Assim como ocorre em outros países ao redor do mundo, a regulamentação da inteligência artificial no Brasil também tem levantado questionamentos acerca do seu escopo e da sua abordagem.
Desde 2019, o Congresso Nacional passou a discutir alguns projetos de lei sobre o tema, que ganharam contornos distintos e atualmente estão em trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Dentre os principais projetos que pretendem regulamentar a inteligência artificial no Brasil estão os seguintes:
PL 5.051/19
Apresentado em setembro de 2019, pelo Senador Styvenson Valentim, o projeto é focado em estabelecer princípios para o uso da inteligência artificial no Brasil, sem prever obrigações específicas ou sanções por eventual violação aos seus termos. Trata-se de proposta mais genérica, redigida em um período no qual o tema não estava em tanta evidência como no momento atual.
PL 5.691/19
Apresentado em outubro de 2019, também pelo Senador Styvenson Valentim, o projeto pretende estabelecer a Política Nacional de IA, pautada em princípios e diretrizes similares ao PL 5.051/19. Em linha com o projeto anterior, não são estabelecidas obrigações adicionais ou determinações específicas de governança de sistemas de inteligência artificial.
PL 21/20
Apresentado em fevereiro de 2020, pelo Deputado Federal Eduardo Bismarck, é o único dos projetos em andamento que já foi aprovado em uma das casas do Congresso Nacional, em setembro de 2021.
Trata-se de projeto mais robusto, que estabelece definições específicas de sistemas de inteligência artificial e agentes de inteligência artificial, prevê princípios e fundamentos, cria direitos de acesso a informações, deveres aos agentes de inteligência artificial e prorrogativas ao Poder Público.
PL 872/21
Apresentado em fevereiro de 2021, pelo Senador Veneziano Vital do Rêgo, o projeto é muito similar ao PL 5.051/19, limitando-se a estabelecer princípios gerais no uso da inteligência artificial e diretrizes para a atuação do Poder Público. Embora posterior aos demais, é um texto sucinto, menos prescritivo do que o PL 21/20.
PL 2.338/23
Apresentado em maio de 2023, pelo Senador Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal, é o projeto de lei mais completo até o momento, tendo nascido a partir do trabalho realizado pela Comissão de Juristas instituída pelo Senado para subsidiar a minuta de substitutivo aos PLs 5.051/19, 21/20 e 872/21, que elaborou um relatório final de mais de 900 páginas a respeito do tema.
A minuta de substitutivo redigida pela Comissão de Juristas foi integralmente utilizada pelo Presidente do Senado Federal para apresentar este novo projeto de lei, que passou a tramitar conjuntamente com os demais projetos indicados acima e que recentemente foi distribuído ao Senador Eduardo Gomes, para emitir relatório na Comissão Temporária Interna sobre IA no Brasil.
O projeto possui um forte alinhamento com o IA Act da UE. Ao longo de seus 45 artigos, cria diversos direitos a pessoas afetadas por sistemas de IA (como a possibilidade de contestar decisões ou previsões tomadas por eles), categoriza níveis de riscos distintos, impondo vedações a sistemas de risco excessivo e medidas de governança específicas para sistemas de alto risco (determinando que em ambos os casos a responsabilidade civil do fornecedor ou operador é objetiva).
O PL também estabelece obrigações de comunicação de incidentes graves e determina a designação de uma autoridade competente para implementar e fiscalizar a legislação, papel que alguns órgãos reguladores, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, têm tentado invocar para si desde já.
É o único dos projetos de lei que prevê sanções administrativas em caso de violação aos seus termos, mais severas até do que aquelas estipuladas pela lei geral de proteção de dados pessoais, incluindo multa simples de até 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, do seu grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos.
Observa-se, portanto, que não faltam projetos de lei para propor regras ao uso e desenvolvimento da IA no Brasil. A depender do andar da carruagem, é até possível que o país seja o primeiro a regulamentar o tema em âmbito federal no mundo.
Contudo, diante da relevância do tema e dos reflexos que uma regulamentação ruim pode causar ao desenvolvimento tecnológico, é fundamental que o Congresso Nacional não apresse a edição da norma sem que um amplo debate seja antes realizado, com a participação efetiva de todos os setores da economia.