quando há um mecanismo fiscal2, vez que este incentivo é compreendido como uma vantagem adicional que estimula o contribuinte. Não entendemos que deva ser um atributo para doar, vez que a doação é um ato de liberalidade desvinculada na sua origem da expectativa de contrapartida fiscal, mas hoje já podemos entender melhor como os governos podem estimular ou desestimular o comportamento de doadores.
É importante que o doador se mantenha informado sobre o uso dos recursos e a organização apresente à sociedade os resultados de seus projetos, a prestação de contas de tais recursos de forma transparente contribui para o sistema funcionar cada vez mais e melhor.
Muito embora saibamos que o PL 3026/22 aprovado poderia ainda acolher outras demandas, tais como, a ampliação do acesso ao incentivo fiscal para outras pessoas jurídicas e mais pessoas físicas (além das pessoas jurídicas que atuam sob o regime de lucro real e pessoas físicas que declaram seu imposto de renda pela modalidade completa) o projeto de lei levado à sanção deve ser celebrado como uma grande vitória da sociedade civil em prol da política de proteção integral à criança e ao adolescente.
A partir da sanção do PL 3026/22 (anterior PL 10.433) estaremos virando uma página de insegurança jurídica que dura há anos, fornecendo a todos os conselhos de direitos da criança e do adolescente a segurança que precisavam para continuarem seus trabalhos em parceria com a sociedade civil em prol de políticas públicas consistentes e eficientes para proteção de crianças e adolescentes brasileiras.
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1 BAKIJA, Jon; HEIM, Bradley T.. How Does Charitable Giving Respond to Ircentives and Income? New Estimates from Panel Data. National Tax Journal, [S.L.], v. 64, n. 22, p. 615-650, jun. 2011. University of Chicago Press.
2 FACK, Gabrielle; LANDAIS, Camille (coord). Charitable Giving and Tax Policy: a historical and comparative perspective. 1 ed. Studies of policy reform. Oxford University Press, 2012.