Não é de hoje que o Brasil tem despertado atenção pela excessiva judicialização, em especial nas demandas relativas a relações de consumo, as quais envolvem bancos, empresas de telecomunicação, seguradoras, companhias áreas, planos de saúde, dentre outras.
É de conhecimento comum a morosidade do Judiciário, certamente impactado pela avalanche de processos judiciais, comprometendo o princípio da celeridade processual.
A judicialização excessiva prejudica, juntamente com outros fatores, o setor da aviação civil, por exemplo, que vê suas margens de lucro já apertadas, serem cada vez mais espremidas por milhares de processos propostos.
Os custos operacionais são repassados aos consumidores de forma direta e/ou indireta como ocorreu recentemente, onde duas companhias aéreas optaram por descontinuar trechos de suas malhas aéreas, devido ao grande número de processos judiciais distribuídos em Rondônia e no Amazonas.1
Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente existem 164 mil processos envolvendo companhias aéreas no Brasil, o que demonstra a grande litigiosidade no setor2.
Conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (IBAER) apurou que, no ano de 2021, 98,5% das ações cíveis no mundo contra as companhias aéreas estão concentradas no Brasil.
Nesta toada, conforme estudo realizado pela IATA, “a chance de uma empresa aérea ser processada no Brasil é 5.836 maior que nos Estados Unidos3”. A IATA destaca que “nos Estados Unidos 1 ação judicial é gerada a cada 7.883 voos operados, a mesma empresa operando no Brasil sofre 1 ação judicial a cada 1,35 voos.
Diante da globalização consumada e incremento da velocidade nas relações comerciais, eleva-se o risco de possíveis conflitos.
Com base neste cenário, nos últimos anos, houve o surgimento de empresas no ramo de Startups denominadas “Civic Techs”, cujo objetivo é promover a judicialização em massa, especialmente voltadas ao segmento da relação de consumo, concretizando uma verdadeira atividade comercial, visto que estas, empregam grande recursos na divulgação de seus serviços através do marketing digital.
Se utilizando do desenvolvimento tecnológico, tais empresas ofertam a garantia de lucro fácil (indenizações) aos consumidores, para que estes proponham ações contra companhias aéreas, desincentivando soluções alternativas de resolução de conflitos, como a plataforma Consumidor.gov e SAC da própria companhia. O movimento preocupa não somente o Poder Judiciário, mas toda classe dos advogados, pois a atividade além de ser banalizada, pressiona o Judiciário que, cada vez mais, recebe ações, além de infringir preceitos éticos, levando a OAB a propor medidas contra esta prática.4
Perante este contexto, a Corregedoria Geral de Justiça (CGJ) instituiu o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (NUMOPEDE), para monitorar o e identificar demandas repetitivas.
Igualmente, os Tribunais estão divulgando notas técnicas para coibir a litigância excessiva com sugestões de boas práticas aos magistrados.
Dentre as boas práticas recomendadas, destacamos a necessidade da regularização processual em situações de procurações com assinaturas digitais sem certificado; regularização de documentos ilegíveis; comparecimento presencial às audiências; análise rigorosa de possível conexão ou litispendência, entre outras que permitem, inclusive, a aplicação de multa de litigância de má-fé e expedição de ofício para a OAB, se confirmada o uso indevido do poder judiciário São exemplos as?notas técnicas produzidas pelo Centros de Inteligência do TJMT, TJMS, TJBA, TJRN, TJPE e TJMG5
Por fim, demonstrado os impactos negativos ocasionados pelo excesso de judicialização, em especial, no segmento de aviação civil, que embora empregue esforços contínuos para ampliar e melhorar seus serviços prestados, acabam por adotar decisões drásticas, como a interromper rotas, para tentar se distanciar dos custos decorrentes do excesso de processos judiciais.
Faz-se necessário o estímulo de práticas que promovam equilíbrio entre o direito do consumidor e os impactos para as empresas, devendo a judicialização excessiva ser frequentemente combatida, bem como monitorado o uso indevido e indiscriminado dos meios tecnológicos que fomentam este fenômeno, visto que a tecnologia e a inovação jurídica devem ser aliadas da sociedade e não os algozes, prática que defendemos.
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1 https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2023/07/20/gol-retira-voos-porto-velho-a-manaus-excesso-de-judicializacao.ghtml
2 https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/brasileiros-movem-98-dos-processos-contra-aereas-no-mundo-diz-associacao
3 https://valordaaviacao.org.br/judicializacao/
4 https://www.jota.info/coberturas-especiais/aviacao-%20competitividade/liberfly-condenada-oab-01062021