Em 2016 foi ajuizada ação de nulidade atinente à marca nominativa PAPETE1, concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade em 3/10/95. Ao julgar a ação, o juiz federal da 31ª Vara Federal do Rio de Janeiro, dr. Marcelo Tavares, acolhendo o argumento suscitado pela titular do registro, julgou improcedente diante da prescrição para o ajuizamento da ação, eis que, conforme previsto no artigo 174, da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), o prazo para se impugnar judicial a concessão de um registro de marca é de 5 anos.
Contudo, após a interposição do recurso de apelação pela autora, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria de votos (3x2), reformou a sentença, afastando a prescrição da pretensão, sob o fundamento de que seria aplicável ao caso o disposto no art. 6º, bis, (3), da Convenção da União de Paris, uma vez que a titular do registro teria agido de má-fé ao adquirir o pedido de registro da titular originária, posto que, segundo o Wikipédia2, o termo é normalmente utilizado para descrever um modelo de calçado, chamado de papete, tratando-se, assim, de marca notoriamente conhecida.
Nesse contexto, a titular do registro opôs embargos de declaração alegando omissão e contradição no julgado, haja vista que, diferentemente do consignado pelo Tribunal, não teria agido de má-fé, na medida em que “a febre de consumo de calçados ‘Papete’ nos anos 1990 teria ocorrido através da fabricante Birkenstock, que [...] iniciou suas atividades no território brasileiro ao final do ano de 2014 - 10 (dez) anos após a concessão do registro da marca”, bem como que “a empresa alemã não possui qualquer depósito para a marca ‘Papete’ no Brasil”. Os aclaratórios, no entanto, restaram rejeitados pelo Eg. Tribunal Regional Federal.
A titular interpôs recurso especial chamando atenção que o conteúdo disposto atualmente na plataforma colaborativa Wikipédia é editável por qualquer indivíduo, mas sobretudo que eventual consideração sobre o termo “papete” ser comum ou descritivo do produto deveria ser analisado a partir do cenário quando do depósito do registro, em 1985. A titular do registro, em seu recurso, ainda enfatiza que “não há notícias de que o termo sob exame era ‘genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo’ como prevê o inciso VI, do art. 124 da LPI”, assim como que “ainda nos dias de hoje (isto é, 36 anos após o depósito do registro), o termo ‘papete’ não está presente no vernáculo oficial”. Tendo ainda destacado que tais alegações foram aventadas perante o Tribunal local, inclusive em sede de embargos declaratórios, mas não enfrentadas.
Apesar de o recurso especial ter sido inadmitido na origem e o agravo em recurso especial desprovido, inicialmente, pela Presidência do STJ, após exercitar o juízo de retratação em sede de agravo interno, o recurso foi distribuído ao Ministro Antônio Carlos Ferreira3, que recentemente conheceu e deu provimento ao recurso especial para anular o acórdão proferido pelo TRF-2 e determinar o retorno dos autos para o Tribunal, para que seja esclarecida “a fonte confiável que ampara a tese de fama do calçado Papete na década de 90, e se em 1985, data em que houve o pedido de registro da marca Papete, o calçado já era famoso”4.
A despeito de o Superior Tribunal de Justiça não ter enfrentado o mérito do recurso especial, a mais alta Corte Superior para matéria infraconstitucional, ao assim decidir, andou bem ao consignar não apenas que o site Wikipédia não seria, a princípio, fonte confiável para se aferir eventual dicionaridade de um sinal ou, ainda, se determinado sinal é comum ou descritivo de produto. De igual maneira, impõe ao Tribunal local que verifique eventual irregistrabilidade do sinal a partir do contexto no momento do depósito e não na data de julgamento do recurso.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu, alinhado com seu entendimento jurisprudencial há tempos consolidado, que “não havendo apreciação dos declaratórios em relação a ponto relevante, impõe-se a anulação do acórdão recorrido para que o recurso seja novamente apreciado”; enaltecendo a importância dos embargos de declaração diante de omissão verificada perante o Tribunal local, para fins de preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso especial, “considerando que a análise fático-probatória não pode ser realizada” perante o Superior Tribunal de Justiça; daí decorrendo a anulação do acórdão recorrido, para que os declaratórios sejam novamente julgados pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Resta, agora, aguardar a manifestação do Tribunal Regional Federal.
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1 Processo n. 0167293-64.2016.4.02.5101.
2 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal. Acesso em 16/08/2023.
3 Agravo em recurso especial autuado sob o n. 2.103.545/RJ.
4 Ressalta-se que a decisão ainda não transitou em julgado e pode ser impugnada.