Nos últimos anos, uma espécie de operação financeira polêmica tem chamado a atenção de muitos consumidores e juristas: o parcelamento automático da dívida de cartão de crédito. A resolução 4549/17 do Banco Central estabeleceu diretrizes para o popularmente denominado parcelamento automático de dívidas, também conhecido como parcelamento compulsório, com requisitos claros e o objetivo de proteger o consumidor de crédito e combater o superendividamento.
No entanto, muitas instituições financeiras estão utilizando essa norma de forma abusiva, desviando-se da sua finalidade original, gerando enriquecimento ilícito e por consequência prejudicando os consumidores.
De antemão, é imprescindível destacar que o parcelamento automático de dívida de cartão de crédito tem amparo legal nos arts. 1º e 2º da resolução 4549/17 do BACEN, quais sejam:
“RESOLUÇÃO Nº 4.549, DE 26 DE JANEIRO DE 2017
Dispõe sobre o financiamento do saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos.
Art. 1º O saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos, quando não liquidado integralmente no vencimento, somente pode ser objeto de financiamento na modalidade de crédito rotativo até o vencimento da fatura subsequente.
Parágrafo único. O financiamento do saldo devedor por meio de outras modalidades de crédito em condições mais vantajosas para o cliente, inclusive no que diz respeito à cobrança de encargos financeiros, pode ser concedido, a qualquer tempo, antes do vencimento da fatura subsequente.
Art. 2º Após decorrido o prazo previsto no caput do art. 1º, o saldo remanescente do crédito rotativo pode ser financiado mediante linha de crédito para pagamento parcelado, desde que em condições mais vantajosas para o cliente em relação àquelas praticadas na modalidade de crédito rotativo, inclusive no que diz respeito à cobrança de encargos financeiros.”
Como se observa, esta resolução dita que o denominado crédito rotativo somente poderá ser utilizado por um único mês, até o vencimento da fatura subsequente, de modo que, a partir daí, a instituição financeira deverá abrir linha de crédito para pagamento parcelado do valor devido, desde que em condições mais vantajosas. Assim, nota-se que a literalidade da norma exige dois requisitos, que são:
I) Se houver efetivamente inadimplemento que ultrapasse a data de vencimento da fatura subsequente da que está em atraso; e
II) Se as condições são mais vantajosas do que as do rotativo.
Resumindo: o parcelamento automático da dívida tem previsão legal, porém ele só é permitido após o vencimento da fatura subsequente, bem como se for medida benéfica ao consumidor.
Esse procedimento tem a finalidade de prevenir o superendividamento e consequentemente evitar a exclusão social do consumidor, pois permite que o consumidor parcele dívidas em atraso em condições mais benéficas que as do crédito rotativo, o que atenua o crescimento do total devido em decorrência da inadimplência.
Ocorre que muitos bancos e instituições financeiras vêm desvirtuando a finalidade da norma que permite o parcelamento automático, quando sem a autorização do consumidor fazem o procedimento com o intuito de impor um longo financiamento, a ser pago em várias parcelas e com incidência de elevadas taxas de juros.
Além disso, essa ação danosa vem sendo promovida conjuntamente com antecipação da cobrança desse parcelamento automático, que pela resolução só é aplicável e exigível após o vencimento da fatura subsequente da que está em atraso.
A justificativa dada para isso, conforme os bancos, é de que a resolução 4.549/17 do Banco Central em seu texto não exige que o consumidor seja informado da referida operação.
Contudo, por se tratar de uma relação de consumo, a interpretação e aplicação da resolução não deve ser de forma isolada, mas sim levando em consideração todo o ordenamento jurídico, sobretudo o CDC. Sendo importante detalhar que, nos termos da Súmula 297 do STJ, aplica-se aos bancos e às instituições financeiras as regras do CDC.
Dessa maneira, a conduta de realizar o parcelamento automático sem a solicitação ou aviso ao consumidor é medida abusiva, tendo em vista que viola direitos básicos como:
I) O direito à informação sobre operações financeiras feitas em nome do consumidor, em respeito aos incisos III, XI,e XII, do art. 6º; art. 54-B; e art. 54-D, do CDC; e
II) O direito da aplicação e interpretação das leis em favor da proteção ao consumidor, pela previsão dos incisos VI e VIII, do art. 6º; art. 47, também do CDC.
Desse modo, verifica-se que é ilegal a prática do parcelamento automático, quando não informado ao consumidor, pois essa operação depende de autorização prévia do devedor e de sua comunicação inequívoca, não podendo ser simplesmente imposto de forma automática, especialmente por se tratar de uma operação de crédito, pelas exigências dos arts. 54-B; e 54-D, do CDC.
Além disso, como já exposto, o procedimento deve ser iniciado e aplicado após o vencimento da fatura subsequente à vencida, bem como se for medida mais benéfica ao consumidor.
Dessa forma, a atitude dos bancos e instituições financeiras que usam da prática do parcelamento automático da dívida do cartão de crédito, para impor um financiamento de dívida em longas parcelas, as quais incidem elevados percentuais de juros, desvirtua por completo a mencionada Resolução, nascida com o objetivo de proteger o consumidor de crédito e combater o seu superendividamento.
Além de corromper a função social e econômica dessa regulação, o irregular parcelamento automático causa desvantagem exagerada ao consumidor, na forma do art. 187 do Código Civil e art. 39, inciso V, do CDC. Também vale destacar que, nos termos dos arts. 54-B; e 54-D, do CDC, é imprescindível a ciência do consumidor acerca de operações de crédito.
Sendo assim, o parcelamento automático do débito de fatura de cartão de crédito não paga integralmente deve ser invalidada quando:
I) Não ocorrer efetivo inadimplemento que ultrapasse a data de vencimento da fatura subsequente à fatura vencida;
II) Não aplicar o parcelamento em condições são mais vantajosas do que as do rotativo;
III) Não houver ciência do consumidor, pois infringe o dever de informação ao consumidor, em respeito aos incisos III, XI,e XII, do art. 6º; arts. 54-B; e 54-D, do CDC;
IV) Gerar débito demasiadamente oneroso ao consumidor, que desvirtue a finalidade da Resolução do BACEN n. 4.549/17, tendo em vista que as condições mais vantajosas não podem dizer respeito apenas a taxa de juros desse parcelamento automático, mas também quanto à totalidade da contratação, considerando ainda as possibilidades subjetivas do consumidor.
Em síntese, o parcelamento automático de dívida de cartão de crédito tem amparo legal nos artigos 1º e 2º da Resolução n. 4549/2017 do Banco Central e é permitido, desde que:
I) Ocorra efetivo inadimplemento que ultrapasse a data de vencimento da fatura subsequente da que está em atraso;
II) Se aplicado em condições mais vantajosas do que as do rotativo;
III) Aconteça diante a ciência inequívoca do consumidor; e
IV) Não desvirtue a finalidade da Resolução do BACEN 4.549/17, gerando débito demasiadamente oneroso ao consumidor.
Por fim, é necessário ser mencionado que é cabível a indenização por danos morais ao consumidor, se houver o parcelamento de dívida já adimplida, tendo em vista que essa atitude se configura como cobrança indevida. Além disso, se o consumidor tiver pago a cobrança indevida, fará jus tanto à indenização por danos morais, quanto ao recebimento em dobro de todos os valores pagos indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.