Há tempos defendo que as cláusulas de eleição de foro estrangeiro e/ou de compromisso arbitral no instrumento de contrato internacional de transporte marítimo de carga são abusivas, portanto, ilegais, quando não nulas de pleno direito. E quando falo do modo de transporte marítimo internacional, que é o principal do ramo internacional de cargas, falo evidentemente de todos os modos, pois não podem existir cláusulas que impliquem renúncia tácita ao exercício pleno da garantia fundamental de acesso à jurisdição.
O contratante do serviço de transporte e/ou o dono da carga podem escolher com o transportador livremente a jurisdição que melhor lhes convier. Podem preferir a arbitragem como meio veraz de solução de litígios, fazendo assim convergirem direitos e interesses.
Podem e até devem, opino com absoluta franqueza e até algum entusiasmo por jurisdições estrangeiras e pelo uso mais frequente da arbitragem e, antes, da mediação.
Repito: podem e devem, desde que a variável “liberdade” não seja suprimida da equação. É de liberdade que se compõe o núcleo da voluntariedade, e a voluntariedade está no centro da eleição de jurisdição estrangeira e de arbitragem em qualquer lugar do mundo.
Como os contratos internacionais de transporte marítimo de carga são, a rigor, de adesão e sem muito espaço para a negociação prévia, formal, desimpedida das partes, não há eleição de foro estrangeiro, e sim imposição; igualmente, não há compromisso arbitral, mas determinação de uma parte à outra.
São raros os contratos em que os contratantes dos transportes e/ou donos de cagas verdadeiramente negociam os clausulados e expressamente optam por foros estrangeiros ou procedimentos arbitrais. Raros, para não dizer raríssimos e quase sempre em transporte de granéis.
A regra é a da imposição abusiva e antijurídica da forma adesiva de contratação. Forma que é a empregada comumente para o fluxo dos negócios mundiais e que em casos de sinistros conta sempre com a Justiça para os devidos reparos, seguindo-se, assim e corretamente, a métrica da visão econômica do direito e do saudável pragmatismo.
A justiça endireita aquilo que no mundo dos fatos é costumeiramente torto, e que vige em países com outros interesses econômico-financeiros, outras realidades sociais e gama de visões mais poliédricas em relação aos atores econômicos.
Discussões outras à parte, é certo que a própria Lei de Arbitragem exige forma específica para seu uso em contratos de adesão. É igualmente certo que essa forma não é respeitada pelos transportadores. Tudo é feito ao arrepio da boa forma legal, sem o selo prévio da voluntariedade e distante do que se entende por livre negociação. Resultado? Gravíssima ofensa ao acesso à jurisdição, que é garantia fundamental.
Para além de tudo isso, há algo ainda a ser pesado, medido, valorado e muito bem considerado: a figura singular do segurador sub-rogado.
Válida ou não a cláusula de imposição de foro ou de procedimento arbitral (no Brasil ou no exterior) diante do segurado, tem-se sua mais absoluta ineficácia em relação ao segurador sub-rogado, que costuma ser o grande protagonista dos litígios contra os transportadores marítimos por danos nas cargas.
O dono da carga, vítima original do dano causado pelo transportador, reclama do seu segurador a indenização de seguro. O segurador regula os fatos, identifica a cobertura e efetua a indenização. Sub-roga-se nos direitos e ações do segurado (art. 786 do Código Civil) e tem o direito, para não dizer dever, de buscar o ressarcimento em regresso contra o causador do dano (Súmula 188 do STF).
Ao buscar o ressarcimento em regresso, investido da lei civil e amparado por súmula do STF, o segurador sub-rogado não defende apenas seus legítimos interesses, mas também os do mútuo, os do colégio universal de segurados, bem como os da sociedade em geral, dada a importância da higidez da saúde do negócio de seguro.
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