O STJ decidiu, no final de agosto de 2023, que “a utilização de crédito de ICMS para fins de compensação com o tributo devido é faculdade a ser exercida oportunamente pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação, não sendo possível impor ao fisco que proceda a esse encontro de contas quando do lançamento de ofício. Inteligência dos arts. 20, 23 e parágrafo único, e 24 da LC n. 87/1996.”
No caso concreto, a empresa foi autuada pelo Estado de São Paulo, e possuía crédito escritural de ICMS.
A empresa pleiteou a anulação do auto de infração, sobre o argumento de que, à época do lançamento fiscal, possuía saldo credor de ICMS em montante superior aos débitos apurados pelo Fisco, de modo que caberia à autoridade fiscal, em atenção à regra da não cumulação, realizar a compensação dos valores.
O TJSP entendeu que é direito do contribuinte utilizar créditos extemporâneos para saldar débitos de ICMS no momento da regular escrituração, nos termos do artigo 61, do RICMS/SP. Todavia, “a existência de saldo credor na escrita fiscal do contribuinte não impõe à fiscalização o dever de promover espontaneamente à compensação deste com eventuais débitos apurados.”
Em que pese ao decidido, o STJ analisou o caso sobre o prisma do direito potestativo do contribuinte em utilizar os créditos de ICMS.
Com a devida vênia, o STJ deveria ter analisado a situação sobre o prisma do lançamento de ofício realizado pelo Fisco Paulista.
Conforme o CTN, o lançamento de ofício é realizado em circunstâncias específicas, e, naturalmente, não pode ensejar em uma cobrança irregular pelo Fisco.
A lavratura de auto de infração, em razão da constatação de débitos de ICMS, deve levar em consideração a própria sistemática do cálculo do imposto, em função da regra da não cumulação, sendo necessária a apuração do quantum em livro próprio onde se confrontem créditos e débitos do imposto.
O Fisco tem acesso ao livro escritural do contribuinte; com esta informação, em nenhuma hipótese pode a Fazenda simplesmente desconsiderar o saldo credor de ICMS ao realizar o lançamento de ofício, lavrar um auto de infração e cobrar do contribuinte crédito tributário que nem sequer existiria, não fosse pela conveniência do Fisco. Este é o entendimento de um outro julgado do próprio STJ, qual seja, o Resp n°1.250.218.
O lançamento de ofício, conforme o art. 149 do CTN, basicamente é feito no caso de o contribuinte não ter realizado o lançamento, ou para corrigir eventual lançamento realizado pelo contribuinte.
O direito tributário tem o seu alicerce na regra da legalidade; tal regra é a que veda que o Fisco se aproprie de valores que não correspondam com exatidão ao crédito tributário que lhe pertence.
O art. 142 do CTN dispõe que lançamento é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido.
Interpretando sistemicamente os arts. 142 e 149, bem como sabendo que o Fisco não pode lançar valores indevidos, tendo em vista o princípio da legalidade, é notório que ele não pode desconsiderar saldo credor na escrita fiscal para lançar débito de ICMS.
Caso o leitor ainda não esteja convencido, em última análise, o ato de o Fisco, ao realizar o lançamento de ofício, desconsiderar o saldo credor de ICMS existente na escrita fiscal do contribuinte, é um ato muito conveniente, o que não se pode admitir da administração pública, devido ao princípio da confiança que nela se deposita. Fazendo uma analogia com a legislação federal, em se tratando de quando o contribuinte possui crédito a ser ressarcido ou restituído pelo Fisco, este, antes de entregar os valores ao contribuinte, verifica a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor, conforme o art. 73 da Lei n° 9.430/96. É evidente que este procedimento trata da relação entre o contribuinte e a Fazenda Nacional. Todavia, é um ato com decorrência lógica, já que os mesmos sujeitos são entre si credores e devedores; é a materialização do princípio da eficiência na administração pública.
Todavia, voltando ao julgado do STJ, entendemos que a análise do caso deveria ter sido feito sobre o prisma da finalidade do lançamento de ofício, e, neste caso, é evidente que proceder lançamento de ofício desconsiderando saldo credor escriturado é uma violação do art. 142 do CTN, já que não houve o devido cálculo do montante devido do tributo.